Como governo Lula e oposição levam debate sobre segurança para o palanque
É o tipo de embate que costuma não levar a lugar algum, servindo apenas para alimentar discursos às vésperas de um processo eleitoral
Em tempos de polarização e irracionalidade, as reações após a operação policial desencadeada contra o Comando Vermelho no Rio Janeiro não surpreenderam. A direita celebrou a incursão nas favelas dominadas pela facção como uma demonstração de força e disposição do governo fluminense para enfrentar o crime organizado. A esquerda, comovida com o número de mortos, condenou a ação, resumida por deputados, senadores e até pelo presidente da República como um ato de extermínio. Embora compreensível, é o tipo de embate que costuma não levar a lugar algum, servindo apenas para alimentar discursos às vésperas de um processo eleitoral. A situação de descalabro do Rio, problema que não é de hoje, está longe de ser uma exceção no país. Diante do nível absurdo de violência que atinge vários estados, o mínimo que o cidadão espera das autoridades são atitudes mais efetivas para combater a escalada da violência. A insegurança é a preocupação número 1 dos brasileiros no momento, o tema que estará presente nos palanques em 2026 e sobre o qual os candidatos serão confrontados, o que explica muito do que se viu depois da investida nos territórios dominados pelos fora da lei.
Faltando menos de um ano para a próxima disputa eleitoral, políticos transformaram a operação numa frente de batalha política. O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), aproveitou a maior visibilidade desde que assumiu a função para elogiar o comportamento de sua própria força policial e criticar uma suposta omissão do governo federal — e, diante da repercussão positiva da incursão junto à população, prometeu levar a cabo novas ações contra as facções. Na segunda-feira 3, ele ainda recebeu o ministro Alexandre de Moraes, relator de um processo que restringiu as operações policiais em favelas, e garantiu que a ação de sua polícia seguiu todos os regramentos impostos pelo Supremo Tribunal Federal.
Dias antes, governadores de direita foram ao Rio e anunciaram a criação de um “consórcio da paz”, um grupo destinado a combater o crime organizado, embora nenhum deles — Tarcísio de Freitas (SP), Ronaldo Caiado (GO), Romeu Zema (MG), Jorginho Mello (SC), Celina Leão (vice do DF) e Eduardo Riedel (MS) — tenha explicado exatamente como isso será feito. Ausente na foto, o governador de São Paulo participou por meio de uma videoconferência, ocasião em que saudou a ação e cutucou o presidente Lula, que havia afirmado antes da operação que traficantes são vítimas de usuários de drogas (ele se corrigiu depois da gafe, mas a fala segue sendo explorada à exaustão pelos adversários). “Não dá mais para tratar o criminoso como vítima. Criminoso não é vítima, o criminoso faz vítimas, tem aterrorizado os cidadãos de bem, cidadãos que o estado precisa proteger. Não agir seria covardia, seria rendição, e o estado do Rio de Janeiro agiu muito bem”, afirmou Tarcísio de Freitas, apontado como o adversário mais competitivo da oposição numa eventual disputa pelo Palácio do Planalto.
Sem ter o que apresentar na área de segurança, o governo federal também pegou carona na operação do Rio, mas em sentido oposto. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, rebateu acusações do governador Cláudio Castro sobre a falta de cooperação do governo federal, afirmou que não foi avisado da operação e disse que o presidente da República estava “estarrecido” com o número de mortes. O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Guilherme Boulos, pediu um minuto de silêncio “por todas as vítimas” da operação, colocando na mesma balança policiais e bandidos. A Secretaria de Comunicação Social da Presidência divulgou um vídeo em que defendeu que o combate ao crime precisa “de mais inteligência e menos sangue” — com um impulsionamento pago, a publicação alcançou mais de 100 milhões de visualizações.
O presidente Lula, por sua vez, optou, inicialmente, pelo silêncio — não por convicção, mas por mero cálculo político. Uma pesquisa da AtlasIntel mostrou que 55% dos brasileiros aprovaram a ação, considerada a mais letal da história. Entre os moradores das favelas cariocas, a aprovação chegou a 87%. Um levantamento feito pela empresa Brandwatch nas redes sociais mostrou que 69% dos comentários e compartilhamentos sobre a operação policial eram desfavoráveis ao presidente. A crítica mais comum foi a de que o governo seria conivente com o crime (34%). Cobrado, Lula se pronunciou formalmente uma semana depois.
Em Belém, onde acontece a COP30, o presidente criticou a operação, colocou sob suspeita as conclusões da polícia do Rio de Janeiro e insinuou que teria havido uma chacina e não um confronto com os traficantes. “Vamos ver se a gente consegue fazer essa investigação, porque a decisão do juiz era uma ordem de prisão. Não tinha uma ordem de matança, e houve a matança. Acho bom especificar em que condições ela se deu”, afirmou.
A fala do presidente aconteceu no mesmo dia em que o Senado instalou a CPI do Crime Organizado. A criação do colegiado foi proposta em fevereiro, o ato foi formalizado em plenário em junho e, desde então, os partidos resistiam a indicar os membros. A segurança pública nunca foi prioridade para a maioria dos parlamentares. Mas agora surge um palco que pode dar extrema visibilidade ao tema. Há muito, as CPIs têm se resumido à espetacularização, à promoção pessoal de alguns parlamentares, a uma mera disputa política que não produz resultados práticos.
A investigação da nova comissão será comandada pelo senador Fabiano Contarato (PT-ES) e terá a relatoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE) — delegados de polícia, os dois têm um perfil moderado e bom trânsito entre governistas e oposicionistas. “Recentemente, eu e os senadores Contarato e Flávio Bolsonaro nos unimos para aprovar um projeto que endurece o tratamento do adolescente infrator. Esse assunto é um tabu, nós somos de partidos diferentes e a aprovação mostra que o consenso político é possível. Por enquanto, o palanque será deixado de lado”, promete o relator. Um dos primeiros atos da comissão será ouvir governadores dos estados mais e menos seguros, além daqueles que são apontados como berços das principais facções — São Paulo e Rio de Janeiro. De fora da lista inicial, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), que deve concorrer à Presidência no ano que vem, entrou em contato com a cúpula do colegiado pedindo para também participar das oitivas — uma das principais bandeiras de campanha dele será justamente a segurança pública. A CPI, é claro, seria um enorme holofote nacional.
Três dias após a operação policial no Rio, o governo também encaminhou ao Congresso o chamado PL Antifacção, que prevê pena de até trinta anos para quem liderar organização criminosa. A medida, apresentada pelo ministro da Justiça como um “combate enérgico” à criminalidade, inova ao trazer regramentos sobre a infiltração nas organizações criminosas e prever a asfixia de sistemas financeiros usados para a lavagem de dinheiro. “O projeto dificulta a progressão das penas, endurece alguns conceitos e rompe com aquela visão idealista, que a esquerda tem, de que só a questão social é que gera bandido — e não é. Considero um avanço e uma oportunidade”, afirma Raul Jungmann, ex-ministro da Segurança Pública do governo de Michel Temer. Até o fim do ano, o Congresso também deve se debruçar sobre esse e outros projetos relativos à segurança pública, como o que enquadra as facções criminosas na Lei Antiterrorismo — medida que gera controvérsia e tem mobilizado o governo, que é contra o texto por considerar que ele pode dar margem para algum tipo de intervenção externa.
O autor do projeto, deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), ressalta que as facções atravessam a fronteira do crime comum. Um dos membros da CPI recém-criada, o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) já foi alvo de um plano de sequestro e assassinato orquestrado pelo PCC, conforme revelou VEJA em 2023. A Polícia Federal descobriu a trama e prendeu os criminosos, que já haviam alugado o cativeiro e preparado bombas para um ataque que tinha entre os alvos autoridades de Brasília. “Nós estamos ameaçados de perder a soberania não para uma nação estrangeira, mas para o crime organizado”, afirma Danilo Forte. Exageros à parte, governo, Congresso e Judiciário têm uma rara oportunidade de ajustar os ponteiros da sensatez e apresentar respostas capazes de mitigar a grave e constrangedora situação em que se encontra a segurança pública brasileira.
Publicado em VEJA de 7 de novembro de 2025, edição nº 2969
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