Em 2050, 9,8 bilhões de pessoas estarão vivendo na Terra. Quase 70% delas em centros urbanos, o que impõe enormes desafios ao transporte público. Se hoje já é um sacrifício para o cidadão atravessar 20 quilômetros em uma cidade grande, dá para imaginar como ficará o trânsito com alguns milhões de habitantes a mais circulando diariamente. O futuro da mobilidade, já se sabe, encontra-se no subterrâneo, com linhas de metrô escondidas sob a paisagem, mas também está no lado oposto, muitos metros acima do solo. O carro voador, uma fantasia de desenhos animados e filmes, deverá se tornar realidade em breve, mas não será igual aos veículos de ficção científica. O que singrará os céus nesta década é o eVTOL, mistura de drone com helicóptero, capaz de transportar pessoas a curtas distâncias, criando assim o voo intramunicipal acessível.
VTOL não é um termo desconhecido para entusiastas da aviação. Acrônimo do inglês vertical take-off and landing (decolagem e pouso verticais), ele define qualquer helicóptero, mas o “e”, de elétrico, confere ao veículo a modernidade de que o mundo tanto precisa. Já é consenso entre os fabricantes que, para ser considerado um eVTOL, ele tem de ser silencioso, não poluente, seguro, leve e demandar pouca infraestrutura. Mesmo com todas essas especificações, são muitos os interessados em fabricá-lo: de olho no mercado global de mobilidade aérea urbana, estimado em 13 trilhões de dólares em 2035, gigantes como Boeing, Bell e Airbus têm protótipos em diferentes estágios de desenvolvimento. Não só os grandes, porém, estão na briga: a Joby Aviation, uma startup californiana de fundo de garagem, recebeu aporte de 2 bilhões de dólares do fundo de investimento BlackRock e da Toyota para avançar com seu eVTOL, que decolou pela primeira vez em 2015 e realizou mais de 1 000 voos experimentais desde então.
Outra startup no páreo é a alemã Volocopter, que fez seu primeiro teste em área urbana em outubro de 2019, em Singapura, importante centro financeiro do Sudeste Asiático. Pesando 700 quilos, o aparelho transporta duas pessoas — piloto e passageiro. Batizado de VoloCity, ele chega a 110 quilômetros por hora e tem alcance de 35 quilômetros até a recarga, distância que deverá dobrar assim que forem inventadas baterias compactas mais potentes. A bateria, que já foi o calcanhar de aquiles da indústria automobilística, é um dos maiores obstáculos que a primeira geração de eVTOL vai enfrentar para aumentar a autonomia. Fora isso, o VoloCity é tão fácil de ser pilotado quanto um drone comprado na internet — e, visto de longe, até se parece com um. O fabricante espera conseguir certificar o aparelho para voos comerciais em dois anos, objetivo que talvez não seja tão fácil de ser alcançado fora de Singapura. Roberto Honorato, superintendente de aeronavegabilidade da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), reguladora brasileira respeitada internacionalmente, esclarece que a visão da Anac é sempre em prol do desenvolvimento, mas que a segurança vem em primeiro lugar: “O caminho natural é termos eVTOLs nos próximos anos, mas antes os fabricantes precisarão superar desafios tecnológicos, regulatórios, de utilização do espaço aéreo e até de aceitação da sociedade”, disse o executivo a VEJA.
Por aqui, a Embraer, uma das mais bem-sucedidas empresas brasileiras, com mais de 8 000 aeronaves produzidas, está fabricando seu eVTOL visando a certificá-lo até 2026. Diferentemente do VoloCity, o modelo da Embraer terá quatro lugares, mais o assento do piloto. Seu design apresenta duas asas com conjunto de duas hélices em cada uma das quatro pontas, além de dois dutos de propulsão traseira. Desenvolvido pela Eve, a startup da divisão de inovação EmbraerX, ele deverá pesar 1 tonelada, porém terá mais capacidade de carga e alcance do que o pequeno aparelho alemão. Ainda em fase de simulação, o veículo já tem encomendas de 200 unidades da Halo e cinquenta da Helisul, duas grandes operadoras do setor. O futuro está mesmo chegando para as empresas de táxi-aéreo, mas ainda resta saber se algum dia os eVTOLs poderão ser adquiridos por particulares. Honorato diz que a regulamentação sempre caminha um pouco atrás do desenvolvimento tecnológico. Em outras palavras, antes de chegar aos particulares, os carros voadores precisam mostrar como vão se comportar.
Publicado em VEJA de 16 de junho de 2021, edição nº 2742