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Crônicas do mundo tecnológico e ultraconectado de hoje. Por Filipe Vilicic, autor de 'O Clube dos Youtubers' e de 'O Clique de 1 Bilhão de Dólares'.
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Reação ao ódio: fiz um experimento com os haters de Twitter e Facebook

A partir de ataques recebidos nas redes sociais, elaborou-se um cenário tenebroso que tem crescido na internet

Por Filipe Vilicic Atualizado em 28 set 2018, 08h31 - Publicado em 28 set 2018, 08h00

Nos últimos dias, fui alvo, assim como muitos colegas (em especial, do sexo feminino) de profissão, de ataques de haters em redes sociais. Em todos os casos com os quais tive contato, os perpetuadores da agressão eram fiéis de Bolsonaro, também apelidado de “o coiso”. Resolvi reagir com a melhor ferramenta que tenho em mãos: jornalismo.

Criei um experimento no Twitter e no Facebook que me permitiu apurar sobre essa questão e flagrar assim como essas duas redes se tornaram campos de disseminação de ódio. Ainda foi possível, com uma base extensa de usuários, identificar as diferenças de comportamento do povo de Twitter, Facebook, Linkedin e Instagram. Tornou-se também crível sugerir como os algoritmos desses sites impulsionam comportamentos de raiva, de haters.

Em acréscimo, nota-se como há uma movimentação organizada, muito provavelmente incluindo bots (os robôs que publicam automaticamente posts), com o intuito de reprimir pessoas, ameaçá-las, calar suas vozes, promover o medo. Todas são táticas típicas que no passado da humanidade levaram a governos totalitários e opressores. Recomendo a leitura de livros como O Gene, de Siddhartha Mukherjee, para compreender a lógica.

A história começou, desta vez, com a reação colérica a um vídeo em VEJA, no qual se mostra como políticos, tendo como exemplo Bolsonaro e Trump, publicam posts que ferem as regras estabelecidas pelas próprias redes sociais, que prometem combater atitudes como discurso de ódio, misoginia, racismo e homofobia. Logo após a publicação, uma onda de seguidores do “coiso” passou a execrar o conteúdo xingando a mim, autor do mesmo. Os “argumentos” (aspas necessárias, pois em nada são racionais) são também típicos de candidatos a totalitários e opressores, do tipo que depois servem de manada para aqueles que promovem o fuzilamento e a tortura de quem é ou pensa diferente deles mesmos. Em outras palavras, a estratégia é a que sempre fora adotada em caças às bruxas – neste caso, cabe muito bem o termo “bruxa”, visto que as maiores vítimas desses ataques têm sido mulheres inteligentes, instruídas, poderosas.

Depois de um leve baque inicial, notei que poderia usar o caso a favor do jornalismo. O tuíte em meu perfil público havia alcançado em torno de 10 mil pessoas. No Facebook, o post na página pública estava mais modesto, visto que o site não mais divulga as publicações nem entre seus próprios seguidores, para o algoritmo privilegiar anúncios, os chamados impulsionamentos – ou seja, quem paga é visto; se não paga, não. No caso, o público estava em torno de 400 pessoas. Adotei, então, uma manobra que já havia feito em outra situação, na qual testei o tribunal da internet.

Como observei que os haters não liam os jornais e revistas que criticam (desconfio que a maioria leia algo além de posts de Twitter e Facebook), deduzi que cairiam facilmente na artimanha que montei para servir à apuração deste texto, mesmo a fórmula sendo uma repetição. Promovi os posts no Twitter e no Facebook, pagando para isso menos do que um jantar num restaurante meia-boca. Com um “porém” fundamental. Adotei o tradicional método científico, além da clássica apuração jornalística, para comprovar algumas hipóteses. A elas:
1. Os algoritmos de Twitter e Facebook privilegiam discursos radicais e comentários de promoção do ódio pois essas mensagens atraem maior audiência ao site;
2. Há um método minimamente (por mais que toscamente) organizado de promover o ódio a qualquer um, em especial jornalistas e mulheres, que se pronuncie contra Bolsonaro;
3. Essa tática inclui não só perseguir os alvos principais, mas aqueles que tentam se pronunciar de maneira mais inteligente ou cautelosa nos posts;
4. Como já provado em reportagem de VEJA, há apoio de bots e perfis falsos para consolidar a caça às bruxas.

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O impulsionamento pago levou a um público de acima de 35 mil pessoas (mesmo assim, em torno de 20 mil de forma orgânica) no Twitter. A multiplicação foi ainda mais substancial no Facebook, no qual se saltou daqueles quase 500 para 20 mil. Com essa dimensão, de uma audiência de mais de 55 mil, somada a mais alguns milhares que viram a publicação por meio de outras redes, foi possível montar um pool de dados substancial o suficiente para o experimento.

Para identificar como há um movimento organizado de repressão online, determinei que o post patrocinado fosse mostrado apenas a quem curtisse ou seguisse a hashtag Ele Não (#elenão) e/ou se declarasse interessado ou fã de Ciro Gomes, Fernando Haddad, Lula, Marina Silva ou Boulos. Não foi surpresa, para mim, a revelação de que bolsonaristas, em massa, seguiam os nomes citados e a #elenão.

Fanáticos do candidato de moldes autoritários acompanham as hashtags contra ele e também os seguidores de seus rivais com o intuito de amedrontar seus opositores. Ao se publicar algo com a #elenão, seja quem for o autor, mesmo quando anônimo, perseguem a pessoa e, em especial, quando se tratam de autoras. Quando é alguém do sexo masculino, os atacantes costumam disparar xingamentos homofóbicos, sendo um dos preferidos (repetidos à exaustão) o “dá meia hora de cu com o relógio quebrado”. No caso de mulheres, chamam de “vadia”, “burra” e ameaçam fisicamente, principalmente de agressão sexual.

Esses são os principais argumentos apresentados pelos fanáticos do “coiso”. Além desses, é comum que questionem a credibilidade de qualquer notícia contrária ao candidato. Tudo que vai contra ele vira “fake news”, termo que – em método importado de Donald Trump – perde cada vez mais sentido, pois virou só forma de dizer “se não concordo, queimem essa bruxa”. Esqueceram da simples diferenciação de fato e mentira. “Fake news”, para os radicais de cunho totalitarista, é o que é diverso deles. E apenas isso.

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Um dos argumentos mais comuns é o “mostre a prova”. Mesmo quando evidências são destacadas em uma reportagem, de prints a documentos diplomáticos, insiste-se que não teriam provas. Mais uma vez, repetem estratégias adotadas por Trump, assim como por supremacistas brancos que tentam negar a existência do Holocausto.

O “mostre a prova” costuma funcionar entre os fanáticos por vários motivos. Primeiro, usualmente são pessoas que não leem, não se informam, além de suas bolhas no Twitter e no Facebook. Inclusive, raramente se prestam a ler ou ver aquilo mesmo que criticam, o conteúdo exposto no link compartilhado por essas mesmas redes. No caso do vídeo sobre discurso de ódio no Twitter, muitos dos haters afirmavam que se tratava de um texto (repito: era um vídeo), de que era conteúdo da Folha de S. Paulo (não era) e citavam temas e assuntos não abordados pelo material. Ou seja, como de costume, comentavam e espalhavam sua fúria sem nem saber contra o que se revoltavam.

Os posts alcançaram também verdadeiras (e verdadeiros) apoiadores do movimento #elenão. No entanto, se esses se pronunciavam, nos comentários, eram logo atacados, reprimidos e ameaçados. Num caso, uma garota disse no Facebook que os haters se tratavam de machistas. Foi ameaçada e acabou por deletar a mensagem. Noutro, um rapaz (no perfil, assumia-se gay) só dizia “perfeito!”. Ao que também foi atacado e se viu compelido a deletar o comentário. O mesmo ocorreu com ao menos outras 20 pessoas (no que consegui contar, antes que deletassem os comentários).

Ou seja, como numa costumeira caça às bruxas, persegue-se não só o autor principal, como quem “ousa” apoiá-lo. As ameaças se estendem, inclusive, ao vasculhamento da vida das vítimas, com o intuito de abusar de informações coletadas como base para as agressões.

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Isso compele aqueles que defendem, com alicerces nos princípios democráticos, a #elenão a ficarem calados. Esses se manifestam em curtidas. Dentre os cerca de 100 que curtiram o post no Twitter, quase a totalidade era de mulheres, negros e homens ou mulheres assumidamente gays. A mesma tendência se reproduziu no Facebook, no Instagram e no Linkedin. Aliás, há uma distinção clara no Instagram e no Linkedin.

Os algoritmos de Facebook e Instagram destacam posts menos pela afinidade de pessoas ao assunto ou pela proximidade das mesmas ao autor da publicação. Prova disso é que, no Facebook, o post não é enviado a seguidores do perfil. No Twitter, atrai usuários mais afoitos a comentar e a destilar ódio.

Além disso, nessas duas redes é mais fácil enganar os algoritmos com bots e fakes. Em especial, no Twitter. A mesma estratégia se prova quase ineficaz em Instagram e Linkedin, cujos algoritmos privilegiam critérios mais, digamos assim, humanos e menos robotizados (aliás, pena que não se sabe até quando o Instagram, que nesta semana perdeu seus dois fundadores, que saíram da direção, se manterá assim, frente à pressão de seu dono, o Facebook).

Por isso nos EUA e na Europa, o Twitter e o Facebook são as plataformas preferidas de supremacistas brancos, movimentos homofóbicos e saudosistas de ditaduras, do fascismo, do nazismo. Cenário que se repete no Brasil.

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De volta ao experimento, é notável o uso de frases repetidas, muitas vezes citando “um jornal”, “o post”, de forma genérica (sem se atentar que se trata de uma revista, ou de um site), em meio aos comentários dos haters. Existem duas possibilidades para tal: 1. Seriam bots e fakes 2. Trata-se de uma quadrilha organizada de promoção ao ódio que reprime o que for, sem se informar sobre o que é.

Alguns dos perfis eram obviamente falsos ou de robôs. Não tinham seguidores, replicavam frases prontas, por vezes se mostravam fabricados apenas para ofender a opositores de Bolsonaro, e logo depois eram deletados das redes. Em outros casos, não foi possível esclarecer se era isso, ou se tratava-se de um humano com tendências de papagaio.

O resultado da prática é a construção do cenário de caça às bruxas. Por enquanto, virtual. Mas com preocupação de tomar a vida real, também, como destacado em dois ótimos textos publicados hoje pela Folha de S. Paulo (aqui e aqui). Novamente, especialmente em relação às ameaças às mulheres, que bravamente prometem tomar as ruas nesse fim de semana em passeatas pelo #elenão.

O perigo da caça às bruxas sempre é o de levar ao autoritarismo, à censura como instrumento de estado e à repressão daqueles que não estão no poder – bolsonaristas adoram papagaiar a frase “as minorias devem se curvar à maioria”, sem, claro, se informar que a maioria numeral no Brasil é de mulheres e negros (a tal “maioria” que citam seria a minoria numeral, mas com presença quase totalitária no poder, formada por homens, brancos e héteros). Como a maioria claramente carece de noção histórica, uso uma série de TV que está na moda como exemplo do que pode ocorrer a partir disso.

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Na belíssima The Handmaid’s Tale (O Conto da Aia), um grupo fanático de falas muito parecidas com as dos haters citados toma o poder nos EUA. Para isso, usam de estratégias similares: difusão de mentiras, enfraquecimento da credibilidade de políticos e da imprensa e perseguição violenta a opositores para calar suas vozes. Uma cena de um dos episódios traduz, de forma triste, todo esse cenário (aviso de spolier).

A protagonista, que é sistematicamente estuprada e torturada pelos comandantes da ditadura que toma os EUA, consegue se desvencilhar de seus captores em um momento e se abriga num edifício abandonado. Tratava-se da antiga sede do jornal The Boston Globe. Antes mesmo de os fanáticos tomarem o governo, atacaram os jornalistas. As paredes do galpão do Globe foram transformadas em paredões de fuzilamento. Jornalistas que defendiam os princípios democráticos antes tão caros aos estadunidenses foram sistematicamente exterminados. Ao que se indica, o sacrifício coletivo, contudo, incentivou grupos a se rebelarem. A protagonista, June, faz um altar em homenagem aos mortos pelo regime despótico. Outro (pequeníssimo) alento é que logo se revela, na trama, que justamente por efeito do trabalho de jornalistas que denunciaram os golpistas, praticamente todo o planeta se voltou contra Gilead – o novo nome dado aos Estados Unidos por aqueles que o tomaram à força.

No mundo real, prefiro estar do lado de jornalistas do Boston Globe. Sempre. Na situação atual brasileira, isso representa estar com nomes como Gal Costa, Debora Bloch, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Stephen Fry. Não com Frota, general Mourão e outros caçadores de bruxas.

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