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A ressurreição do carvão na Europa

Líderes no combate ao aquecimento global como a Alemanha recorrem a um dos combustíveis mais sujos que existem para enfrentar a crise energética

Por Jennifer Ann Thomas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h55 - Publicado em 30 set 2022, 06h00

Em meio aos discursos contundentes proferidos durante COP26, a conferência do clima da ONU realizada em Glasgow, na Escócia, em novembro do ano passado, a ex-chanceler alemã Angela Merkel declarou que “não estamos onde deveríamos estar” com relação às iniciativas de combate às mudanças climáticas. Menos de um ano depois, a poucas semanas da COP27, que será realizada em Sharm el-Sheikh, no Egito, seu sucessor, Olaf Scholz, dificilmente teria a chance de dar recados duros a países que torram combustíveis fósseis e contribuem para o aquecimento global. Uma das nações líderes nas iniciativas para reduzir as emissões de carbono, a Alemanha se vê na constrangedora situação de religar suas velhas usinas a carvão, altamente poluentes. A primeira a entrar em funcionamento, chamada Mehrum, está localizada nos arredores de Hanover, havia sido desativada em dezembro e voltou a funcionar no início de agosto. A segunda, a de Heyden, na cidade de Petershagen, foi construída em 1952, voltou a operar no dia 29 do mesmo mês, depois de passar dois anos com suas chaminés fumarentas inativas. Outras 27 instalações semelhantes devem ser religadas nas próximas semanas — e seguir em operação até março de 2024.

Combustível fóssil cujo uso remonta aos primórdios da Revolução Industrial, há mais de 200 anos, o carvão mineral é a mais suja das opções para gerar energia. De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA), o CO2 emitido pela combustão do carvão foi responsável pelo aumento de 0,3 grau na temperatura média global desde os níveis pré-industriais — no geral, estima-se que o planeta já tenha aquecido 1 grau desde então. Tal cifra torna as pedras negras extraídas das profundezas do solo as principais responsáveis pelo aquecimento da Terra. Nos últimos anos, os países desenvolvidos, principalmente os europeus, conduziram uma série de iniciativas bem-sucedidas para substituir a matéria-prima na geração de energia.

No caso da Alemanha, e de outros países da Europa Central, como a Polônia, a opção recaiu sobre o gás natural importado da Rússia. Isso até o fornecimento entrar em colapso a partir do início da guerra da Ucrânia, deflagrada em fevereiro. O país mais rico da Europa se viu então com o fornecimento de combustível para suas usinas dramaticamente reduzido e chegou às vésperas do inverno sem opções momentâneas, a não ser religar suas velhas marias-fumaça energéticas. Apesar de buscar alternativas no fornecimento de gás em outros países, como ocorreu na semana passada na Arábia Saudita e no Catar, o premiê alemão conta com poucas possibilidades a curto prazo além do carvão.

CORRIDA - Chanceler Olaf Scholz na Arábia: busca por combustíveis mais limpos -
CORRIDA - Chanceler Olaf Scholz na Arábia: busca por combustíveis mais limpos – (Bandar Al-Jaloud/AFP)

Os alemães não estão sozinhos nessa encruzilhada. O governo francês confirmou que pode fazer o mesmo com uma usina localizada na região de Lorraine, no nordeste da França, caso seja necessário para atravessar o rigoroso inverno europeu. Situação semelhante pode acontecer na Itália, que, além de tudo, enfrenta uma seca dramática que impactou a geração de energia por hidrelétricas. O efeito da medida é tão severo que o secretário-geral da ONU, António Guterres, já advertiu que, enquanto as principais economias buscam uma estratégia para substituir o gás russo, medidas de curto prazo podem criar uma dependência de longo prazo dos combustíveis fósseis. “O vício em combustíveis fósseis é uma destruição mutuamente assegurada”, declarou.

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A situação energética na Alemanha é tão complexa que até mesmo o projeto de desativação das usinas nucleares no país, que já dura mais de uma década, foi paralisado. Logo após o acidente na usina de Fukushima Daiichi, no Japão, em 2011, a então chanceler Angela Merkel reviu seu posicionamento como defensora da energia atômica e aceitou fechar até o fim de 2022 todas as dezessete usinas no país, responsáveis na época por um quarto da eletricidade gerada. Com duas centrais ainda em funcionamento, os planos de desativação foram suspensos no dia 5 de setembro até pelo menos abril de 2023. Segundo o ministro da Economia da Alemanha, Robert Habeck, as duas últimas usinas manterão suas equipes de funcionários e as instalações em esquema de prontidão, mas só produzirão energia em caso de necessidade. Habeck reforçou ainda que o plano de encerrar as atividades das usinas segue mantido para o futuro. Apesar de ser considerada uma fonte limpa, a energia nuclear é extremamente impopular entre os alemães. Na vizinha França, a realidade é bem diferente, com 70% da eletricidade do país proveniente de 56 reatores a pleno vapor.

Dados do Banco Mundial mostram que o setor de energia contribui com 40% das emissões de CO2, 75% delas relativas a apenas seis grandes economias, entre elas China e Estados Unidos. Para manter as metas do Acordo de Paris, tratado global que prevê a redução da emissões de carbono no planeta assinado em 2016, as emissões de carvão mineral precisam ser completamente zeradas até 2050. A se considerar a nova realidade na Europa, essa corrida que já é repleta de obstáculos deve ficar ainda mais complicada daqui para a frente.

Publicado em VEJA de 5 de outubro de 2022, edição nº 2809

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