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Saneamento transformou Niterói: praias limpas, esgoto tratado e salto em qualidade de vida

Pioneira na concessão dos serviços, cidade colhe os frutos de um modelo que modernizou a infraestrutura, melhorou a saúde pública e impulsionou a economia

Por Ernesto Neves Atualizado em 29 Maio 2025, 16h02 - Publicado em 29 Maio 2025, 09h05

Enquanto caminha pelas ruas asfaltadas do Morro da Penha, em Niterói, cidade com meio milhão de habitantes na região metropolitana do Rio, o líder comunitário Adriano Felício, 49, aponta para o que antes eram valas a céu aberto. “Tinha que desviar do esgoto para subir o morro. E a água, só a do poço que fica no alto do morro, suja e longe”, lembra. Nos dias de chuva, o cenário piorava: o esgoto se misturava às águas pluviais e acabava invadindo as casas. “As crianças viviam doentes. Reclamavam, mas ninguém resolvia”, relembra. Hoje, mais de duas décadas depois, a realidade é outra. Adriano abre a torneira e a água limpa jorra sem dificuldade. Todas as casas também contam com saneamento, que acaba de passar por obras de modernização. “Mudou tudo”, resume.

Pode-se dizer que Niterói é hoje uma cidade profundamente diferente de duas décadas atrás, quando se tornou um dos primeiros municípios brasileiros a privatizar os serviços de água e esgoto. A guinada iniciada em 1999 deu certo: o município ostenta índices invejáveis, com 100% da população abastecida com água potável e 96% atendidos pela rede de coleta e tratamento de esgoto. Como resultado, Niterói está na quinta posição entre as 100 maiores cidades do país no Ranking do Saneamento do Instituto Trata Brasil. O ranking avalia o atendimento de água e esgoto, os investimentos em saneamento e as perdas de água. É também detentora da melhor rede de saneamento do estado do Rio.

“Com metas claras e responsabilidades claras, o contrato colocou a universalização do saneamento como prioridade. Isso fez a cidade dar um salto”, explica Luana Pretto, presidente do Instituto Trata Brasil.

Adriano Felício, 49, morador do Morro da Penha: concessão expandiu serviços
Adriano Felício, 49, morador do Morro da Penha: concessão expandiu serviços (Renné Barbosa/VEJA)

A gestão saiu das mãos da CEDAE, estatal então marcada por ineficiência, e passou à empresa Águas de Niterói, por meio de uma concessão. Com a privatização, as melhorias no sistema de abastecimento passaram a ser financiadas por meio de parceria público privadas, o que deu início a um ciclo virtuoso de investimentos que multiplicou as obras no setor. Segundo a companhia, a injeção de recursos soma 1.6 bilhão de reais. Primeiro foi preciso atacar a crônica falta de água – somente 70% dos niteroienses tinham acesso ao serviço. Bairros inteiros ficavam à mercê de soluções improvisadas, como poços artesianos e os caminhões pipa.

Equacionado o abastecimento, foi preciso expandir, e muito, a infraestrutura de saneamento. Até a privatização, Niterói contava com apenas uma estação de tratamento de esgoto, localizada em Icaraí, na Zona Sul. Estava ultrapassada, realizando apenas uma separação primária, quando só os resíduos sólidos são recolhidos. O resultado dessa rede ineficiente é que o esgoto jorrava em línguas negras direto para as lagoas de Piratininga e Itaipú, tornando-as insalubres para quase todo tipo de vida.  Os efluentes corriam também para as praias, principalmente as que são voltadas para a Baía de Guanabara. Icaraí, cartão postal da cidade, permaneceu imprópria para banho por décadas.

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“Mesmo sendo uma concessão, o poder público teve papel fundamental ao fiscalizar e cobrar que todas as metas fossem cumpridas”, afirma Rodrigo Neves (PDT), prefeito de Niterói. Além disso, a expansão da infraestrutura sanitária não ficou restrita a um mandato. Foi um processo contínuo e de vários governos, frisa. “O plano estratégico teve metas de curto, médio e longo prazo. Ele vai até 2033, e vamos expandi-lo para 2050″, explica. 

A ampliação do sistema exigiu investimentos pesados em estações de tratamento – Niterói passou de uma para nove. Também a rede coletora precisou ser multiplicada, um trabalho contínuo que nunca chega ao fim. Seu capítulo mais recente foi investimento de 40 milhões de reais na construção de 40 quilômetros de canos na região de Pendotiba, beneficiando 20 000 moradores. Também as estações de tratamento vêm passando por um retrofit. A que está localizada em Camboinhas, por exemplo, impressiona pelo maquinário de última geração, que fez sua capacidade aumentar em 50% após a automatização. Tudo isso sem precisar mexer na infraestrutura física. A estação é hoje capaz de tratar 295 litros de esgoto por segundo, retirando 99% das impurezas. A água, límpida, pode ser reutilizada no maquinário e para lavar ruas.

Especialistas destacam, porém, que um dos pilares do sucesso de Niterói reside no fato da cidade e a concessionária terem trabalhado juntas para integrar as favelas e comunidades carentes no sistema de saneamento. Uma mudança radical na qualidade de vida dos 120 000 moradores dessas áreas, 30% da população total do município. Com o objetivo de fortalecer a relação com os moradores das áreas atendidas, a concessionária criou um setor exclusivo para atuar diretamente nas comunidades. A equipe, formada por profissionais especializados, tem como missão ampliar o diálogo e garantir o acesso facilitado a serviços essenciais.

A estratégia teve como base o projeto Comunidade Integrada, que leva atendimento comercial para dentro dos territórios, oferecendo serviços como negociação de débitos, troca de titularidade, inclusão na tarifa social, novas ligações de água e esgoto, além de demandas operacionais. A iniciativa tem contribuído para aproximar a empresa da população e ampliar o acesso aos direitos básicos de saneamento.

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“Estamos agora na terceira fase do nosso cronograma de universalização”, diz Bernardo Gonçalves, diretor executivo do grupo Águas de Niterói. “O objetivo é tornar o sistema mais inteligente, aumentando a eficiência sem consumir mais recursos. Já temos estações que funcionam inteiramente por automação”, diz o executivo da concessionária. O aperfeiçoamento foi fundamental para reduzir a perda de água tratada de 40%, em 1999, para os atuais 16%.

Praia da Boa Viagem, em Niterói: antes imprópria para banho, agora fica balneável 70% do tempo
Praia da Boa Viagem, em Niterói: antes imprópria para banho, agora fica balneável 70% do tempo (Getty/Getty Images)

Em tempos mais recentes, principalmente a partir de 2020, Niterói começou a colher os frutos mais visíveis dessa transformação. Voltado para a recuperação das enseadas da Baía de Guanabara, o programa Enseada Limpa intensificou o combate às ligações clandestinas que despejavam esgoto na orla. O resultado foi surpreendente: até 2013, Icaraí e as praias vizinhas passavam menos de 15% do tempo próprias para banho. Hoje, o percentual subiu para mais de 70%. A exceção fica por conta dos dias chuvosos, quando as águas pluviais acabam carreando sujeita para o mar. Também há interferência dos municípios vizinhos, como São Gonçalo, de 1 milhão de habitantes, onde menos de 45% do esgoto recebe tratamento adequado e milhões de litros in natura seguem sendo despejados diariamente na Guanabara.

A recuperação de Icaraí e das praias vizinhas produziu um ciclo virtuoso na orla. Milhares de niteroienses aderiram à prática de esportes náuticos, como a natação em águas abertas e a canoagem havaiana. A multiplicação desses barcos velozes, por exemplo, fez Niterói ganhar a alcunha de capital nacional da prática. Hoje, a prefeitura contabiliza 40 clubes dedicados ao esporte, que em agosto terá seu campeonato mundial realizado pela primeira vez por lá. São esperados ao menos 1 000 atletas de 30 países.

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A mudança também se dá na regeneração ambiental. Centenas de tartarugas verdes passaram a nadar todas as manhãs nos trechos mais calmos de Icaraí. Graças às águas translúcidas, a movimentação dos anfíbios pode ser facilmente acompanhada do calçadão. À noite, é a vez das arraias se aproximarem da costa. “Mais recentemente, fomos surpreendidos pela aparição de cavalos marinhos. Ainda estamos mapeando essas colônias. Mas a presença desses animais, muito sensíveis à poluição, mostra que a qualidade da água está ótima”, diz Halphy Rodrigues, coordenador de sustentabilidade da Águas de Niterói.

Especialistas afirmam que o exemplo de Niterói deve se tornar mais frequente graças à aprovação do Marco do Saneamento, em 2020. Ele estabeleceu um conjunto de regras para ampliar e modernizar o acesso à água tratada e à coleta de esgoto no Brasil. A principal meta da lei é ambiciosa: garantir que, até 2033, 99% da população tenha acesso à água potável e 90% à coleta e tratamento de esgoto.

Antes da mudança, o setor era dominado por estatais, com contratos frequentemente informais e sem metas claras de desempenho. O novo marco abriu espaço para a entrada da iniciativa privada, exigindo que todas as concessões — públicas ou privadas — sigam regras de licitação e apresentem metas de universalização, qualidade e eficiência.

Estudo do Instituto Trata Brasil mostra que a universalização do saneamento em todo o território nacional poderia gerar um impacto econômico de R$ 1,4 trilhão no Brasil, com ganhos que incluem R$ 25 bilhões em economia na saúde pública, R$ 437 bilhões com aumento de produtividade, R$ 48 bilhões em valorização imobiliária e R$ 80 bilhões impulsionando o turismo. “Preservar o meio ambiente é investir no futuro.

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Os reflexos são visíveis: valorização dos imóveis na orla, proteção do patrimônio das famílias, dinamização da economia local com novas atividades, como o turismo, a gastronomia e os esportes. É um investimento que gera retorno direto para o cidadão e para o município. Por isso, é incompreensível que ainda não seja tratado com a seriedade que merece”, diz o prefeito Rodrigo Neves. Mais do que obra de infraestrutura, o saneamento é uma política de saúde, dignidade e desenvolvimento — e Niterói mostra que, quando tratado com seriedade, o retorno vem para todos.

Qualidade de vida: com águas límpidas, cidade ganhou o apelido de
Qualidade de vida: com águas límpidas, cidade ganhou o apelido de “capital nacional da canoa havaiana” (Prefeitura de Niterói/Divulgação)
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