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Twitter, a trincheira de Trump

Nos quase dois meses entre a derrota e a nomeação de Biden pelo Colégio Eleitoral, presidente foi à rede cultivar a divisão política do país

Por Ernesto Neves Atualizado em 4 jun 2024, 13h40 - Publicado em 24 dez 2020, 06h00
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  • Foram três anos de decretos presidenciais tangenciando as leis, esgarçamento de laços com aliados tradicionais, descarte sumário de regulações incômodas, reformulação da máquina do governo, mimos aos amigos e revanches contra os inimigos. Tudo em nome da “América em primeiro lugar” e “grande novamente”, motes que mobilizaram multidões e firmaram uma base de apoio que, por um momento, pareceu invencível. No quarto e último ano, veio a pandemia e a fórmula degringolou. Quando 20 de janeiro chegar, Donald Trump vai ter de sair da Casa Branca — mesmo que saia quicando. Nos quase dois meses entre a derrota e a nomeação de Joe Biden pelo Colégio Eleitoral, ele foi ao Twitter denunciar FRAUDE e MANIPULAÇÃO nas urnas praticamente todos os dias. Dedicou milhões de dólares dos cofres republicanos a recontagens que não deram em nada. Apoiou a tentativa de levar a anulação do pleito à Suprema Corte, que rejeitou a manobra tachada por detratores de ameaça à democracia. De quebra, cultivou até o último respiro presidencial a profunda divisão política que reparte a população em duas alas inimigas, cada uma com seus radicais dispostos a tudo.

    Aos 74 anos, Trump sai do governo com a Covid-19, seu ponto fraco, grassando em todo o país, onde o número de mortos passa de 300 000, mais do que em toda a II Guerra Mundial — reflexo de sua gestão despreparada e sem disposição para encarar a realidade da pandemia. Conter o vírus com quarentenas rigorosas significava parar o país e despedaçar a economia. Trump apostou em fazer pouco dela, o PIB desabou do mesmo jeito e deu no que deu: 232 votos a seu favor no Colégio Eleitoral, contra 306 de Biden, números confirmados em uma apuração geralmente pró-forma que, neste ano, precisou ser cercada de inéditas medidas de segurança. Mas ele deixa uma herança, configurada em 74 milhões de eleitores que escolheram seu nome, só 7 milhões a menos dos que optaram pelo candidato democrata. Essa onda a seu favor fortalece o viés conservador e nacionalista do trumpismo, empenhado em combater “a elite” e dar as costas à política tradicional. O fosso entre os americanos não vai se fechar com a derrota eleitoral de Donald Trump. Pelo contrário — se depender dele, pode até se alargar.

    Publicado em VEJA de 30 de dezembro de 2020, edição nº 2719

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