1 – O ACONTECIMENTO, de Annie Ernaux
(Tradução de Isadora de Araújo Pontes; Fósforo; 80 páginas)
Ao eleger Annie Ernaux como Nobel de Literatura em 2022, a Academia sueca destacou duas qualidades da francesa de 82 anos. A primeira era sua coragem rara de tecer opiniões espinhosas. A segunda, a forma cirúrgica como seus livros unem o passado pessoal da autora ao contexto histórico e social da França do século XX. A combinação, apelidada de “autossociobiografia”, chega ao ápice em O Acontecimento. Lançado na França em 2000 (e no Brasil neste ano), a obra demandou maturação de quarenta anos sobre um evento traumático: em 1963, aos 23 anos, Annie, estudante de letras, fez um aborto. A narrativa poética mas brutal ainda é capaz de chocar um mundo que diverge sobre o tema — tanto que a adaptação do livro para o cinema impactou o Festival de Veneza, levando o Leão de Ouro neste ano.
2 – FILOSOFIA FELINA, de John Gray
(Tradução de Alberto Flaksman; Record; 140 páginas)
O respeitado filósofo inglês John Gray, 74 anos, é um elurófilo — ou seja, um gateiro de carteirinha. Ao observar o animal de estimação, ele desenvolveu uma tese bem-humorada: com sua personalidade admirável, os bichanos podem ensinar, e muito, aos seres humanos sobre como viver. Ansiosas por se enquadrar em grupos e ideologias, sendo assim submissas às lideranças, e desidratadas pela busca incessante de uma felicidade inalcançável, as pessoas perdem um tempo precioso da vida. Enquanto isso, os gatos aproveitam o presente e não esperam a aprovação alheia. Ao contrário dos cães, os bichanos é que “adestraram” os humanos — numa parceria que, desde a Antiguidade, funciona bem.
3 – EM BUSCA DE MIM, de Viola Davis
(Tradução de Karine Ribeiro; BestSeller; 266 páginas)
Dona de um Oscar, um Emmy, dois Tony e um riso largo e contagiante, Viola Davis veio da miséria e encontrou na atuação uma cura, ao transferir suas dores para personagens intensamente humanas. No livro de memórias, narra uma infância de privações: ao lado das cinco irmãs, passava fome e frio em um lar marcado pela violência. Na escola, era perseguida pelo terror do racismo. A obra é um mergulho profundo de Viola em si mesma, versando sobre coragem, medos, sonhos, e a luta pelo amor próprio. Por sua honestidade, trata-se de um dos mais fortes relatos já feitos por uma estrela de Hollywood. Viola não ganhou nada de mão beijada, mas aprendeu a brilhar.
Publicado em VEJA de 28 de dezembro de 2022, edição nº 2821