Universidade recupera reserva florestal destruída por incêndios em grande seca em SP
Área verde fica na chamada Cuesta de Botucatu, formação geológica com montanhas, vales, rios e cachoeiras localizada no estado de São Paulo

O que começou como uma rotina de campo transformou-se em uma cena de devastação.
No dia 23 de setembro de 2023, durante uma atividade de pesquisa na Fazenda Experimental Edgárdia, em Botucatu (SP), a ecóloga Renata Cristina Batista Fonseca identificou os primeiros focos de incêndio na vegetação nativa da região.
Sem saber, testemunhava o início de uma das maiores emergências ambientais recentes no interior paulista.
Em poucas semanas, as chamas se espalharam por centenas de hectares, impulsionadas pela estiagem prolongada e pela vegetação seca.
Ao longo de outubro, o fogo consumiu uma área significativa da Cuesta de Botucatu, ecossistema de alta relevância ecológica, obrigando universidades, órgãos públicos e a sociedade local a unir esforços para conter o avanço das labaredas.
Professora da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp (FCA), Fonseca conhece bem o território. Foi ali que construiu sua trajetória acadêmica e onde hoje orienta estudantes em pesquisas voltadas à conservação ambiental.
A tragédia reacendeu nela o senso de urgência diante dos riscos crescentes aos ecossistemas locais.
Motivada pelo vínculo com a paisagem e pela gravidade do ocorrido, ela idealizou, junto a colegas e alunos, o projeto Restaura Cuesta, que visa à recuperação das áreas atingidas e à educação ambiental da população.
“A fazenda abriga um dos últimos remanescentes da vegetação nativa da cuesta, uma área de enorme valor ecológico para Botucatu e para o estado de São Paulo”, explica .
Com mais de 1.200 hectares, a fazenda é utilizada para ensino, pesquisa e atividades de extensão.
Também está inserida na Área de Proteção Ambiental Cuesta Guarani, que protege espécies nativas, formações geológicas singulares e parte das zonas de recarga do Aquífero Guarani, um dos maiores reservatórios subterrâneos de água doce do mundo.
A região abriga uma rara zona de transição entre Mata Atlântica e Cerrado, o que a torna um hotspot de biodiversidade. “É um espaço de encontro entre dois biomas, com fauna e flora características de ambos. Além disso, os recursos hídricos da cuesta são essenciais para o equilíbrio ambiental de toda a região”, destaca a ecóloga.
Segundo investigações preliminares, o incêndio teve origem criminosa. As chamas começaram em uma área periférica da fazenda, onde havia acúmulo de resíduos e descarte irregular de restos vegetais. Em meio à seca severa e às altas temperaturas, o fogo se espalhou rapidamente.
Os focos iniciais surgiram em 22 de setembro. Somente na primeira semana de novembro o incêndio foi considerado controlado. Ao todo, foram destruídos 340 hectares das Fazendas Experimentais da Unesp (Edgárdia e Lageado) e outros 695 hectares em áreas próximas. Os danos incluem perda de cobertura vegetal, mortes de animais silvestres e prejuízos a lavouras experimentais.
A resposta ao desastre envolveu ampla mobilização.
Docentes, técnicos, estudantes e voluntários da Unesp formaram brigadas emergenciais e passaram a atuar em parceria com o Corpo de Bombeiros, a Defesa Civil e outras instituições.
Atualmente, o Restaura Cuesta atua em frentes de recuperação ecológica, mapeamento de áreas degradadas e ações educativas. A iniciativa busca não apenas restaurar o que foi perdido, mas também promover uma nova cultura de proteção ambiental na região.
O caso escancara os riscos de negligência com áreas protegidas e reforça a necessidade de políticas integradas que envolvam prevenção, fiscalização e valorização dos ecossistemas.
A recuperação da cuesta será longa, mas a mobilização iniciada após a tragédia pode marcar o início de uma nova etapa na relação entre sociedade e meio ambiente nessa região do país.