A incoerência da guerra de Eduardo Bolsonaro contra Instagram e Facebook
Ou: a política de Shitstorm do clã Bolsonaro. Ou: como a família presidencial é avessa aos conceitos do liberalismo
Em uma praça pública, no Congresso, no meio de um shopping, em seus próprios e-mails, em um blog criado por si, em um site de alguém que queira publicar o conteúdo, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho de Jair e prolongado candidato a embaixador nos EUA, pode falar o que quiser – e, se incutisse em crime, responderia na Justiça. Sim, assim é a democracia, é a liberdade de expressão. No entanto, isso em nada tem conexão com o fato de Facebook e Instagram terem deletado um post dele nestas redes sociais. Por quê?
Pois o Instagram e o Facebook não são espaços públicos, apesar de por vezes serem definidos como tais, em metáforas. Tratam-se de serviços fornecidos por empresas privadas. Companhias estadunidenses que têm total direito de optar pelo o que pode, e o que não pode, ser dito e exibido em suas plataformas.
Está aí um dos alicerces do liberalismo. Está aí uma base de sustentação do capitalismo aos moldes dos EUA. Fazer o contrário, obrigando uma empresa a realizar algo só porque um deputado federal, filho do presidente, a pressiona para tal, é o oposto do que tradicionalmente prega os EUA no qual o “03” sonha ser embaixador – após já ter tido experiência de “fritar hambúrguer” por lá. Tal ambição autoritária se assemelha bem mais a como funciona na China, ou na Venezuela.
É, no mínimo, incoerente Eduardo querer impedir Facebook e Instagram de agirem como empresas livres, em um mercado igualmente livre, como as joias do liberalismo que esses sites se provam ser (vale lembrar: o Instagram, cuja história é tema de um livro de minha autoria, pertence ao Facebook). Seu pai, Jair, saiu vitorioso das últimas eleições com a promessa, de mãos dadas com Paulo Guedes, de promover o liberalismo. Desde então, no entanto, ele e os políticos mais próximos a si – como os filhos – agem de forma oposta ao que prega o liberalismo.
No liberalismo, defende-se a liberdade de expressão em espaços públicos, assim como em órgãos públicos. Agride essa ideia, por exemplo, o esforço em obrigar instituições como a Ancine (alimentada com dinheiro público) a não apoiar filmes que não condizem com os valores retrógrados do presidente, impedindo o financiamento de produções de temática LGBTQ+. Isso, por exemplo, é censura.
Já o Facebook, assim como seu filhote Instagram, é uma empresa livre. Não é financiada por dinheiro público. E possui regras de conduta, esclarecidas em documentos acessíveis a qualquer um, que visam, por exemplo, impedir que o ambiente se torne tóxico, plataforma de criminosos ou ainda dispositivo para que autoridades promovam a perseguição a indivíduos ou grupos específicos. Isso não é censura.
Em junho, visitei o centro de monitoramento do Facebook em Barcelona, no qual uma parcela de uma tropa de 15 000 profissionais age para conter o que a rede social não quer que seja promovido dentro de si mesma. Nem tudo são flores. Os monitores do Facebook e do Instagram erram, sim. Assim como são, em algumas situações, guiados por valores enviesados – como todos os seres humanos, afinal, são em algumas situações. No entanto, no fim do dia, o que prevalece: quaisquer decisões que tomarem são de responsabilidade do próprio Facebook, que tem direito de optar pelo o que não quer que seja exibido no site e no app.
Eu não concordo com algumas políticas do Facebook, nesse sentido. Por exemplo: é forçada a proibição a algumas obras de arte e à simples presença de mamilos femininos em fotos (só pode ser mostrado 1/4 deles!). Também concordo que o Facebook, assim como o YouTube (da Google), tendem a privilegiar algumas ideias (ainda mais as iluministas), em detrimento de outras (como as obscurantistas, de terraplanistas e afins). Eduardo Bolsonaro também aparenta se incomodar com algumas decisões da gigante do Vale do Silício. Assim como seu irmão Carlos, o 02, e seu pai, Jair.
Só que tudo isso, na prática, pouco importa. Em uma sociedade verdadeiramente liberal, a empresa tem o direito de estabelecer suas próprias regras internas (e frente a seus usuários e clientes). O Facebook, no caso, tem o direito de banir o perfil que quiser banir, de deletar o post que quiser deletar (inclusive os meus). É estranho observar aqueles que se dizem defensores do liberalismo e da democracia se posicionaram de maneira oposta a isso. Estranho, apesar de esperado – afinal, os mesmos “liberais” brasileiros usam a mão estatal para, por exemplo, forçar o preço do petróleo, quando o mercado demandaria aumentos no mesmo.
Fica cada vez mais óbvio que, de liberal, nada tem Jair Bolsonaro – e seu clã. Na internet, no Twitter, há bolsonaristas que usam palavras como “liberal” e “democracia” de forma vazia. No fim, o que fazem é outra coisa: Shitstorm.
Shitstorm é um termo da teoria da comunicação que, no literal, significa “tempestade de merda”. De forma mais elegante é traduzido como “tempestade de indignação”.
Por meio da tática descrita pelo Shitstorm, um indivíduo vocifera contra um inimigo da vez no Twitter, no Facebook, no YouTube, sem se preocupar em ter qualquer coerência. Às favas com conceitos morais, com liberalismo, com democracia, com qualquer base intelectual. No Shitstorm, a figura carismática, cheia de seguidores no mundo online, simplesmente aponta um inimigo da vez e logo depois manipula uma turba para atacar o rival. O alvo pode ser um youtuber – como ocorreu recentemente com Felipe Neto, atacado por um Shitstorm supostamente organizado por indivíduos ligados ao PSL (partido do presidente) –, um político, um jornalista, ou até mesmo ex-aliados – como tem ocorrido com ex-olavistas e ex-partidários do PSL, vítimas também dessa chuva de excrementos online.
São evidentes adeptos da “tempestade de merda” – cujos líderes se portam mais como gurus, e em nada como intelectuais ou “sabidos” de qualquer coisa (como de liberalismo): os Bolsonaro, Olavo de Carvalho, e tantos outros dos mais fanáticos bolsonaristas e olavistas.
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Em tempo: antes de começar um Shitstorm por aí, recomendo uma leitura para compreender do que se trata a tese – o preciso livro “No Enxame”, do filósofo sul-coreano (radicado na Alemanha) Byung-Chul Han.
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