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A boa e velha reportagem

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Crise da estatística e a era da incerteza. Em que acreditar?

As pessoas esperam que sua percepção subjetiva da realidade seja levada em conta por governos e empresas na compreensão do mundo em que elas vivem

Por Diogo Schelp Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 19h39 - Publicado em 18 fev 2017, 07h14

Há uma rebelião em curso contra as estatísticas.

Esta semana, a divulgação de uma pesquisa de intenção de voto para as eleições presidenciais de 2018 suscitou toda sorte de reação incrédula, raivosa ou, no melhor dos casos, humorística. Pesquisas eleitorais sempre existiram para serem desmentidas pelas urnas, mas têm um grande valor para medir as preferências do eleitorado em um dado momento, com as opções disponíveis. Erros recentes dos institutos (para o referendo sobre o acordo de paz com as Farc na Colômbia ou para as eleições presidenciais americanas, para citar apenas dois exemplos) reforçaram a percepção de muita gente de que as pesquisas não são confiáveis ou, pior, são flagrantemente manipuladas.

Mas, como mostra este extenso artigo no jornal britânico The Guardian, as pesquisas eleitorais não são as únicas vítimas do rechaço às estatísticas. O fenômeno afeta também a confiança em dados econômicos e sociais levantados pelos órgãos estatais — e estamos falando aqui de países com condutas sérias nesse campo, não da Venezuela ou da Argentina nos governos Kirchner, que se esmeraram em manipular estatísticas oficiais.

Nos Estados Unidos e na Inglaterra, foram feitas pesquisas para entender a desconfiança em relação às pesquisas. Neste caso, talvez, os céticos em estatísticas acreditem no resultado delas. Pois elas indicaram que, nos Estados Unidos, 68% dos apoiadores do presidente Donald Trump desconfiam dos dados econômicos divulgados pelo governo federal. “No Reino Unido, 55% da população acredita que o governo ‘está escondendo a verdade sobre o número de imigrantes que vivem” no país, escreve William Davies, o autor do artigo do The Guardian.

Davies avalia que essa atitude em relação às estatísticas está ligada ao fenômeno da “pós-verdade”, de um mundo em que os fatos são dados como incertos. A própria noção de verdade objetiva está sendo colocada em cheque. Em vez disso, as pessoas esperam que sua percepção subjetiva da realidade seja levada em conta pelos líderes governamentais e empresariais na compreensão do mundo em que elas vivem. Como os governos — e em grande medida também as empresas — desenvolvem suas políticas e seus serviços com base em análises da sociedade como um todo, apenas raramente detendo-se em particularidades locais ou nas nuances da realidade, o que se tem é um sentimento de desconexão entre os cidadãos e seus representantes ou as grandes corporações. Crescimento do PIB, taxas de desemprego, inflação, grau de satisfação com serviços públicos e privados — para medir tudo isso é preciso dividir a população em categorias. Mas a realidade, pelo menos da maneira como os indivíduos a percebem, cabe cada vez menos nessas categorias. Uma pessoa classificada como empregada, por exemplo, pode na verdade estar subempregada, em uma função abaixo de sua qualificação. As estatísticas, nesses casos, não medem intensidade.

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No mundo de hoje, a identidade é tudo. E, muitas vezes, é fluida, mutável. Como, então, fazer estatísticas que dependem de classificações de raça, gênero, sexualidade ou classe?

Davies mostra que, no campo dos negócios, as pesquisas tradicionais (em que as perguntas são feitas a priori) estão sendo substituídas pelo big data, em que os dados sobre um indivíduo (suas pegadas digitais) são primeiramente captados e apenas depois procura-se interpretá-los.

A solução, como sempre, parece estar em um equilíbrio. Governos, empresas, pesquisadores e jornalistas continuarão tendo nos dados estatísticos um instrumental valioso para entender o mundo. Mas é necessário desenvolver também outros métodos, mais emocionais, subjetivos e intuitivos, para captar a realidade, as necessidades e a maneira de pensar de cidadãos e consumidores.

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