O YouTube fez certo em “passar a perna” em Nando Moura?
Estaria o site limitando a liberdade de expressão? Ou só seguiria suas regras ao se negar a fazer negócios com o youtuber, assim como corta com outros?
Nando Moura, a quem não conhece, é um youtuber olavista, xingador e guitarrista – e que não acredita em aquecimento global, acha que o nazismo era “de esquerda” e não vê conservadorismo como ideologia. Dentre outras histórias que espalhou por seus vídeos, ressaltou-se nos últimos tempos a na qual disse que Stalin teria sido laureado com dois Nobel (lorota pura), e que deu asas a piadas e muito sarro no Twitter. Pois Nando Moura fez um vídeo, publicado na quinta-feira 21, no qual reclama de uma punição que recebeu do YouTube: uma série de seus posts (ele afirma “9 páginas”, indicando as páginas do próprio site no qual mostra seus uploads) foram desmonetizados.
O que seria isso? Quer dizer, basicamente, que o YouTube (e anunciantes parceiros) não querem mais fazer negócios com Moura ou, melhor, ao menos em relação a um bom número de seus vídeos; sendo assim, publicidades inseridas nas gravações dele por meio de parcerias com o site do Google não seriam mais associadas ao conteúdo. Nando Moura se indignou no vídeo que publicou em seu canal. Teria ele alguma razão?
Antes de tudo, para um autointitulado defensor do capitalismo, promotor de cursos na linha “fique rico em X passos”, o guitarrista deve saber que uma empresa tem direito de fazer negócios com quem bem entender. O YouTube não quis mais se atrelar a parte do conteúdo do youtuber. O que em nada tem a ver com corte de liberdade de expressão; Moura pode continuar a publicar e, se quiser “algo mais”, sempre tem a alternativa de investir seu tempo, como ele mesmo propôs em sua reclamação, em outro site, outra rede, outro app (talvez criado por ou para ele próprio).
Todavia, o YouTube, por ser o gigante que é, não simplesmente desmonetiza (para de verter dinheiro para) canais de forma aleatória, como pareceu querer insinuar Moura. Há regras. E elas são claras, transparentes, acessíveis por meio do próprio site. Até porque, desmonetizar um vídeo não representa apenas menos dindim para o youtuber; mas também para o YouTube, que deixa de ganhar com posts que por vezes alcançam centenas de milhares de pessoas (e, em proporção, um bom tutu).
Quais seriam essas regras? Alguns dos tipos de vídeos dos quais são cortados os anúncios: os de “assuntos polêmicos e eventos delicados”; “conteúdo de incitação ao ódio”; ou “que apresenta uso frequente de linguagem obscena ou vulgar”; e “conteúdo gratuitamente ofensivo ou degradante”.
Num dos vídeos desmonetizados, Moura parecia celebrar a palavra “porra”, em trechos como “Mostra essa porra. Mostra” e “Desta porra aqui”. Nada contra “porra” ou o objetivo do uso de qualquer palavrão. No entanto, naquelas regras para ganhar uma bufunfa com o YouTube, não estava “linguagem obscena ou vulgar”?
Noutro, Moura afirma, sobre Marighella (e em referência ao filme de Wagner Moura”): “psicopata, assassino”; “um bosta”; “canalha”; “Wagner Moura é um idiota”; “bicho horroroso”. Em mais um dos tolhidos: “Cadê a manjuba (em referência ao órgão sexual masculino)? Vâmo pegar”. Encaixariam-se em “assuntos polêmicos”? E em “linguagem vulgar”? Ou ainda em “conteúdo degradante”?
Vale lembrar que o YouTube também demonstrou empenho recente em tentar não se associar diretamente (ou seja, não dar dinheiro para) com canais que espalhem teorias da conspiração, à exemplo dos que têm a Terra como plana ou que garantem que refrigerantes são fabricados com restos de fetos abortados. Ou ainda se encaixariam os que “observam” no mundo um fluxo de gestão inconsciente que manipularia a todos a fazer algo como – tirando aqui um exemplo da cartola – “pegar na manjuba”?
O YouTube já usou suas regras para também desmonetizar – e quase deletar de vez, em algumas situações – vídeos de “rivais” de opinião de Moura na internet. Felipe Castanhari, por exemplo, já publicou um vídeo no Twitter (em 5 de fevereiro) reclamando de como perdeu dinheiro pelo Google ter julgado que ele feriu direitos autorais em algumas de suas gravações.
Não só isso. A plataforma parece empenhada em estancar um certo caos que sempre correu solto nela – e que agora está afastando o interesse de anunciantes.
Já criou fórmulas para evitar a exibição de publicidade direcionada a crianças em conteúdos que não são infantis. Recentemente, apresentou esforços para afastar comentaristas pedófilos que vinham entupindo alguns vídeos com suas mensagens criminosas.
Alguns podem avaliar que o YouTube exagera em alguns pontos. Por exemplo, ao prejudicar um youtuber que usou um pequeno trecho de um filme em seu canal, acusando-o de ferir os direitos autorais, estaria assim cerceando a criatividade? Ao punir aqueles que falam palavrões (simples assim; e como faziam a maioria dos que ganharam fama no site lá nos idos de 2010), o YouTube poderia ficar, digamos assim, careta em demasia?
Também deste blog
Os docs do festival Fyre (Netflix) e a ilusão e a inveja via Instagram
‘Império dos Memes’ (Netflix): o retrato dos novos gurus da juventude
A compra de influenciadores digitais pelo PT revela a lógica…
Alguns argumentos podem ser válidos. Outros, não. No fim, tanto faz à questão central: o site é fruto de uma empresa que tem liberdade de escolher, dentro de suas próprias regras éticas (e essas bem transparentes), com quem quer ou não fazer negócios. Vale recordar, inclusive, que muitos daqueles que hoje reclamam são os mesmos que fizeram fortunas desvendando as próprias “leis” de se fazer sucesso no mesmo YouTube.
Para acompanhar este blog, siga-me no Twitter, em @FilipeVilicic, no Facebook e no Instagram.