Você cruza com um conhecido de longa data e, depois do soquinho ou da cotovelada protocolar destes tempos, a etiqueta manda apresentá-lo ao seu acompanhante. Só tem um problema: o nome dele, tão familiar, de repente lhe fugiu da cabeça. Nessas horas precisamos contar com o traquejo social do outro, que, ao perceber o constrangimento, se antecipa e diz o próprio nome.
Quantas vezes passamos por situações assim! Às vezes o que nos escapa é o nome de algo corriqueiro. A palavra exata brinca de esconde-esconde, e só aparece, num estalo da memória, quando, passado o momento de necessidade, deixamos de tentar procurá-la.
Costumamos dizer que o nome arredio estava na “ponta da língua”. O inglês tem a mesma expressão: tip of the tongue. Como o inglês é mais influente do que o português, a sigla que se refere a esse tipo de lapso de memória não é PL, mas TOT. Pesquisadores ao redor do mundo têm se debruçado sobre o fenômeno, tentando compreender suas causas e descobrir meios de evitá-lo.
De acordo com o estereótipo, conforme envelhecemos passamos a esquecer com mais facilidade. Os especialistas, no entanto, mostram que não é bem assim. Embora a idade contribua, de fato, para o aumento dos episódios de esquecimento, estudos na Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, mostram que isso tem mais a ver com conhecimento acumulado do que com faixa etária.
“Relaxado, imerso em seus pensamentos, você pode acabar encontrando a palavra que queria”
Alguém com repertório extenso — que conhece mais pessoas, assistiu a mais filmes, leu mais livros, ouviu mais músicas — terá naturalmente mais dificuldade para lembrar de vez em quando de uma ou outra coisa que absorveu ao longo do tempo. Afinal, seu arquivo mental é maior. Além disso, pessoas com mais idade costumam ter muita informação na chamada memória de longo prazo, que nem sempre é prontamente acessível. Mas o que é mais importante recordar: um momento marcante do passado, uma lição valiosa que a vida nos ensinou, ou um simples nome? E, cá entre nós, nem tudo vale a pena ser lembrado. Tem coisas que merecem ser esquecidas: aquele presentinho de gosto duvidoso no Natal, a relação que não deixou saudade, a série que não engrenou. Aquilo que esquecemos também ajuda a formar quem somos. Essa, aliás, é uma lição especialmente valiosa neste ano estranho de 2020, cheio de momentos que preferiríamos não lembrar.
Mesmo assim, ninguém gosta de ficar com uma expressão na ponta da língua. É possível diminuir a frequência desse tipo de situação? De acordo com os especialistas, sim. O segredo é praticar mais atividades físicas. Um estudo publicado na prestigiosa revista britânica Nature constatou que os adultos, sobretudo os mais velhos, passam por menos episódios TOT quando fazem exercícios aeróbicos — aqueles que elevam os batimentos cardíacos e oxigenam a musculatura, como corrida, natação ou ciclismo.
Por isso, na próxima vez em que ficar com uma palavra na ponta da língua, não se irrite. Dê uma volta no quarteirão, passeie de bicicleta, corra na esteira, o que preferir. Relaxado, imerso em seus pensamentos, você pode até acabar encontrando a palavra que tanto queria.
Publicado em VEJA de 16 de dezembro de 2020, edição nº 2717