E os últimos dias assistiram ao enterro da 17ª ação judicial contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Advogados e apoiadores dele festejaram mais uma pá de terra sobre a Lava-Jato.
Se nenhum obstáculo jurídico aparecer até outubro de 2022, e se o acaso não pregar nenhuma peça, o petista caminhará elegível para as urnas eletrônicas, hoje alvo preferencial do até agora principal adversário dele, o presidente Jair Messias Bolsonaro.
O incumbente, aliás, enfrenta especulações algo semelhantes às ameaças que acabaram removendo Lula de 2018. Um cerco judicial que ronda tirá-lo da eleição. Como, ainda não se sabe muito bem.
Um problema, para certos personagens que sonham com 2022 sem Bolsonaro, é a possibilidade de parte dos votos dele acabar migrando para Lula e assim ajudar a liquidar a fatura logo de cara.
Sobre esse pessoal, e essa possibilidade, Talleyrand repetiria que não aprenderam nada e não esqueceram nada.
Diante do risco, uma solução especulada nos círculos do “lavajatismo pós-Lava-Jato” é simplesmente tirar os dois. Por enquanto, nenhum gênio das alquimias de Brasília descobriu o caminho, mas acham que não custa sonhar. E, segundo a sabedoria empresarial, sonhar grande e sonhar pequeno dá o mesmo trabalho.
Enquanto a turma sonha, a crise já vem contratada, pois estamos a anos-luz de algum consenso nas regras do jogo.
“Nenhum gênio das alquimias de Brasília descobriu o caminho, mas acham que não custa sonhar”
O único ponto de contato no discurso dos atores políticos neste momento é afirmarem estar preocupados apenas e somente com a preservação da liberdade e da democracia. Qual é o problema? Para quase todos eles, Bolsonaro incluído, a “verdadeira democracia” supõe certos adversários não poderem assumir o governo, em nenhuma hipótese, pois representariam um risco à própria democracia.
A transição de 1984-1985 impôs o “nunca mais” aos que apoiaram o regime militar. Depois de 2002, reinou o “nunca mais PSDB”. Aí a era petista terminou e abriu-se o ciclo do “nunca mais PT”. Que deu em Bolsonaro, que carrega a tocha do antipetismo. Mas o capitão agora enfrenta um “nunca mais” todinho só dele.
A tara pelo “nunca mais” é um sintoma. A atual instabilidade decorre em última instância de ter colapsado o acordo fundamental que fez nascer a hoje agonizante Nova República.
Que acordo? As diversas forças políticas conviverem num ambiente de democracia constitucional, e as diferenças serem resolvidas nas urnas. E entre duas eleições os conflitos serem dirimidos no Legislativo. É sabido que as circunstâncias históricas levaram a um desgaste desse pacto, afinal sepultado em algum ponto da viagem entre 2013 e 2018.
E cá estamos nós de novo à beira de uma grave crise institucional. Fenômeno que os otimistas, ou ingênuos, achavam ser coisa do passado. É inevitável? Ainda não, mas o trem está em marcha. E se acontecer, de quem será a culpa, a responsabilidade histórica?
Periga tornar-se mais um assunto de debate e disputa entre políticos, historiadores, jornalistas, profissionais e amadores, para todo o sempre.
Publicado em VEJA de 1 de setembro de 2021, edição nº 2753