Os bastidores do encontro de titãs que inspirou ‘Uma Noite em Miami’
Na corrida pelo Oscar 2021, filme imagina o que teria acontecido quando Muhammad Ali, Malcolm X, Jim Brown e Sam Cooke se reuniram em 1964
A noite de 25 de fevereiro de 1964 foi marcada pelo encontro de quatro figuras icônicas na luta pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos. O ativista Malcolm X (Kingsley Ben-Adir), o jogador da NFL Jim Brown (Aldis Hodge) e o cantor Sam Cooke (Leslie Odom Jr.) se uniram a Cassius Clay (Eli Goree), que mais tarde viria a ser conhecido como Muhammad Ali, para comemorar a vitória do boxeador contra Sonny Liston na categoria peso pesado. Pouco se sabe sobre o que aconteceu nesse encontro. Para o dramaturgo Kemp Powers, porém, essa noite inspirou uma peça de teatro e o filme Uma Noite em Miami…, indicado em três categorias no Oscar 2021. O longa dirigido pela atriz Regina King imagina os acontecimentos e um longo debate entre o quarteto sobre suas opiniões em relação ao combate ao racismo. Confira abaixo o que é fato e o que é ficção em Uma Noite em Miami…:
Sorvete de baunilha como prato principal
Quando Cassius, Jim e Sam Cooke se reuniram no quarto de Malcolm X no Hampton House Motel para comemorar a grande vitória do pugilista, o prato principal era… sorvete de baunilha. Esse pequeno detalhe registrado no filme é um dos poucos fatos de que se tem total certeza sobre aquela noite. Segundo Kemp Powers, responsável pelo roteiro do filme, o detalhe apareceu em várias biografias, como em Ali: A Life, sobre Muhammad Ali.
Fotos de Cassius na piscina
Logo no início do filme, Cassius Clay faz um ensaio fotográfico debaixo d’água, que mais tarde viria a se tornar uma marca famosa do pugilista. Fazendo poses como se estivesse pronto para atingir um oponente no ringue, o jovem de 22 anos ao menos sabia nadar. Esta peculiar sessão de fotos é verídica, mas aconteceu três anos antes dos eventos narrados no filme, em 1961. Cassius e seu treinador disseram para o fotógrafo Flip Schulke que treinar debaixo d’água era algo comum para os boxeadores exercitarem a resistência.
A inspiração de Sam Cooke ao ouvir Bob Dylan
Após uma discussão com Malcolm X, Sam Cooke conta para Jim Brown que sentiu raiva da música Blowin ‘in the Wind, de Bob Dylan, por ela ser muito boa e também porque ele não a tinha escrito. Malcolm havia dito que a música de Dylan, um homem branco, falava mais sobre a luta do movimento negro do que qualquer coisa feita por Cooke, famoso por composições românticas. No final do filme, o cantor apresenta uma música inspirada em Blowin’ in the Wind chamada A Change is Gonna Come no programa The Tonight Show, apresentado por Johnny Carson. Na vida real, Cooke de fato se inspirou na música de Dylan, mas gravou a canção no final de janeiro de 1964 e a apresentou no The Tonight Show uma semana depois, tudo isso antes de Cassius vencer a luta contra Liston, segundo a Oxford University Press. Outro ponto que se esbalda na liberdade poética é a representação da música de Dylan como única e maior inspiração para Cooke, que já estava escrevendo composições com um teor mais social antes.
Carreira de ator de Jim Brown
A carreira de ator do astro da NFL Jim Brown realmente aconteceu, mas ela não começou antes da noite que passou com os amigos em fevereiro de 1964. Diferente de Uma Noite em Miami, em que Brown conta para Cassius que já havia atuado em um filme de faroeste, na vida real o jogador fez sua primeira aparição em um longa-metragem no final daquele ano, em Rio Conchos. A descrição do personagem interpretado por Brown dita no filme é verdadeira: um soldado negro que acaba morrendo no meio da história. No final do filme dirigido por Regina King, Jim Brown anuncia, em um set de Os Doze Condenados, sua aposentadoria da NFL para se dedicar a carreira de ator, o que aconteceu em 1966, de acordo com o Sports Illustrated.
Malcolm X paranoico com o FBI
Durante dois momentos do filme, Malcolm X observa homens brancos suspeitos de longe. Na primeira vez, quando está em uma cabine telefônica falando com sua esposa, e na segunda, próximo ao final, quando comemora a vitória de Cassius com os amigos em um restaurante – nesta última, um dos homens parece segurar uma câmera. Esses detalhes não foram colocados à toa. Um ano antes de sua morte, em fevereiro de 1965, Malcolm X estava sob vigilância do FBI. Por meses, os agentes ouviram seus telefonemas e o fotografaram. Após a sua saída da Nação do Islã, o ativista fundou uma organização própria, a Muslim Mosque, Inc., o que foi considerado motivo suficiente para o FBI monitorá-lo e até considerar grampear sua casa. A desconfiança e a paranoia de Malcolm em ser perseguido, o que realmente aconteceu, aparece de forma sutil em Uma Noite em Miami.