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Por que pessoas acreditam em terraplanismo, antivacina etc.?

Em entrevista, o psicólogo Michael Shermer, “cético profissional”, explica como uns acabam por crer em coisas absurdas (e tentam negar verdades objetivas)

Por Filipe Vilicic 14 set 2019, 14h37

“Os negacionistas da ciência nada sabem da ciência que negam”, resumiu, em entrevista a este blog, o psicólogo e historiador de temas científicos Michael Shermer, americano que ficou mais conhecido como criador da revista e site Skeptic (cético, em inglês) e de livros best-sellers como “Por que as pessoas acreditam em coisas estranhas” (1997). “Na verdade, a maioria nada sabe do método científico. Acabam por se posicionar a respeito de estudos não por qualquer conhecimento científico, mas guiados por afiliações políticas. Por isso que liberais aceitam as mudanças climáticas, enquanto conservadores costumam não crer nisso. Assim como liberais são contra o uso da energia nuclear, enquanto conservadores a aprovam. No fim, trata-se de adotar uma posição pública a respeito de um assunto tão-somente para se afirmar como pertencente a uma tribo política”.

Nesta semana, sou coautor de texto de capa de VEJA que decreta “Um basta à ignorânciaA ciência, a democracia, a tolerância — alguns nobres sinônimos da civilização — estão sob o ataque do que se poderia chamar de nova Idade das Trevas”. Convido-o à leitura da reportagem, em dez páginas da revista, ou no link para a versão online. Na apuração, conversei também com Michael Shermer. Com ele, busquei compreender por que as pessoas acreditam em absurdos como o de que a Terra seria plana, ou de que o nazismo seria um movimento de esquerda, ou ainda de que Theodor Adorno teria composto as músicas dos The Beatles.

Segundo Shermer destaca, o método científico permite chegar à elaboração de três tipos de “verdades”. A primeira é a mera verdade subjetiva – “como dizer que chocolate amargo seria melhor que chocolate branco”, ressalta o psicólogo e historiador. A segunda é a verdade subjetiva, mas que um dia pode se tornar objetiva, a depender de experimentos – “a meditação faz as pessoas se sentirem mais felizes, por exemplo”. Por fim, há a verdade objetiva, inquestionável por ser observável – “se eu disser que há dez pessoas numa sala, mas na verdade existem nove, eu simplesmente aleguei um fato falso”. Nessa última categoria estão incluídas constatações como “objetos caem depois de soltos no ar” ou “a Terra é esférica”. Na internet, chega-se a refutar as verdades objetivas, afirmando-se, por exemplo, que a Terra seria plana – crença de sete em cada cem brasileiros. E para esses crentes nada adianta nem exibir uma foto da The Blue Marble.

“Vivemos na Era da Ciência, sim. Não é mais aceito dizer ‘eu acredito nisso por uma questão de fé’, pois nossa cultura e sociedade dependem de descobertas da ciência. Mesmo que alguns grupos isolados se posicionem de forma negacionista, no fim a sociedade não aceita as ideias obscurantistas. Afinal, aceitá-las traria graves implicações negativas em todo o mundo”, concluiu Michael Shermer.

Quais implicações? Se você não aceitar as conclusões da ciência, seria lógico também que deixe de ir ao médico (em qualquer situação), que pare de usar o celular, que não suba mais em um avião ou em um navio, ou seja, se é para negar, teria de negar todas as conquistas científicas que aprimoraram a vida em sociedade.

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Shermer ainda analisou como as redes sociais têm fomentado o obscurantismo. “A internet, como tecnologias anteriores, a exemplo da prensa, pode ser usada para o bem e para o mal. Da prensa saíram peças de Shakespeare, mas também o Mein Kampf de Hitler”, avaliou. “A parte negativa da web é que ela pode ser utilizada para espalhar fraudes, preconceitos, ideologias deturpadas, fake news, desinformação. Felizmente estão rapidamente aparecendo soluções para lidar com esses problemas. É preciso responder às fake news com os fatos verdadeiros, substituir o discurso de ódio pela boa aplicação da liberdade de expressão. Faremos, juntos, o suficiente para manter a humanidade em uma caminhada contínua de progresso moral”.

Só que Shermer também se mostrou preocupado. Ele vislumbra o risco de algumas crenças obscurantistas poderem influenciar em decisões de alguns governos. “Ideólogos e políticos podem acabar por promover atitudes e iniciativas públicas baseados em informação errada, e assim acabarão por atrasar o desenvolvimento de soluções para problemas como as mudanças climáticas”, opinou.

As perspectivas apresentadas por Shermer são interessantes por alguns pontos. Primeiro, reforçam o óbvio, de que enfrentamos um momento delicado, no qual saudosistas da Idade das Trevas atentam contra a ciência, o progresso, inclusive colocando em prática empreitadas de inquisidores.

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Só que, para além disso, revelam que não se trata da primeira vez que a civilização lida com esse mal. O remédio se revela ser investir em mais conscientização, educação, ciência, tolerância. Se isso não for feito, o risco é também repetir a história, nos momentos nos quais os obscurantistas venceram os iluministas – como na maior parte da Idade Média e também ao longo da Alemanha Nazista.

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