O general da reserva Marcos Antonio Amaro estava voltando de viagem no fim de abril do ano passado quando recebeu uma ligação de um assessor de Lula pedindo que ele comparecesse ao Palácio do Planalto. “Quando?”, perguntou. “Agora”, respondeu o funcionário. Numa breve conversa com o presidente, recebeu o convite para assumir o Gabinete de Segurança Institucional. A turbulência do momento explicava a pressa. O órgão estava sendo comandado por um ministro interino e seu antecessor, o general Gonçalves Dias, havia sido afastado após aparecer em imagens dentro do Planalto durante os ataques de 8 de janeiro. Naquele domingo, os militares do órgão responsável pela segurança da sede presidencial sofreram um apagão de inteligência, estavam em um contingente mínimo, que impedia qualquer reação à turba que quebrava os vidros e invadia o edifício, e alguns chegaram até a demonstrar certa simpatia pelos vândalos, entoando coros e orações ao lado deles. As cenas aumentaram o clima de desconfiança com os militares, e aliados do presidente o pressionavam para que um civil assumisse a função. Lula, porém, optou por escolher o general, ex-chefe da segurança da ex-presidente Dilma Rousseff. Um ano depois, Amaro, o único militar no primeiro escalão do governo, fala das mudanças implantadas para reforçar a segurança do Planalto, afirma que não houve tentativa de golpe por parte das Forças Armadas e garante que a relação do governo com os quartéis está normalizada. Em entrevista a VEJA, ele ressalta que o desafio do momento é a segurança cibernética.
O senhor assumiu o cargo num momento de turbulência. O que foi mais complexo entre as suas missões? Foi realmente superar aquele momento. Existia, e a gente percebia, ainda uma certa desconfiança em relação ao que tinha acontecido com o GSI no 8 de Janeiro. Mas buscamos focar as nossas atividades no gabinete, que não é só segurança. Estamos à frente de iniciativas que são até pouco conhecidas, como a Política Nacional de Fronteiras, a Política Nacional de Cibersegurança e em breve será implantado um Comitê Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas. Ou seja, são iniciativas que têm repercussão relevante para o país e que fogem daquele problema do 8 de Janeiro.
Quais mudanças foram implementadas para reforçar a segurança do Palácio do Planalto? Estão acontecendo neste momento obras de instalação de câmeras. Nós tínhamos 64 câmeras até o dia 8 de janeiro em todo o conjunto da Presidência. Agora serão instaladas 708. Já trocamos o sistema de monitoramento. Então, caso ocorra algum evento — e eu tenho certeza de que não vai acontecer nada semelhante ao 8 de Janeiro aqui —, as imagens ficariam registradas com uma nitidez melhor e por um tempo bem maior. Também está em andamento a blindagem dos vidros do piso térreo. Isso evitaria desde que se quebrem os vidros até tiros. Também vamos colocar fora do Palácio do Planalto um equipamento de raio x. Em 2011, uma pessoa ingressou aqui, sacou uma arma e apontou na cabeça dizendo que ia se suicidar se não conseguisse falar com a presidente da República. Eu fui lá, passei uns trinta minutos conversando e ela me entregou o armamento. A pessoa chegou a ingressar no Palácio portando uma arma. Isso não pode acontecer.
“Os prejuízos provocados pelos ataques cibernéticos são incalculáveis, absurdamente grandes. Se os criminosos fossem um país ou uma nação, seriam a terceira maior economia do planeta”
De onde vem a certeza de que não haverá outro 8 de Janeiro? Há um excesso de retórica aí. Mas eu não visualizo a possibilidade de que isso ocorra num horizonte temporal razoável. Especialmente pelas medidas que temos adotado e pelas repercussões do caso, da persecução criminal que está sendo conduzida contra os autores das depredações. Ou seja, ficou bastante caracterizado que esse tipo de atitude não será tolerado e terá repercussões muito sérias, gerando um efeito pedagógico, sem dúvidas. E também porque estamos sendo bastante cuidadosos. Antes, um efetivo mínimo que vinha para cá em caso de manifestação em nível amarelo era de um pelotão, 35 homens. Hoje o número mínimo, em qualquer situação que exija alguma atenção, é de uma companhia, ou seja, 120 homens reforçando a segurança que já existe. E, se há manifestação com qualquer sinal a mais, em termos de volume de pessoas ou intenções gravíssimas, esse efetivo vai aumentando até dois batalhões — chega a 600, 700 pessoas.
No 8 de Janeiro, houve militares que cantaram, rezaram e confraternizaram com os manifestantes. Alguma punição foi aplicada? O GSI abriu uma sindicância para apurar os fatos. Esse procedimento não investiga nem estabelece o contraditório. Ele ouve pessoas e testemunhas para esclarecer os fatos. Terminada a sindicância investigativa, o resultado foi encaminhado ao Supremo Tribunal Federal para que a persecução criminal seja conduzida pelo próprio STF. Ademais, as pessoas que estiveram aqui naquele momento e foram ouvidas não mais se encontravam no GSI quando a sindicância tinha terminado. Foram exoneradas. Não tem pessoas investigadas, tem fatos investigados e pessoas ouvidas como testemunhas, e não caberia ao GSI aplicar punições às pessoas que já não se encontravam no GSI. Cabe agora ao STF decidir se aplicará sanções a quem cometeu crime.
A transferência da Abin do GSI para a Casa Civil representou algum prejuízo? Seria bom que a Abin estivesse no GSI. Mas o que importa mesmo é que o fluxo de conhecimento necessário às atividades continue existindo, e isso tem acontecido. Há o fluxo corrente, e também a nossa própria demanda, e a Abin nos atende. Acho que estando presente diariamente, digamos que eu tenha o chefe da Abin numa sala aqui do lado, eu poderia ter contato com ele, seria uma coisa mais facilitada para o nosso trabalho. Mas o fluxo de conhecimento necessário às atividades do GSI tem nos atendido.
Militares estão sendo investigados por uma suposta tentativa de golpe. O senhor, assim como alguns ministros do governo, acredita que houve uma intenção golpista das Forças Armadas? Se houve intenção de militares, foram coisas isoladas, pessoais, mas nunca da instituição. Com certeza, nunca. Eu participei do Alto Comando, presidi o Estado-Maior do Exército e, como instituição, o Exército nunca teve intenção. Nenhum militar saiu de dentro de qualquer unidade do Exército para bater palma pelo 8 de Janeiro. Nenhum. Agora, se alguém tinha simpatia, é uma questão pessoal que está sendo apurada.
Como o senhor avalia a atual relação entre o governo e os militares? Muito boa. O presidente tem comparecido a todos os eventos e demonstrado satisfação em estar presente. Nós vimos, por exemplo, o lançamento do submarino ao mar, e foi um ambiente festivo. Nós vimos a visita do presidente ao Instituto Tecnológico da Aeronáutica, também um ambiente com muita alegria. Teve a participação do presidente no ato do Dia do Exército, além de outros eventos. Acho que está totalmente normalizada. Há uma relação de respeito e subordinação ao presidente da República, que é o comandante supremo das Forças Armadas, e não poderia ser diferente. A segurança tem de ser impessoal. Seja o presidente de um partido ou de outro partido, o agente que vai servi-lo vai se postar na frente para tomar um tiro no lugar da autoridade, se necessário for.
Hoje, qual o grau de preocupação com a segurança do presidente? Também é de total normalidade. Nós sabemos que o país continua bastante dividido politicamente. A gente faz um permanente monitoramento de todos os eventos dos quais o presidente ou o vice participem. Nós buscamos o máximo de informações. E não tem surgido nenhuma ameaça além daquelas que a gente normalmente visualiza — algum tipo de manifestação, por exemplo. Agora, em segurança a gente erra para mais, nunca para menos. Então, qualquer possibilidade de um evento em Brasília, grandes manifestações, nós temos o efetivo reforçado.
O país enfrenta ataques cibernéticos em série, inclusive o sistema de pagamentos do governo foi invadido. Há uma fragilidade no sistema de segurança? Sempre há possibilidade de melhoria. Há um crescimento nas tentativas de invasão em todos os setores, não apenas na área governamental, e a gente vem alertando para isso. Houve em abril uma ação criminosa para a obtenção de acesso ao Siafi. E já no início do ano existia uma recomendação nossa nesse sentido (divulgada no site do ministério e encaminhada por e-mail para uma rede credenciada específica) que alertava para o risco de vazamento das credenciais, porque estava se verificando o aumento da tentativa de ingresso a programas de governo.
“Acho um risco expor nas redes sociais tudo o que você faz, o que você pensa, suas imagens. Eu realmente não gosto de exposição, e procuro conter minha vaidade todos os dias”
E nada foi feito? Existia uma recomendação, e o GSI reforçou em 19 de abril essa recomendação já existente e feita anteriormente para o setor responsável. O nosso centro apenas faz recomendações, não há uma obrigatoriedade de atendimento delas. Nós não temos hoje um órgão que regule, fiscalize e controle essas ações relacionadas à segurança cibernética. Por isso defendo a criação de uma agência ou um centro nacional de segurança cibernética, que seria capaz de determinar medidas que tenham um caráter obrigatório.
É possível quantificar o prejuízo ou impacto desses ataques cibernéticos? Na área governamental nós não temos informações quanto a prejuízos. Mas informações de empresas especializadas dão conta de que os prejuízos provocados pelos ataques cibernéticos são incalculáveis, absurdamente grandes. Se os criminosos fossem um país ou uma nação, seria a terceira maior economia do planeta. E há também o dano indireto. Quando uma empresa sofre um ataque, a própria marca perde valor. Isso leva a que algumas empresas deixem de tornar o fato público. Um órgão regulador poderá determinar a obrigatoriedade da comunicação de uma ocorrência do tipo. Ou seja, a empresa não poderá ocultá-la.
No ano passado, a conta pessoal da primeira-dama Janja nas redes sociais foi invadida. Cabe ao GSI também proteger as autoridades desse tipo de ataque? Essa investigação está com a Polícia Federal. Uma agência poderá aplicar multas pelo descumprimento de normas que tenham sido estabelecidas, por exemplo.
Essa preocupação com o ambiente virtual tem algo a ver com o fato de o senhor não ter redes sociais? Não tenho nem nunca tive. É uma opção. Acho um risco expor nas redes sociais tudo o que você faz, o que você pensa, suas imagens. Tem um filme que se chama Advogado do Diabo, que fala sobre vaidade. No final, aquele que fazia o papel do diabo afirma que “a vaidade é o meu pecado predileto”. Eu realmente não gosto de exposição, e procuro conter a minha vaidade todos os dias.
Publicado em VEJA de 28 de junho de 2024, edição nº 2899