Como as mudanças climáticas estão aumentando os conflitos pela água no Canal do Panamá
Quando a região passa por secas, a escassez leva ao aumento de conflitos entre a população local

O Canal do Panamá é uma das vias navegáveis mais cruciais do mundo, por onde passa cerca de 7% do comércio global.
Não à toa, vem sendo alvo de investidas seguidas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que vem ameaçando tomá-lo.
O problema é que seu funcionamento depende fortemente das chuvas. Sem água doce suficiente, as eclusas do canal não conseguem elevar ou baixar os navios que transitam entre os oceanos Atlântico e Pacífico.
Períodos de seca reduzem o número de embarcações que podem atravessar o canal por dia, impactando rapidamente as finanças do Panamá e economias ao redor do mundo.
Essa mesma água doce é crucial para outras necessidades do país, como o abastecimento de cerca de dois milhões de panamenhos, o uso por povos indígenas e agricultores na bacia hidrográfica, além da geração de energia hidrelétrica.
Quando a região enfrenta secas, como ocorreu entre 2023 e 2024, a escassez hídrica pode intensificar os conflitos pelo uso da água.
Um desses conflitos envolve a construção de uma nova represa planejada pela Autoridade do Canal do Panamá, com obras previstas para começar em 2027.
O objetivo é garantir o abastecimento de água necessário para manter o canal operando — responsável por aproximadamente 4,2% do PIB do país.
No entanto, o projeto também prevê a inundação de comunidades agrícolas e o deslocamento de mais de 2 000 pessoas de suas casas.
A seca recente não foi um evento isolado
Pesquisas apontam que o aumento das temperaturas globais está interferindo na disponibilidade de água na região e o Panamá enfrenta extremos cada vez mais intensos. Isso vale tanto longos períodos de estiagem quanto episódios de chuvas excessivas.
Esse novo cenário climático, alertam especialistas, exigirá escolhas cada vez mais difíceis entre o abastecimento de água para a população e a manutenção do funcionamento do canal.
O clima tropical úmido do Panamá é fortemente influenciado por sua localização próxima ao equador, pelos ventos alísios e pela interação com os oceanos.
A maior parte das chuvas ocorre durante a estação chuvosa, que vai de maio a novembro. No entanto, registros meteorológicos indicam uma redução gradual na média de precipitação desde aproximadamente 1950.
Nos anos mais secos, os níveis de água no Lago Gatun, essencial para o funcionamento do Canal do Panamá, caíram a níveis criticamente baixos, dificultando as operações do canal.
Isso ocorreu, por exemplo, em 1998, 2016 e, mais recentemente, entre 2023 e 2024. Padrões climáticos associados ao fenômeno El Niño costumam agravar ainda mais a situação, resultando em volumes de chuva particularmente reduzidos.
Em dezembro de 2023, a Autoridade do Canal do Panamá foi obrigada a reduzir o número de travessias diárias para 22, bem abaixo da média habitual de 36 a 38, devido à escassez de água doce disponível para operar as eclusas.
Para evitar perdas financeiras ainda maiores, a Autoridade do Canal do Panamá aumentou as tarifas e passou a leiloar vagas de passagem para os maiores licitantes.
Sem essas medidas emergenciais, a estimativa era de que as perdas mensais chegassem a US$ 100 milhões, devido à redução do tráfego de navios provocada pela escassez de água.
Além de atender às necessidades humanas e econômicas, a água também é fundamental para a saúde dos ecossistemas.
Alterações na composição das árvores da floresta já foram observadas na Ilha Barro Colorado, no Lago Gatun, em resposta ao aumento das temperaturas e à frequência das secas.
As mudanças climáticas também têm provocado maior variabilidade nas chuvas. E, embora a escassez seja um desafio, o excesso de chuva também representa um risco para as operações do canal. Em dezembro de 2010, por exemplo, a maior tempestade já registrada no país causou deslizamentos de terra e danos avaliados em US$ 150 milhões, interrompendo temporariamente a navegação.
Medidas temporárias de economia de água já foram implementadas. A Autoridade do Canal encurtou o comprimento de algumas câmaras de eclusas, reduzindo o volume de água necessário para embarcações menores, e minimizou as trocas de direção, otimizando os recursos disponíveis.
Mais obras pela frente
Em janeiro de 2025, foi aprovado o plano para construir uma nova barragem no Rio Índio, com o objetivo de aumentar a disponibilidade de água durante os períodos mais secos e garantir a operação contínua do canal.
Embora a medida possa aliviar parte da pressão hídrica, ela também evidencia os crescentes conflitos em torno da água no país.
Estima-se que o reservatório da futura barragem vá submergir mais de 1.200 residências.
Moradores da região temem perder o acesso à terra, às rotas de transporte e, com isso, seus meios de subsistência e as comunidades onde vivem há gerações.
A Autoridade do Canal promete realocar as famílias afetadas, mas a desconfiança e a insegurança persistem.
Enquanto isso, campanhas na mídia incentivam a população panamenha a economizar água no dia a dia.
Paralelamente, um Programa de Incentivos Econômicos Ambientais promove a conservação das florestas e o fortalecimento da agricultura familiar sustentável, como estratégia para proteger os recursos hídricos da bacia hidrográfica que sustenta o canal e o país.