Baixa do euro em relação ao dólar traz efeitos preocupantes para o Brasil
A queda do valor da moeda comum europeia está relacionada a um emaranhado de sinalizações pessimistas que indicam problemas para a economia global
Para os usuários mais assíduos do Instagram, tem sido difícil escapar nas últimas semanas das fotografias publicadas por amigos ou influencers em férias na Europa. O momento final da pandemia, que deixou reclusas por meses pessoas em todo o mundo, combinado com o verão no Velho Continente parece ter atraído cada brasileiro que contava com recursos financeiros e tempo para poder usufruir das delícias de Portugal, Espanha, França, Itália e até das Ilhas Gregas. Por coincidência, tamanha euforia casou, neste mês, com um evento inédito. No dia 12 de julho, o euro alcançou a paridade com o dólar pela primeira vez desde o início da circulação da moeda comum europeia, em 2002, e há quem acredite que possa baixar até para a casa do 0,90 centavo de dólar nos próximos meses.
A notícia foi celebrada pelos turistas do momento ou por quem planeja uma viagem à Europa. Mas não deveria ser motivo de comemoração. A queda do valor da moeda comum europeia está relacionada a um emaranhado de sinalizações pessimistas que indicam problemas para a economia global, e em especial para a brasileira. Trata-se de um forte indício de que o mundo deve enfrentar um processo praticamente inexorável de desaceleração econômica e um dólar mais valorizado. Ou seja, será mais difícil para todos ganharem dinheiro — e, consequentemente, acumular divisas para viajar.
Para piorar, o cenário ainda pode resultar em inflação maior aqui no Brasil, o que obriga os juros locais, atualmente em 13,25%, a serem mantidos nas alturas. O fenômeno da desvalorização do euro está diretamente ligado ao aumento dos juros do outro lado do Atlântico. Em março, os Estados Unidos elevaram sua taxa para conter a inflação, o que atraiu uma revoada de recursos para o país e levou a uma desvalorização acumulada de 10% do euro frente ao dólar no ano. O índice DXY, que mede a moeda americana em relação a uma cesta de divisas fortes, acumula alta de 15% em 2022. Com o euro e o iene japonês enfraquecidos ante o dólar, é de se esperar que seja bastante difícil a tarefa de qualquer outra moeda rivalizar com a principal do mundo num momento em que investidores buscam ativos seguros para enfrentar as instabilidades globais. Na quinta-feira 21, o Banco Central Europeu, em um movimento que não se via em mais de uma década, elevou os juros em 0,5 ponto porcentual, para contrabalançar a escalada dos índices americanos e conter a alta dos preços que avança pelo continente.
A preocupação é maior nos países emergentes, como o Brasil. O Instituto Internacional de Finanças calcula em 40 bilhões de dólares a fuga de capital estrangeiro desses mercados nos últimos quatro meses. Não bastasse isso, no caso brasileiro as incertezas políticas e as fragilidades fiscais do governo aumentam o risco, um fator a mais para a desvalorização do real. A moeda brasileira chegou a ganhar força frente ao dólar no primeiro trimestre do ano com o aumento do preço das commodities, decorrente da guerra na Ucrânia, mas o efeito foi revertido com os temores de uma recessão global. Os riscos com isso são diversos. Na terça-feira 19, a Petrobras anunciou uma redução no preço de venda da gasolina nas refinarias, justificada pela estabilização da cotação internacional do petróleo. A notícia foi comemorada pelo governo de Jair Bolsonaro, uma vez que a medida, associada ao pacote de corte de impostos aprovado no Congresso, deve ajudar o país a ter deflação nos próximos meses. Mas, com o dólar pressionando, o alívio pode ser passageiro. “Mesmo com a queda o preço segue alto no mercado nacional por causa do efeito do dólar”, explica o economista Mario Rubens de Mello Neto, da Fundação Getulio Vargas, lembrando que os preços da Petrobras são ancorados na moeda americana. Além disso, o dólar alto afeta produtos importados e outros que seguem a cotação internacional, como parte dos alimentos. Muitos economistas defendem que não existe fator mais relevante para as altas de preços no Brasil que um dólar forte. Neste cenário, o euro barato não é uma boa notícia. Nem mesmo para os brasileiros em férias.
Publicado em VEJA de 27 de julho de 2022, edição nº 2799