Em campanha, o candidato Jair Bolsonaro teve um sonho: criar mais dez cadeiras no Supremo Tribunal Federal, aumentando a composição da Corte para 21 juízes e, desse modo, “mudar o rumo das decisões que têm envergonhado o país”. Assim disse ele nos idos de 2018. Uma solução ao molde venezuelano, que por motivos óbvios nem chegou a ser tentada. O STF, no entanto, continuou ocupando lugar de destaque nas obsessões do presidente.
Bolsonaro não foi o primeiro nem será o último mandatário a vivenciar a ilusão de controle sobre o tribunal detentor da última palavra a respeito do que permite ou não a Constituição, embora tenha sido o único do período pós-redemocratização a falar em interferir na organização e, portanto, nas decisões do tribunal.
A ditadura aumentou os assentos de onze para dezesseis em 1965. Quatro anos depois três ministros foram afastados por força do AI-5, dois se aposentaram em solidariedade e no governo de Garrastazu Médici retornou-se ao desenho original.
De lá para cá, os governos do PT foram os que mais indicaram ministros. Luiz Inácio da Silva nomeou oito e Dilma Rousseff cinco, quatro dos quais hoje aposentados e dois falecidos. Bolsonaro terá direito a duas indicações, que somariam doze, caso a realidade não se contrapusesse aos devaneios de sua mente.
Sem garantias, aspirantes a um assento no STF prestam serviços antecipados ao presidente
Mesmo restrito às vagas de Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, o presidente produz um espalhafato que movimenta hoje sete nomes. Já foram nove quando Sergio Moro integrava a lista e antes de Ives Gandra Filho declinar da sondagem. Uns mais, outros menos afoitos, são os seguintes: André Mendonça (ministro da Justiça), Jorge Oliveira (ministro da Secretaria-Geral da Presidência), Augusto Aras (procurador-geral), William Douglas (juiz federal), Marcelo Bretas (juiz federal), João Otávio de Noronha (presidente do Superior Tribunal de Justiça) e Humberto Martins (eleito próximo presidente do STJ).
Nem todos cumprem os pré-requisitos de notório saber jurídico e reputação ilibada, mas todos compartilham afinidades ideológicas e/ou religiosas com o presidente. Ele tem se notabilizado por manipular a vaidade dos cotados, que, em alguns casos, se traduz em pura vassalagem. Bolsonaro tem prazo até novembro para definir o escolhido para a vaga de Celso de Mello, mas até lá vai se valendo do espírito prestativo de um e de outro.
Aras se reveza entre agrados e desagrados, Mendonça assume o papel de advogado de Bolsonaro, Bretas o presenteia com sua presença em ato político, Oliveira reitera manifestações de lealdade ao chefe, Martins intimou, como corregedor do Conselho Nacional de Justiça, o juiz Flávio Itabaiana a explicar a razão de seu desagrado com a concessão de foro especial a Flávio Bolsonaro, e João Noronha inovou ao beneficiar com prisão domiciliar a fugitiva mulher de Fabrício Queiroz.
Escaldado por exemplos anteriores, Bolsonaro não se contenta com promessas, e por isso esses candidatos “matam no peito” previamente. Sem garantia de que não estão caindo no conto da vaga.
Publicado em VEJA de 22 de julho de 2020, edição nº 2696