Há uma explicação fácil para a resiliência de Jair Bolsonaro: ele estaria sobrevivendo às más notícias porque a boa vontade do povão vem sendo comprada por meio do auxílio emergencial. Diz o ditado que para toda questão complexa há sempre pelo menos uma explicação simples, e errada. Parece ser o caso aqui.
A aprovação a Bolsonaro é sim maior entre os beneficiários do auxílio, mas isso não explica por que cerca de 40% dos eleitores consideram bom ou ótimo o seu governo. Talvez seja mais útil inverter a pergunta: por que exatamente o eleitor de Bolsonaro deveria ter desistido dele após um ano e meio de governo?
Sim, porque a fatia dos que o consideram ótimo ou bom corresponde, grosso modo, ao eleitorado que votou no presidente no primeiro turno, e o porcentual de “aprova” cobre o apoio no segundo turno. Houve alguma troca, de alguns “ricos” por pobres, de alguns mais escolarizados por outros menos, mas nenhum terremoto político-eleitoral.
Verdade que um pedaço se agastou na demissão de Sergio Moro. Mas as pesquisas, todas elas, são cristalinas: o sofrimento político de Bolsonaro com a cisão morista não esvaziou a base social de apoio ao presidente da República. A principal dificuldade de um eventual candidato Moro não estaria no segundo turno, mas no primeiro.
O bolsonarismo é hoje um exército de ocupação desde o centro até os confins da direita.
“O desafio do governo é ir retirando o auxílio em sincronia com a retomada da economia”
Mas ainda faltam dois anos e tanto para a eleição, e tem água para correr sob a ponte. O desafio mais imediato do governo é encontrar um jeito de pousar o avião do auxílio emergencial de um jeito suave. O contrário provavelmente terá, aí sim, efeito negativo, e não apenas no universo de quem hoje recebe o dinheiro.
A explicação simples, e errada, diz que o governo comprou a simpatia do eleitor por 600 reais ao mês. Talvez a explicação certa seja mais sofisticada. O auxílio ajudou a evitar um colapso econômico e social com repercussões muito além da população que recebe o benefício. Pois a economia continuou rodando e a recuperação parece mais rápida que o esperado.
O desafio do governo é ir retirando o auxílio sincronizadamente com a retomada da economia e, principalmente, do emprego. Este, aliás, já vinha capengando mesmo antes da Covid-19. Como o governo vai fazer, só ele sabe, se é que sabe. Mas é uma operação estratégica, a não ser que o Planalto queira repetir as experiências de José Sarney e Fernando Henrique Cardoso.
Ambos surfaram em planos econômicos que melhoraram o poder aquisitivo da massa, e foram esticados para influir em eleições. Fizeram a colheita eleitoral, mas precisaram dar um choque de realidade na sequência. A popularidade deles foi para o buraco e só resistiram na cadeira por terem amplíssima base política e simpatia irrestrita no establishment. Coisas que Jair Bolsonaro não tem.
E talvez o mais importante: eram tempos em que ou não havia internet (Sarney) ou ela era tão incipiente que nem fazia cosquinha nos políticos e nos governos (FHC). Definitivamente, não é o caso agora.
Publicado em VEJA de 26 de agosto de 2020, edição nº 2701