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De cotas a maioridade penal, agenda conservadora ganha força com Bolsonaro

Presidente e parlamentares eleitos pelo PSL devem iniciar processo de revisão de medidas 'progressistas' adotadas no Brasil nas últimas décadas

Por Guilherme Venaglia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h31 - Publicado em 2 nov 2018, 07h00
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  • A eleição do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) para a Presidência da República, confirmada pelos votos de mais de 57 milhões de brasileiros no último dia 28, pode representar mais do que apenas uma troca do governo de plantão no Palácio do Planalto durante quatro anos.

    Aliados do capitão da reserva protagonizam em boa parte não só um grupo político, mas também um movimento conservador, que se apresenta como a ruptura de uma política progressista que, dizem, subverteu valores morais e a condução das políticas públicas no Brasil nas últimas décadas. O próprio Bolsonaro, em um discurso, chegou a falar em fazer que seu objetivo era fazer o país voltar a ser o que “era há 40, 50 anos”.

    Essa agenda conservadora que deve avançar durante os próximos meses, impulsionada pela expressiva votação do presidente eleito e por uma sólida bancada de parlamentares eleita pelo partido dele, o PSL, inclui sobretudo temas que podem ser divididos em três grandes áreas: segurança pública e direitos humanos; os costumes sociais, aí incluídos educação, cultura e direitos de minorias; e a questão ambiental, seus conflitos com o setor agropecuário e as populações tradicionais.

    Abaixo, VEJA agrupa em treze temas, as ideias que devem avançar. A imensa maioria destas depende de aprovação do Congresso Nacional por maiorias, exigindo a adesão de políticos representantes de diversos segmentos. Por vezes, Bolsonaro indicou que deve recorrer às bancadas setoriais, interessado que um lave a mão do outro e os dois lavem as suas: ruralistas votam projeto de interesse dos evangélicos e vejam uma de suas propostas apoiada por estes. Para completar, de quebra os dois provam medidas econômicas impopulares, como a reforma da Previdência.

    Uma segunda barreira que o presidente eleito deve enfrentar é o Supremo Tribunal Federal (STF). Várias das propostas e declarações feitas atravessam entendimentos firmados na Corte, enquanto outras são alvo de controvérsia no meio jurídico, em especial as que tratam do combate ao crime. Caminhamos para ver se tornar ainda mais concreto o processo identificado nos últimos anos, com os lados derrotados de votações no Legislativo contestando judicialmente projetos aprovados, instando o Supremo a dar várias das palavras finais sobre os temas.

    Segurança e criminalidade

    Uma frase que sintetiza o pensamento de Bolsonaro em relação aos limites entre as garantias individuais e o combate ao crime seria o que ele chama de defesa dos direitos humanos para “humanos direitos”. Os direitos fundamentais são cláusulas pétreas, que não podem ser modificadas, e portanto não é possível fazer com que determinadas pessoas “não tenham direitos”. No entanto, o presidente eleito projeta algumas ideias que, se implementadas, confeririam mais poder às polícias para matar potenciais criminosos e para promover a autodefesa.

    Posse e porte de armas

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    O que Bolsonaro defende: Inverter a lógica que vigora no Brasil desde o Estatuto do Desarmamento. Ao invés de exigir em primeiro lugar a justificativa da necessidade desse porte, a legislação deveria, na visão do presidente eleito, garantir a posse e o porte de armas como direitos do cidadão

    O que pode mudar? Não seria mais exigida uma justificativa a ser aprovada pela Polícia Federal, a posse de armas poderia ocorrer a partir dos 21 anos (e não mais dos 25) e pessoas que respondem a processos criminais também estariam incluídas. A restrição se limitaria aos já condenados. Já em relação ao porte de armas, hoje permitido apenas a agentes de segurança e em casos excepcionais, passaria a ser permitido a todos que possam comprar armas, com a única ponderação de veto até os 24 anos.

    Como pode acontecer? Revogar ou flexibilizar o Estatuto por meio de um projeto de lei. As mudanças que constam no segundo item são as previstas no projeto aprovado por uma comissão especial da Câmara. Jair Bolsonaro já disse que gostaria de ver o projeto aprovado ainda neste ano. A maior resistência é em relação ao porte. A proposta precisa ser votada no plenário da Câmara, tramitar no Senado e ser sancionada.


    Excludente de ilicitude

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    O que Bolsonaro defende? O presidente eleito entende que há uma excessiva proteção da vida do suspeito em detrimento à vida do agente de segurança que, em confronto policial, é impedido de reagir com o uso da força em caso de resistência. Para reverter isso, acredita, o agente que executar um potencial criminoso em conflito deveria ser dispensado de responder a processo por isso e de eventual punição.

    O que pode mudar? Se aprovado em toda a sua extensão, policiais que executarem suspeitos durante ações policiais deveriam registrar o chamado “auto de resistência”, mas não seriam processados nem responsabilizados por essas mortes. No entanto, já se avaliou uma forma mais branda, em que o processo ainda correria, mas apenas para checagem da versão do policial, que confirmada acarretaria na absolvição e em que seria dispensada a apresentação de testemunhas.

    Como pode acontecer? O presidente eleito não especificou isso até o momento, mas a expectativa é que da mesma forma que seu filho, o deputado reeleito Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), tentou em 2015: a apresentação de um projeto de lei que altere o trecho do Código de Processo Penal (CPP) que prevê a existência de um “excludente de ilicitude”, hoje aplicado em situações extremas, como quando um cidadão comete um homicídio em legítima defesa. Para começar a valer, ou o projeto de Eduardo, anexado a um outro sobre segurança pública, deve ser “ressuscitado” e a ter tramitação independente ou a apresentação de um novo projeto. Ambos precisarão ser aprovados na Câmara, no Senado e serem sancionados.


    Audiência de custódia, saída temporária e auxílio-reclusão para presos

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    O que Bolsonaro defende? Ele acredita que há um excesso em direitos garantidos a presos e que isso compromete a segurança da sociedade, bem como a moralidade em relação à justiça para as vítimas. Para isso, gostaria de acabar com as audiências de custódia, realizadas por um juiz em até 24 horas do flagrante, das “saidinhas”, as saídas temporárias de presos em determinadas datas, e transferir os recursos gastos com o auxílio-reclusão para a indenização das famílias das vítimas.

    O que pode mudar? Um preso em flagrante por um pequeno delito, como furto, não teria mais a oportunidade de encontrar com um juiz em até 24 horas, explicar a sua situação e eventualmente ser liberado para responder em liberdade. Os presos deixariam de sair da prisão em datas pré-estabelecidas para cumprir integralmente as penas dentro do sistema prisional. As famílias de presos pobres e que contribuem para o INSS deixariam de receber o auxílio-reclusão, que seria destinado às vítimas.

    Como pode acontecer?

    A) Audiência de custódia: Determinadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), as audiências de custódia foram aprovadas pelo Senado e, neste momento, tramitam dentro da reforma do Código de Processo Penal (CPP) na Câmara, com relatório favorável à inclusão na lei. A base do governo eleito precisará, a partir da votação do novo CPP, obter maioria para inverter essa questão dentro da reforma, que ainda precisa ser votada pelo Senado. Uma barreira possível foi a citada pelo relator, João Campos (PRB-GO), ao negar uma emenda nesse sentido, a de que o Brasil é signatário de acordos que preveem esse tipo de mecanismo.

    B) Saídas temporárias: Apresentando projeto de lei ou aprovando um que já esteja em tramitação, na Câmara e no Senado, reformando a Lei de Execução Penal.

    C) Auxílio-reclusão: Por se tratar de algo previsto na Constituição, será preciso aprovar uma emenda, que exige adesão de três quintos da Câmara e do Senado.

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    Maioridade penal

    O que Bolsonaro defende? A redução da idade em que jovens e adolescentes podem responder criminalmente por atos cometidos. O presidente eleito já defendeu que esta idade, hoje de 18 anos, fosse para até 14 anos, mas concordou em discutir a mudança para 16 ou 17.

    O que pode mudar? Seria criada uma faixa intermediária, entre 16 e 17 anos, em que o jovem que cometesse crimes considerados graves (homicídio, roubo agravado, entre outros) seria julgado pelos mesmos critérios dos maiores de idade, mas até atingir os 18 anos ficaria preso separado dos mais velhos.

    Como pode acontecer? Aprovando uma emenda à Constituição (PEC), com voto de três quintos dos parlamentares. A proposta já foi aprovada na Câmara em 2016, agora tramita em comissões do Senado.

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    Movimentos sociais de moradia

    O que Bolsonaro defende? O enquadramento, na Lei Antiterrorismo, de movimentos sociais que, na visão dele, ameacem direitos como a propriedade privada. Poderia ser o caso, em tese, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

    O que pode mudar? Criada para coibir organizações terroristas durante os Jogos Olímpicos de 2016, a Lei Antiterrorismo pode mudar para retirar a ressalva de que movimentos sociais não podem ser enquadrados, reforçando a punição por depredação e invasão.

    Como pode acontecer? Aprovando um projeto de lei, no Senado, onde tramita primeiro, e posteriormente, na Câmara dos Deputados. Por maioria simples.


    Costumes, educação, diversidade e cultura

    Na área de valores morais, existe uma identificação grande do presidente eleito com a defesa de valores cristãos, em especial da chamada “família tradicional”, a formada por marido, esposa e filhos. Outra preocupação grande do futuro chefe de governo é com a questão da educação. Ele já defendeu diversas vezes o projeto Escola Sem Partido, que combateria a doutrinação ideológica em sala de aula, e a retomada de disciplinas que vigoraram durante a ditadura militar, como a Educação Moral e Cívica e a Organização Social e Política Brasileira (OSPB). O parlamentar também já se colocou contrário ao aborto.

    Casamento entre homossexuais

    O que Bolsonaro defende? Ele já criticou diversas vezes o casamento gay, considerando ser esta uma instituição entre um homem e uma mulher. No entanto, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com base em decisão do STF, obriga os cartórios brasileiros a reconhecerem uniões do tipo.

    O que pode mudar? A decisão do CNJ pode perder validade em caso de medida do Congresso.

    Como pode acontecer? A mudança pode ocorrer se aprovado um projeto de lei que vede explicitamente a união civil entre dois homens ou duas mulheres. Um exemplo é o Estatuto da Família, aprovado pela Câmara e atualmente parado no Senado.


    Aborto

    O que Bolsonaro defende? O presidente eleito nunca afirmou explicitamente se seria a favor de restringir o aborto mesmo nos casos atualmente previstos em lei, como estupro, risco de vida da mãe ou anencefalia. Mas já fez diversos discursos contra uma liberação maior e assinou compromissos com entidades religiosas interessadas na questão.

    O que pode mudar? O direito à vida do chamado “nascituro”, o feto gestado pela mãe, pode se sobrepor às demais questões e incorrer na proibição do aborto em qualquer situação.

    Como pode acontecer? Em caso de aprovação de emenda à Constituição, a exemplo do Estatuto do Nascituro, que já tramita no Congresso.


    “Escola Sem Partido”

    O que Bolsonaro defende? A proibição do que chama de “doutrinação” por parte de professores em sala de aula, em especial no que diz respeito a posições de esquerda e a “ideologia de gênero”, termo que identifica as discussões sobre identidade de gênero e transsexualidade.

    O que pode mudar? Pode ser adotado um mecanismo para que professores estejam limitados a lecionar conteúdos de forma objetiva, sem manifestações que possam ser interpretadas com indução dos alunos a um pensamento, com a adoção de punições e sanções em caso de descumprimento da regra.

    Como pode acontecer? Por meio de projeto de lei, que modifique a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da educação brasileira.


    Novas disciplinas

    O que Bolsonaro defende? Ele já propôs a retomada de disciplinas que vigoraram durante a ditadura militar brasileira, a Educação Moral e Cívica e a Organização Social e Política Brasileira (OSPB). Na época, as disciplinas eram consideradas uma forma de o Estado influir na formação moral e de valores dos jovens brasileiros.

    O que pode mudar? As escolas poderiam ter de voltar a ensinar essas disciplinas. Não foi especificado como o conteúdo seria definido.

    Como pode mudar? A partir de aprovação de um projeto de lei. As disciplinas, no entanto, também precisam ser referendadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).


    Menos (ou nenhuma) cotas raciais

    O que Bolsonaro defende? Ele já propôs o fim das cotas raciais, mas, em entrevistas mais recentes, substituiu a ideia por uma redução dos percentuais, que hoje são de 50% nas universidades federais.

    O que pode mudar? Uma redução na reserva de vagas para pessoas negras em universidades federais e concursos públicos. Nos estados, apenas se os governadores e deputados estaduais empreenderem esforço semelhante.

    Como pode mudar? Pela aprovação de um projeto de lei, com maioria simples, na Câmara e no Senado.


    Lei Rouanet

    O que Bolsonaro defende? Mudar o critério da Lei Rouanet, de incentivo à cultura, para que esta não beneficie mais artistas com longa trajetória, mas sim os em início de carreira.

    O que pode mudar? Os critérios para a aprovação de projetos pela Lei Rouanet, privilegiando novatos.

    Como pode mudar? Por decisão direta do ministro da Educação, que passará a comandar a área da Cultura no governo Bolsonaro.


    Meio ambiente e indígenas

    Nesta área, a proposta mais discutida é a dúvida sobre uma possível incorporação do Ministério do Meio Ambiente pela pasta da Agricultura, o que perdeu força nos últimos dias e deve deixar a pauta do governo eleito. Em relação a demarcação de terras das populações tradicionais, indígenas e quilombolas, a sua pauta inclui a estagnação e até a reversão desse processo, com abertura para a exploração econômica.


    Questões de clima

    O que Bolsonaro defende? O presidente eleito propõe uma relação diferente com a preservação do Meio Ambiente, facilitando a concessão de licenças ambientais como forma de estimular o agronegócio. Ele já propôs retirar o Brasil do Acordo de Paris, contra a emissão de gases poluentes, mas voltou atrás. Também se colocava a favor de uma fusão entre as pastas da Agricultura e do Meio Ambiente, mas a ideia perdeu força nos últimos dias.

    O que pode mudar? Os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente funcionarem como uma única pasta, com um único ministro respondendo por ambas.

    Como pode mudar? A partir de uma medida provisória assinada por Bolsonaro, que tem validade imediata mas posteriormente precisa ser confirmada pelo Congresso Nacional


    Terras indígenas

    O que Bolsonaro defende? A não-demarcação de novas áreas para populações tradicionais, indígenas e quilombolas, assim como a autorização para a exploração econômica de áreas já demarcadas.

    O que pode mudar? Não demarcar novas terras e permissão para exploração econômica (hidrelétricas, estradas e ferrovias, por exemplo) nas já reconhecidas pelo governo federal.

    Como pode mudar? Demarcar ou não é prerrogativa do presidente da República, logo basta que Bolsonaro queira. Permitir a exploração econômica depende do apoio de três quintos do Congresso, por meio de emenda á Constituição.

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