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A Origem dos Bytes

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Crônicas do mundo tecnológico e ultraconectado de hoje. Por Filipe Vilicic, autor de 'O Clube dos Youtubers' e de 'O Clique de 1 Bilhão de Dólares'.
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É hora de celebrar o próximo passo da computação: a quântica

Sim, as possibilidades com o aumento do potencial da IA causam temores, mas por ora o essencial é se ater a todas as glórias que se trará com a evolução

Por Filipe Vilicic Atualizado em 15 out 2019, 14h52 - Publicado em 15 out 2019, 14h33

Quando se fala de quântica, a maioria daqueles que sabem um pouco do significado (o científico, o da física, evidentemente; não em relação àqueles múltiplos sentidos aleatórios que alguns têm dado no YouTube – como o incorporado pelos coaches “quânticos”) logo questiona algo como: “É aquela história do gato de Schrödinger”? A história do felino, trancado em uma caixa, e que está ao mesmo tempo vivo e morto, um “vivomorto”, até que um sujeito abra o recipiente e verifique a situação, é exemplar para ilustrar a mecânica quântica. Numa exacerbação, um tanto simplista, também pode ser utilizada para explicar a computação quântica.

No novo progresso da tecnologia que certamente mais impactou o modo de vida do século XXI – ou ao menos até agora –, os bits viram qubits. Esses qubits são meio que como o gato de Schrödinger, pois podem ser duas coisas ao mesmo tempo. No mundo dos códigos, quer dizer que conseguem ser “zero” e 1 simultaneamente, desempenhando funções paralelas que uma máquina usual só desempenha vagarosamente (nos termos aqui propostos), uma de cada vez.

E daí? O ponto central é que a computação quântica deve transformar ainda mais a vida do século XXI. Isso porque um aparelho do tipo atinge capacidades de processamento inimagináveis para as versões normais, de hoje em dia – do seu smartphone ao supercomputador mais rápido do planeta. Até recentemente, essa possibilidade se limitava ao campo teórico, com poucos testes, nada práticos, realizados em experimentos acadêmicos ou patrocinados por enormes multinacionais (em especial, estadunidenses e chineses). Agora, no entanto, como detalhado em reportagem recente publicada em VEJA e de coautoria deste que vos escreve, o cenário mudou completamente (confira no link).

Em resumo, a Google, em parceria com a Nasa, indica ter alcançado o que se conhece como “supremacia quântica”. Na prática, parece ter fabricado uma inteligência artificial (IA) capaz de operar pela linha quântica, de maneira eficiente – e lhe deu o nome de Sycamore. Para alguns cientistas, alcançar o feito seria como achar o que apelidaram de “o Santo Graal da computação”. Para se ter uma ideia, o computador da Google conseguiu, dessa forma, realizar em três minutos um cálculo que o supercomputador mais potente da atualidade levaria 10 mil anos para executar.

O que isso tem a ver com a sua vida? Tem tudo a ver.

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De início, alguns já podem pensar que se trata de uma ciência, digamos assim, distante. Nada disso. Assim que conseguirem baratear essa tecnologia e torná-la mais útil e acessível – hoje, por exemplo, um computador quântico tem de ser mantido a uma temperatura cerca de 180 vezes mais fria do que a do espaço sideral, para não superaquecer –, logo chegará à rotina de todos.

É possível imaginar, nas décadas seguintes, um celular futurista operando com chips quânticos. Para ter uma perspectiva, basta imaginar que demoraram menos de 40 anos, de 1969 a 2007, para o progresso tecnológico levar ao seu bolso um dispositivo – o iPhone – 6 mil vezes mais poderoso do que o computador trambolhão, que ocupava salas inteiras, que foi utilizado pela Nasa para realizar os cálculos por trás da estratégia que levou o homem à Lua.

Mas para que servirá essa tal computação quântica? De princípio se podem imaginar usos militares, acadêmicos e em desenvolvimento avançado de negócios.

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Dentre militares, esperam-se cálculos elaborados e precisos que possam guiar, e só como exemplo, drones autônomos em campos de batalha – ou mesmo soldados de IA. A indústria farmacêutica aguarda a possibilidade de criar novas drogas, a partir do melhor entendimento, via softwares, de nossos organismos e de como diversas químicas podem reagir dentro do mesmo. No campo da ciência pura há aplicações que vão desde avanços possíveis para a física de partículas (como nos experimentos realizados no laboratório LHC, na Suíça), até passos além na química, em estudos de big data etc.

Em paralelo, no entanto, a “supremacia quântica” não tem à toa o “supremacia” no termo. Ao que se sugere, esse é o marco de quando a IA irá ultrapassar o ser humano em múltiplas habilidades que vão além das contas mais exatas. Para alguns pesquisadores, o turning point serve de referência para o momento em que robôs conseguirão criar, praticamente pensar, quem sabe até ter consciência e sentir.

No livro Superintelligence (Superinteligência), o filósofo sueco Nick Bostrom resumiu com habilidade o problemaço pela frente: “Como o destino dos gorilas depende hoje mais de humanos que dos próprios gorilas, o de nossa espécie pode vir a depender de ações tomadas por máquinas superinteligentes”. Na obra, faz-se uma alegoria com pardais e corujas. Os primeiros resolvem tentar domar uma coruja para ajudar o grupo em tarefas do dia a dia. No entanto, antes de dominarem a arte da domesticação, já resolvem capturar uma coruja selvagem. O risco é que a coruja, caso se revolte com os pardais, tem muito mais força que eles e pode devorá-los.

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Para Bostrom, diante da IA (a coruja) e da computação quântica, podemos virar os pardais da história. Os robôs, em um cenário de total instabilidade social, poderiam tornar empregos obsoletos, ou mesmo o próprio pensamento humano obsoleto. Nisso, controlariam, por meio de seus algoritmos, o vaivém da civilização.

É algo a se preocupar? Sim. Mas não quer dizer que é necessário pausar com tudo. O ideal é aprendermos a arte da domesticação da IA.

“Você não entende a mecânica quântica, você apenas se acostuma com ela”, já definiu o matemático John von Neumann (1903-1957). É verdade que para a maioria da população a computação quântica continuará a parecer uma “tecnologia indistinguível de mágica”, como bem elaborava Arthur C. Clarke. Todavia, será preciso que uma boa parcela de seres humanos a controle, impondo regras para o funcionamento do novo jogo que começa a se armar.

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Entretanto, e repito, não quer dizer que é preciso destruí-la, impedir que a desenvolvam. Sempre que surge uma nova tecnologia, da escrita (uma das mais primárias dentre todas) a carros, aviões, energia nuclear e foguetes espaciais, há temor. Um medo justificável, em todas as situações. Não só justificável, como também necessário, saudável, prudente.

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Mas antes de alimentar tais receios é preciso apostar nos benefícios das inovações. E sempre começa assim. É o caminho natural do progresso tecnológico. Dá-se o primeiro passo, glorifica-se, tiram-se as vantagens, percebem-se as desvantagens, alerta-se para estas, são elaborados limites – regras e balanços –, e aí a civilização consegue abraçar a novidade como se sempre estivesse aí. Assim foi com a escrita, os carros, os aviões, a energia nuclear, os foguetes espaciais. Todos têm prós e contras. Por ora, a bula sugere se ater mais aos prós da computação quântica. É hora de bater palmas.

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