Em geral, governantes têm dificuldade para reconhecer os próprios erros. Em seu terceiro mandato na Presidência, Lula honra essa regra como poucos. Até petistas gostam de ironizar a suposta fama de infalível do chefe. Eles dizem que, se algo dá errado no governo, a culpa é de algum ministro ou assessor. Jamais do mandatário. Se uma situação foge do controle, a responsabilidade tem que ser de adversários, sabotadores e até da mãe natureza.
Como mostra uma reportagem da nova edição de VEJA, o governo não tinha plano de contingência, política de prevenção e orçamento para evitar e combater a devastação provocada pela seca e os incêndios no país. Na reunião com representantes dos Três Poderes, Lula até admitiu que “a gente não estava 100% preparado” para lidar com a situação, mas preferiu reforçar a suspeita de que há uma atuação coordenada de criminosos para desgastar a sua administração. Uma sabotagem de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, insinuou o petista.
Cortina de fumaça
O presidente é conhecido pelo hábito de tentar terceirizar responsabilidades. Além de apontar o dedo para bolsonaristas, auxiliares dele têm reclamado dos governadores, que teriam incorrido no pecado da omissão. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, por exemplo, declarou que estados demoraram a proibir o uso controlado do fogo a fim de evitar a propagação de incêndios. A própria convocação de uma reunião com representantes dos Três Poderes foi uma forma de Lula tentar diluir os prejuízos de imagem.
Os danos são consideráveis. Segundo pesquisa do Ipec, a avaliação do governo continua estável, com 35% de “ótimo e bom” e 34% de “ruim e péssimo”. Uma análise setor por setor, no entanto, revela que a desaprovação registrou o maior salto justamente no quesito meio ambiente. O total de “ruim e péssimo”, que era de 33% em abril, passou para 44%, puxado principalmente pelos entrevistados das regiões Norte e Centro-Oeste, onde estão localizados a Amazônia e o Pantanal.
Diante do desgaste, o presidente anunciou a liberação de pouco mais de 500 milhões de reais para o combate às queimadas e medidas destinadas a simplificar a liberação de recursos do chamado Fundo Amazônia, que recebe doações internacionais
Fogo amigo
Na reunião dos Três Poderes, Marina elogiou o presidente, afirmando que ele recompôs o orçamento e uma série de atribuições da pasta, mas ressaltou com cuidado o que o governo ainda não fez. A ministra defendeu a implantação de um plano de prevenção e combate a eventos climáticos severos, que está parado na Casa Civil. Se adotado, poderia ter, segundo ela, o mesmo efeito do plano de combate ao desmatamento, que teria reduzido esse indicador pela metade entre 2022 e 2023.
Marina também mencionou a criação da Autoridade Climática, que funcionaria de forma autônoma e perseguiria objetivos específicos, como ocorre com o Banco Central. Na última campanha presidencial, Lula prometeu implantar a Autoridade Climática, mas a ideia foi abandonada porque nichos da burocracia não querem perder poder e também por enfrentar a resistência de setores do agronegócio influentes no Congresso. Agora, para apagar o incêndio, o presidente parece propenso a abraçar a ideia.