Na segunda-feira 16, cerca de 6 000 pessoas se enfileiraram no centro de São Paulo para concorrer a uma vaga de trabalho com carteira assinada. A procura superou a expectativa, e o Sindicato dos Comerciários, responsável pela iniciativa, distribuiu senhas para que os interessados pudessem ser atendidos durante a semana. Esse é um breve mas contundente retrato das dificuldades enfrentadas pelos 13 milhões de desempregados. A oferta de vagas formais está no menor patamar desde 2012. Esperava-se que a economia se recuperasse ao longo de 2018, reanimando o ritmo de contratações. Mais de meio ano já se foi e até agora nada de reação. Pelo contrário. As dúvidas em relação aos resultados eleitorais voltaram a corroer a confiança dos empresários, e os investimentos na expansão dos negócios foram congelados. E quem poderia ajudar decidiu fazer tudo para piorar.
O Congresso, sob cuja análise estão as reformas encarregadas de equilibrar as contas públicas e assegurar as bases para a retomada do crescimento, não apenas deixou as soluções de lado como passou a se empenhar na aprovação de projetos oportunistas que, se levados adiante, vão contribuir apenas para arreganhar ainda mais o rombo do Orçamento federal. Nas últimas semanas, com o clima de véspera de recesso, uma série de medidas que ampliam a renúncia de receitas e dificultam a tarefa de pôr as contas do governo em ordem foi proposta e aprovada. Trata-se de regimes especiais de tributação, perdão de dívidas e multas e outros tipos de benesses concedidas a setores que, na maior parte dos casos, estão intimamente ligados às bases dos deputados e senadores que as defendem (veja o quadro abaixo).
A bancada ruralista, que ocupa 40% das cadeiras do Congresso, já tinha conseguido uma mamata na renegociação das dívidas do setor agrário — dívidas cujo pagamento deveria ajudar a sanar o sistema de aposentadorias. Mas, além disso, o setor ainda pleiteia vantagem de outra natureza: quer que a União seja responsável por compensar os estados que concedem descontos nos impostos de produtos exportados. O custo do novo pleito será de 39 bilhões de reais ao ano — o equivalente a quase metade do Orçamento federal destinado à educação. A proposta é tão absurda que o próprio governo tem dito que, ainda que o Congresso a aprove, a aplicação de dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) derrubaria a decisão.
Muitas das medidas, aliás, foram aprovadas sem que fossem feitas estimativas de impacto fiscal nem previsão de onde viria o dinheiro, o que viola o espírito da LRF. Computadas todas as canetadas, a fatura da irresponsabilidade já se aproxima dos 70 bilhões de reais. “Foi uma farra em razão do período eleitoral, mas creio que boa parte desses projetos, de acordo com os sinais dados por esta administração, não deve avançar”, analisa Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados.
O nó da questão é que o governo de Michel Temer é cada vez mais um não governo. Sem força para barrar algumas das medidas mais estapafúrdias em gestação, Temer tende a deixar a batata quente para o sucessor. O presidente teve vetos derrubados em pelo menos dois projetos da chamada pauta-bomba fiscal. Em episódio mais recente, o governo reonerou impostos do setor de refrigerantes para cobrir as despesas com a diminuição nos tributos do diesel, porém a decisão foi revertida pelo Congresso.
Cada lei que encurta o cobertor da arrecadação impõe à equipe econômica a tarefa de cortar despesas, mas o Planalto já reduziu quase todos os gastos não obrigatórios e está no limite. “Recorrer à Justiça ou ao Tribunal de Contas da União para anular as decisões dos parlamentares pode levar tempo. O governo espera reverter as derrotas recentes e barrar novas investidas”, afirma Bruno Lavieri, economista da consultoria 4E. “É uma temeridade, porque a piora nos indicadores de emprego e renda está ligada diretamente ao agravamento da situação fiscal.”
Enquanto os parlamentares irresponsavelmente raspam o tacho federal, o cenário para as contas vai piorando. “Está se armando uma bomba, mas confio que o próximo presidente reagirá sob pena de ter seu mandato comprometido”, diz josé Roberto Afonso, pesquisador da Fundação Getulio Vargas. A pressão por aumento das despesas contribui para a alta da inflação, dificulta a redução dos juros e, no fim, solapa as esperanças de um crescimento sólido da economia. Como tudo indica que o novo governo é que terá de enfrentar o problema, leia, na página seguinte, o que pensam os presidenciáveis sobre o assunto.
Publicado em VEJA de 25 de julho de 2018, edição nº 2592