Boris Johnson está preocupado com sua aparência. Não, o problema do premiê britânico não são os cabelos indomáveis — são os incômodos quilos a mais. Ele levou um susto. Internado para tratar da Covid-19, passou maus bocados no hospital, e o sobrepeso provavelmente agravou a situação. Já se sabe que a obesidade é importante fator de risco para pacientes internados, pois a inflamação natural de um organismo muito acima do peso potencializa os efeitos da tempestade de citocinas que o coronavírus provoca.
Boris errou feio, no início da pandemia, ao minimizar a Covid-19 como ameaça à saúde pública. Agora ele se redime. No nível pessoal, adotou uma dieta saudável e vem perdendo peso rapidamente. Sua conquista ainda está muito fresca para ele cantar vitória. Afinal se considera vítima do efeito sanfona. Baixar a guarda após vencer os primeiros rounds — em geral os menos difíceis — pode levar a um retrocesso. Seria prematuro trocar o guarda-roupa, a não ser que a iniciativa fosse um incentivo a mais para manter o novo peso (depois de pesar 110 quilos, ele estaria próximo dos 80).
“Há vinte anos perdi metade do meu peso (120 quilos!) e ganhei o dobro em autoestima”
Obesa que fui, empenho minha compreensão nessa ação do político britânico. Há vinte anos perdi metade do meu peso (120 quilos!) e ganhei o dobro em autoestima. Ao longo do tempo, mantive a nova marca à base de alimentação adequada e muito exercício físico. A atividade deve ser calibrada individualmente, para não consertarmos um problema criando outro. Aceitei minha limitação e troquei a corrida por uma caminhada vigorosa. Boris integrou o jogging à rotina, ainda que aparentemente a contragosto: “A maravilha de dar uma corrida no começo do dia é que depois disso nada pode ser pior”. Na realidade, ele está apenas sendo fiel à tradição parlamentar do país, que perde a causa, mas não a piada.
A piada é boa, mas a causa é melhor. O governo do Reino Unido lançou uma campanha que visa a ajudar a emagrecer os dois terços dos cidadãos que estão acima do peso ideal. Como eu tenho feito já há algum tempo, ele não só mudou como está influenciando as pessoas a fazer o mesmo, mostrando-lhes que as coisas boas da vida (no caso dele, comer queijos e embutidos à noite) não deveriam nos desviar das melhores, a começar pela preservação da saúde. Sei, por experiência própria, que propagar o que acreditamos ser o certo — com base em pesquisa e informação confiável — nos ajuda a viver bem.
Adversidades deveriam servir para nos tornarmos mais fortes. Histórias de superação reconfiguram nosso propósito de vida. Eu gosto muito de um relato da australiana Hanna Gadsby, que, no excelente stand-up Nanette (Netflix), compartilha sua dor na tentativa de exorcizá-la: “Não há nada mais forte do que uma mulher destruída que se reconstruiu”.
São histórias que mostram, na esfera pública e pessoal, nunca ser tarde para correções de rumo. Por acreditar na urgência de preservarmos nossa saúde e buscarmos a melhor forma, deixo aqui a sugestão para darmos início a uma campanha contra a obesidade e a favor da vida saudável.
Publicado em VEJA de 12 de agosto de 2020, edição nº 2699