COP26: Brasil deve ir ‘além da ambição’, diz embaixador do Reino Unido
Para Peter Wilson, o país necessita se esforçar para implementar medidas concretas contra o desmatamento ilegal
Poucas missões diplomáticas no Brasil se dedicam tanto a projetos de economia verde e preservação ambiental quanto a do Reino Unido. À frente da representação britânica desde janeiro, o embaixador Peter Wilson já visitou mais de dez cidades brasileiras para advogar a favor da sustentabilidade, seja entre lideranças políticas regionais, seja entre grandes empresas. Com a aproximação da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que será realizada em Glasgow, na Escócia, o diplomata intensificou ainda mais os seus esforços. Recentemente, trouxe o presidente do evento, o veterano britânico da política Alok Sharma, para conhecer as peculiaridades brasileiras e pressionar o governo de Jair Bolsonaro por ações mais ousadas para coibir o desmatamento. Em entrevista telefônica concedida da embaixada em Brasília, Wilson falou a VEJA sobre o desafio brasileiro para cumprir suas metas ambientais.
Nosso país caminha em uma rota perigosa em relação ao meio ambiente? O Brasil é uma voz importante no cenário mundial quando o tema é sustentabilidade e consequentemente todos observam de perto o que acontece por aqui. Isso significa mais responsabilidade, quer vocês queiram ou não. E não há dúvida de que, apesar da extensão da Amazônia, a floresta é um bioma vulnerável à mudança que deve ser protegido. O próprio vice-presidente, Hamilton Mourão, reconheceu em uma viagem que fizemos juntos ao Pará em setembro que ainda há muito a fazer para acabar com o desmatamento na região. Entendo que essa deve ser uma grande preocupação, apesar do desafio que ela representa, e monitoramos os dados de desmatamento com muita atenção.
O senhor acredita que o Brasil será capaz de cumprir a meta de acabar com o desmatamento ilegal até 2030? Os compromissos feitos pelo presidente Jair Bolsonaro na Conferência do Clima organizada pelos Estados Unidos foram muito importantes. Mas agora o foco mudou: deve-se ir além da ambição e investir em um esforço de implementação. Há movimentações do governo para fazer isso acontecer e o comprometimento recente de destinar recursos extras para a fiscalização é um sinal de que esse tema subiu no nível de prioridade nacional. Se o Brasil conseguir evoluir em suas políticas de proteção ambiental da mesma forma que cresceu em outras áreas, como agricultura sustentável e geração de energias alternativas, estará cada vez mais próximo de sua meta.
Desde que o senhor desembarcou no Brasil tem se encontrado com governadores, empresários e organizações do terceiro setor para debater projetos de sustentabilidade. O diálogo com essas lideranças é mais proveitoso do que com o governo federal? Não é mais proveitoso, mas é necessário em qualquer sistema federativo. É preciso discutir com aqueles que controlam a economia e as diversas frações do território brasileiro para que eles entendam que atualmente bancos e grandes corporações estrangeiras avaliam os riscos ambientais de um negócio de uma forma muito mais sofisticada do que há cinco anos e que mudanças são necessárias para manter investimentos e preservar mercados no futuro. Além do governo federal, queremos que governadores, prefeitos e empresários também se comprometam a agir para alcançar uma economia livre de carbono até 2050.
Há alguma posição específica que espera que o Brasil adote durante a COP26? Gostaríamos que a delegação brasileira apresentasse planos detalhados de implementação das metas de fim do desmatamento ilegal e economia neutra anunciada no início do ano. A conferência também é uma ótima oportunidade para a atualização dos compromissos voluntários estabelecidos pelos signatários do Acordo de Paris para a redução de emissões, que ainda data do ano passado. Metas ambiciosas são importantes para indicar o desejo de mudança e encorajar outras nações a seguir pelo mesmo caminho.
“Gostaríamos que na COP26 o Brasil apresentasse planos detalhados para o combate ao desmatamento ilegal conforme anunciado em 2021”
O Reino Unido tem responsabilidades a mais por ser sede do evento? Sem dúvidas. Estamos trabalhando em dobro para cumprir nossas próprias metas, entre elas a eliminação de veículos movidos a gasolina e diesel até 2030 e a construção de uma economia de emissões líquidas zero até 2050. Investimos pesado em energia eólica, que já representa 30% de nossa matriz, e em incentivos para a indústria. Graças à tecnologia de ponta, a economia verde britânica produz sete novos empregos para cada demissão no mercado tradicional. Além disso, qualquer cidadão que se disponha a readaptar sua casa para gastar menos energia com aquecimento ou isolamento térmico ganha um subsídio do governo. Acreditamos que todos os países podem alcançar resultados positivos como esses e trabalharemos para isso na COP.
Além da transição para uma economia mais sustentável, o governo britânico enfrenta os desafios impostos pelo Brexit. A população se arrependeu de sua decisão? Não, pois todos sabíamos que haveria um período de transição difícil após a saída da União Europeia (UE). É fato que os supermercados passam por um período de desabastecimento e que muitos imigrantes que viviam no Reino Unido voltaram para sua terra natal, mas esse cenário foi causado também pela pandemia de Covid-19. Tenho certeza de que tudo isso vai passar assim que fizermos todos os ajustes necessários. As primeiras mudanças positivas já começaram a aparecer. Também estamos mais abertos para o resto do mundo e prontos para negociar mais com o Brasil.