Pequim e Xangai, duas das maiores metrópoles chinesas, estão separadas por 1 320 quilômetros. A cada dia, milhares de pessoas viajam entre essas cidades em novíssimos trens-bala, que cobrem a distância em quatro horas e meia. Os 22 000 quilômetros de linhas ferroviárias com trens velozes atendem a todas as principais localidades chinesas e transportam mais de 7 bilhões de passageiros por ano. Por ser uma nação com dimensões continentais e um colossal número de habitantes, a China optou por não depender apenas dos aviões para interligar seus maiores centros urbanos. O país tem hoje uma rede de trens velozes sem comparação no mundo, construída nas duas últimas décadas. Até pouco tempo atrás, a malha ferroviária chinesa era similar à brasileira.
Enquanto a China deu um salto, o Brasil avançou muito pouco mesmo em projetos bem mais modestos. Linhas de metrô prometidas para a Copa do Mundo de 2014 ainda não ficaram prontas. Inexiste uma malha de trens urbanos para ligar as principais regiões metropolitanas, e falar em trem-bala, por aqui, soa a conversa fiada — como foi a mais recente proposta de instalação de uma ferrovia desse tipo entre São Paulo e o Rio de Janeiro, apresentada em 2012, que se manteve de pé até 2014.
O futuro da infraestrutura brasileira é construir o que outras nações já fizeram há tempos. O histórico deficiente de investimentos em transportes, energia e saneamento posiciona o Brasil na 73ª colocação do ranking de infraestrutura mundial. Perdemos para todos os grandes países emergentes e também para Egito, Cazaquistão e Namíbia, cujos índices de desenvolvimento são inferiores aos nacionais. Segundo um estudo da consultoria Oliver Wyman, ainda que o Brasil passe a investir pelo menos 4% do PIB em infraestrutura — em 2017, o investimento total foi de 1,4% —, levaria um quarto de século para atingir a universalização dos serviços básicos com um mínimo de qualidade. Pior: caso fosse incluído nessa conta o sobrepreço de obras, originado nos esquemas corruptos ou nos erros de projeto, seriam necessários quarenta anos para chegar ao nível ideal. China e Índia, nações com dimensões territoriais e problemas similares aos brasileiros, investem 7% e 5,5%, respectivamente, em infraestrutura ao ano. Sem remover esse obstáculo, não há como a economia brasileira acelerar o passo.
Investir tardiamente em infraestrutura, no entanto, significa ao menos ter mais tecnologias à disposição. Poucas décadas atrás, as opções viáveis de geração de energia envolviam grandes impactos ambientais — o exemplo mais emblemático são as usinas movidas a carvão, das quais a China ainda é dependente para a geração de energia elétrica. A produção de eletricidade de maneira limpa mobiliza pesquisadores ao redor do planeta e as novidades começam a dar resultados. Na Espanha, 20% de toda a energia produzida provém das turbinas eólicas. No Brasil, as usinas de vento instaladas no Nordeste contribuíram para enfrentar a estiagem prolongada e a queda nos reservatórios de água. A nova frente de avanço nessa área deverá vir da energia solar. Entre 2009 e 2017, o preço dos painéis solares caiu 75% — mais ainda que o das turbinas eólicas, que baratearam 50%.
Há, contudo, um problema: tanto a energia solar quanto a eólica são modulares, ou seja, não geram eletricidade o tempo todo. A solução buscada pelos cientistas é armazenar tais tipos de energia em baterias; o entrave está no custo desses equipamentos — o mesmo que ainda continua impedindo a popularização dos veículos puramente elétricos. Um estudo publicado pela consultoria Bloomberg New Energy Finance prevê que até 2050 as tecnologias terão reduzido drasticamente o custo das baterias de lítio. “Se conseguirmos uma forma economicamente viável de armazenar energia, as fontes solar e eólica vão se tornar complementares e terão potencial para substituir o carvão e o gás natural”, afirma Daniel Rossi, fundador da consultoria Capitale Energia, de São Paulo. Estima-se que, em 2050, as geradoras movidas a vento e a sol serão responsáveis pela produção de metade da energia mundial, e só 29% serão provenientes de combustíveis fósseis.
O setor de transporte de cargas também poderá sofrer uma revolução devido ao uso de caminhões e navios autônomos, movidos a eletricidade em vez de diesel. O país terá a chance, assim, de dar um salto geracional na sua antiquada infraestrutura, adotando novas tecnologias ao mesmo tempo em que as reconcilia com a necessária expansão da malha de transporte. Além do investimento nas ferrovias, sobretudo nas novas rotas de escoamento da produção agrícola pelos portos da Região Norte, o Brasil deverá explorar mais decisivamente o potencial do transporte marítimo e fluvial. O país tem 42 000 quilômetros de rios navegáveis, muitos deles em regiões em que o transporte rodoviário é precário e onde não há malha ferroviária. Hoje, o transporte hidroviário corresponde a apenas 13% da movimentação de cargas no país. Na China, com 110 000 quilômetros de vias navegáveis, os barcos e navios respondem por mais da metade do transporte de cargas. “A Região Norte do Brasil, produtora de grãos, é abundante em rios. Não faz sentido transportar soja do Pará para o Porto de Santos somente por rodovias. Isso significa percorrer uma ponta a outra do país da forma mais difícil e cara”, analisa Maria Fernanda Hijjar, sócia do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos).
Para sair do precário estágio em que se encontra, a infraestrutura brasileira precisará de investimentos vultosos. O governo, premido pela crise fiscal e pela dívida pública elevada, não terá condições de executar sozinho essa empreitada. Já passou a hora de o país criar um ambiente propício aos investimentos privados, com regras claras e confiáveis. O futuro não poderá repetir o passado recente, quando as grandes obras serviram de mera justificativa para alimentar as engrenagens da corrupção — hoje totalmente escancaradas.
Publicado em VEJA de 8 de agosto de 2018, edição nº 2594