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Um grito de alerta contra uma das principais causas de morte no ambiente hospitalar

A septicemia vira alvo de uma iniciativa brasileira para combater a complicação que mata até 60% dos pacientes

Por Paula Felix Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 16 nov 2024, 08h29 - Publicado em 16 nov 2024, 08h25

O medo é uma reação natural e esperada quando a família recebe a notícia de que um parente precisa ser encaminhado a uma unidade de terapia intensiva, a UTI. Parte desse temor pode ser atribuído ao maior risco de uma infecção generalizada, nome que popularizou uma das emergências mais letais dentro de um hospital: a septicemia. Também conhecida como sepse, ela hoje é considerada uma espécie de doença à parte, marcada pelo ataque das células de defesa ao organismo em resposta a algum tipo de estresse, como a disseminação de uma bactéria na circulação. Essa tempestade tende a acarretar a falência dos órgãos e ter um desfecho fatal em questão de horas caso medidas de contenção não sejam adotadas a tempo.

Maior causa de óbitos em UTIs brasileiras, a condição está na mira da iniciativa Jornada Sepse Zero, que propõe um trabalho baseado em conscientização e treinamento de médicos e demais profissionais a fim de mitigar essa ameaça à saúde pública. “Quanto antes conseguirmos reverter o quadro nos hospitais, mais vidas conseguiremos salvar”, diz a cardiologista e intensivista Ludhmila Hajjar, professora da USP e líder do projeto.

arte saúde

A natureza da palavra “sepse”, que deriva do termo grego para “decomposição”, permite compreender quão crítico é o estado do paciente nessas circunstâncias. Embora o tratamento seja realizado com medicamentos presentes no dia a dia de hospitais, como antibióticos, nem sempre o atendimento chega no momento certo, e a piora, tantas vezes, é repentina. É por isso que a jornada busca sensibilizar os profissionais que atuam em unidades de emergência sobre a chamada “hora de ouro”, os primeiros sessenta minutos que serão cruciais para intervir com êxito. “O paciente começa a ficar confuso, a frequência cardíaca sobe, a pressão arterial cai”, descreve Hajjar, que acaba de conduzir um curso para mais de 800 médicos brasileiros. Além da falta de conhecimento técnico entre os profissionais à beira do leito, um dos desafios da sepse é a ausência de uma padronização nos protocolos de atendimento no país. Tudo isso contribui para as 240 000 mortes anuais registradas por aqui. Uma pesquisa com 307 médicos feita pela empresa Território Saber, criadora do curso, revela que apenas 65% dos profissionais administram o tratamento correto no período oportuno e metade considera “intermediária” sua qualificação para manejar a situação. Não por acaso, a taxa de mortalidade por septicemia no Brasil é absurdamente alta quando comparada à de nações como Austrália, Reino Unido e EUA — temos um índice de 60% ante 15% a 20% nesses países. “O que eles fizeram foi investir na educação continuada das equipes e na manutenção de um número adequado de profissionais para dar suporte aos pacientes”, diz Leandro Taniguchi, médico da UTI Clínica do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Nesse sentido, é fundamental esclarecer que a internação não é o fator determinante para a ocorrência da sepse. “De cada dez pessoas hospitalizadas, sete sobrevivem”, afirma Hajjar. Logo, é um horizonte a ser contornado com padrões de monitoramento dos sinais vitais e ações imediatas tomadas com rigidez. Meta que se torna mais viável com o apoio da tecnologia, sobretudo a inteligência artificial. Hospitais nacionais já contam com ferramentas capazes de predizer prováveis exacerbações inflamatórias — o primeiro passo para a sepse —, enquanto estudos tentam determinar os melhores biomarcadores para monitorar os casos e tratá-los de forma assertiva.

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LIDERANÇA - Ludhmila Hajjar: a médica goiana coordena projeto pioneiro no país
LIDERANÇA - Ludhmila Hajjar: a médica goiana coordena projeto pioneiro no país (Célia Santos//)

A conscientização também cabe à população. Isso porque as principais infecções que levam ao grave quadro começam no trato urinário, respiratório ou intestinal, e não raro são negligenciadas ou tratadas equivocadamente com antibióticos sem prescrição. Tal cenário alimenta outro problema de saúde pública que atormenta os hospitais e pode vir de encontro à sepse, a resistência antimicrobiana. Há um enorme esforço em jogo nessa jornada, e Hajjar espera colher resultados da iniciativa em até um ano. A ideia é que, com a hora de ouro, o medo da sepse também se torne coisa do passado.

Publicado em VEJA de 15 de novembro de 2024, edição nº 2919

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