Carey Mulligan brilha e pode roubar a cena no Oscar com ‘Bela Vingança’
Demolidora, a atriz brilha como uma mulher consumida por uma missão na surpreendente estreia na direção da atriz Emerald Fennell
Noite sim, noite não, Cassandra (uma formidável Carey Mulligan) pode ser encontrada em bares e baladas com a maquiagem em excesso já algo borrada, as roupas meio fora de lugar e o olhar vidrado e o andar cambaleante de quem bebeu demais. E, vez sim e vez sim também, algum frequentador posa de cavalheiro e se oferece para levá-la em casa, ou apresenta-se como festeiro e a convida a esticar a noitada. No momento em que eles avançam — e cedo ou tarde eles avançam —, Cassandra, que na verdade está bem sóbria, serve-lhes uma dose farta de arrependimento. Em Bela Vingança (Promising Young Woman, Inglaterra/Estados Unidos, 2020), com estreia prevista para a quinta-feira 22 nos cinemas que estejam em funcionamento, ela não é só uma mulher com uma missão; é uma mulher consumida por essa missão.
Como quem põe na rua todos os móveis da casa que não sejam indispensáveis, Cassandra subsiste com um emprego abaixo de suas capacidades para que o trabalho lhe roube o mínimo de energia; não cultiva amores nem amizades; e entra em letargia quando visita os pais na casa deles — que, em um toque sutil mas bem colocado, a diretora Emerald Fennell, estreante que emplacou cinco indicações de peso ao Oscar, mostra como antro asfixiante de cortinas, tapetes e cacarecos. Há uma razão específica para a sanha de Cassandra. Mas, do ponto de vista dramatúrgico, interessa menos a razão (não de todo convincente, aliás) que a reação engendrada por ela: uma saturação absoluta com a facilidade com que alguns homens diminuem, objetificam, desvalorizam e descartam as mulheres e, apesar de não terem eles próprios nenhum mérito a reivindicar (ou não precisariam dessas táticas para escorar seu ego), ainda assim causam danos profundos nas mulheres que depreciam.
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Conhecida como a Camilla Parker Bowles da série The Crown, a inglesa Fennell se mostra uma diretora ferina, vivaz e cheia de humor perverso, e com talento para imprimir sabores específicos a cada cena. Fennell é menos firme nas mudanças tonais, algo que fica claro no terceiro e último ato de Bela Vingança. Mas compensa as hesitações típicas de um primeiro trabalho com a escalação brilhante de Carey Mulligan: vista na maioria das vezes em papéis em que a delicadeza é uma exigência na construção da personagem, como em Educação, Longe Deste Insensato Mundo ou A Escavação, ela aqui entra em modo demolidor. Tem a obstinação de um autômato no início; expõe-se a uma pane no sistema quando abre um brecha para o velho conhecido Ryan (Bo Burnham, ótimo), que encontra por acaso no café em que trabalha; e implode com visceralidade e desespero assustadores no desfecho, deixando uma impressão que se prolonga muito além do final do filme. Apesar da vitória recente de Viola Davis por A Voz Suprema do Blues na premiação do Sindicato dos Atores, Mulligan continua a ser uma excelente aposta para o Oscar deste ano. Ou uma excelente aposta, ponto.
Publicado em VEJA de 21 de abril de 2021, edição nº 2734
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