Futuro Verde: a indústria e o combate ao aquecimento global
por Da RedaçãoAtualizado em 28 out 2021, 10h50 - Publicado em
28 out 2021
11h00
Apresentação
Há sinais claros de que a crise atual acelerará mudanças que estavam em curso e terá impacto em todas as dimensões das nossas vidas. Entre as apostas para a recuperação econômica no pós-Covid, está a valorização da pauta da sustentabilidade, em especial da agenda de baixo carbono, que trazem muitas oportunidades para o Brasil.
No entanto, é imprescindível que a recuperação sustentável capitaneada, sobretudo, pela União Européia, Reino Unido e Estados Unidos, seja inclusiva e valorize as vantagens comparativas de países em desenvolvimento como o Brasil, que é detentor da maior biodiversidade do planeta, de parque industrial diversificado, um grande mercado consumidor e sólida legislação interna, com alguns pontos nos quais é mais severo do que países desenvolvidos.
Embora tenha condições de se destacar na área ambiental, o Brasil tem atraído parcela pequena de recursos em fundos climáticos. Em publicação que traz os principais financiadores de projetos que contribuem para a redução dos efeitos da mudança do clima, a Confederação Nacional da Industria (CNI) aponta que nos últimos anos a América Latina e Caribe (incluindo o Brasil) ficaram com 4,5% desses recursos, enquanto a Ásia recebeu 38%.
A 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas que ocorre entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro na cidade de Glasgow, na Escócia, é uma excelente oportunidade para se discutir o impacto das políticas ambientais sobre o desenvolvimento econômico brasileiro. Nas próximas páginas, Veja Insights traz uma série de artigos produzidos sobre temas como bioeconomia, uso da biodiversidade, reciclagem e mercado de carbono produzidos em parceria com a CNI e aponta caminhos que o país pode seguir nesse terreno. Boa leitura!
O caminho para o desenvolvimento sustentável
Por Robson Braga de Andrade*
O aumento do aquecimento global tem levado as nações a buscarem formas variadas para mitigar as mudanças climáticas. Uma das principais alternativas nesse sentido são os investimentos em bioeconomia, modelo de produção industrial baseado no uso sustentável dos recursos naturais. De acordo com o BNDES, o Brasil movimenta cerca de US$ 326 bilhões nessa área. É ainda muito pouco, se considerarmos que, segundo os últimos dados disponíveis, em 2015 a União Europeia já movimentava 2 trilhões de euros, com a geração de 18 milhões de empregos.
Esse modelo de produção se vale da ciência e da tecnologia para desenvolver produtos inovadores, como alimentos, remédios, cosméticos, biocombustíveis e tantos outros, a partir das propriedades de plantas, animais, micro-organismos e demais recursos biológicos. Um dos países com maior biodiversidade do planeta — sobretudo por abranger a maior parte do bioma amazônico, ter grande quantidade de terras férteis, água abundante e alta incidência solar — , o Brasil é considerado por especialistas como o país com o maior potencial para liderar o mercado da bioeconomia no mundo.
A aprovação, pelo Congresso Nacional, do Marco Regulatório da Biodiversidade, que definiu regras para o acesso e o uso do patrimônio genético, foi um passo muito importante nessa direção. É fundamental que, agora, seja construída uma política nacional, com objetivos claros, com instrumentos adequados ao alcance das metas e com regras estáveis, que criem um ambiente seguro para investidores interessados em aportar recursos nessa área.
Como o conhecimento é a base da bioeconomia, uma política nacional para a área deve ter como prioridade a expansão da rede de inovação, e a integração de diversas atividades para a produção de tecnologias e de bens de alto valor agregado. Isso requer investimentos robustos e permanentes em pesquisa, desenvolvimento tecnológico e qualificação de mão de obra. É essencial, também, a criação de linhas de financiamento, com garantias, taxas de juros e prazos compatíveis com a inovação, assim como o incentivo ao capital de risco para empreendimentos que fazem uso sustentável dos recursos biológicos, a valorização dos instrumentos de proteção à propriedade intelectual e a aceleração dos processos de concessão de patentes.
Fenômenos extremos, como a onda de frio e temporais intensos no Brasil, o calor recorde no hemisfério norte e as enchentes na Europa são sintomas das mudanças climáticas que atingem todo o mundo, incluindo o nosso país. Os prejuízos econômicos e sociais deixados pelos desastres ambientais exigem ações efetivas de prevenção e de adaptação a esses eventos. É cada vez mais urgente que nações e empresas adotem estratégias ambiciosas de redução das emissões de gases de efeito estufa.
Essas medidas são fundamentais para o cumprimento do Acordo de Paris e para a construção de um mundo mais sustentável — temas que serão discutidos na COP26, a conferência das Nações Unidas sobre o clima, marcada para novembro, em Glasgow, na Escócia. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) vem acompanhando as negociações para a COP26, pois as ações do setor produtivo são decisivas para o êxito do combate ao aquecimento global.
No Brasil, há inúmeras iniciativas empresariais nessa direção. Entre elas, está o Instituto Amazônia+21, um empreendimento da Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (Fiero) e da CNI. A entidade, criada recentemente, desenvolverá projetos empresariais que combinem a conservação da floresta com o crescimento econômico e a geração de emprego e renda naquela região.
A indústria também vem fazendo investimentos expressivos na descarbonização. As emissões de gases de efeito estufa dos fabricantes de cimento instalados no país são 11% inferiores à média mundial. O setor de papel e celulose, que destina 9 milhões de hectares ao cultivo de árvores para fins industriais, preserva outros 5,9 milhões de hectares de florestas nativas. Em uma década, as indústrias químicas reduziram em 44% as emissões de gases de efeito estufa.
Entretanto, ainda falta ao Brasil um projeto nacional que consolide a economia de baixo carbono. A expressiva área coberta por florestas, a rica biodiversidade e a maior reserva de água doce do mundo são características naturais que favorecem o Brasil na corrida pela economia verde. O país também se destaca pela matriz energética limpa. As fontes renováveis têm uma participação de 83% na geração brasileira de energia elétrica, muito acima da média de 27% registrada nos países ricos.
Para aproveitar melhor essas vantagens, o Brasil deve definir, com urgência, uma estratégia nacional sólida para o enfrentamento dos desafios climáticos. A aposta na bioeconomia pode ser uma estratégia muito eficaz para ajudar o país a alcançar um ritmo de crescimento consistente, proteger o meio ambiente, se destacar no combate às mudanças climáticas e ser líder mundial em desenvolvimento sustentável.
*Robson Braga de Andrade, empresário e presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI)
Quinze perguntas sobre o mercado de carbono
A criação de um mercado global de carbono é uma das estratégias para ajudar os países a reduzir as emissões e atingir a meta do Acordo de Paris de manter o aumento da temperatura do planeta abaixo de 1,5ºC. No entanto, esse é um dos pontos no qual ainda falta consenso para a finalização do livro de regras para implementação do acordo. É grande a expectativa de que a questão seja equacionada na próxima Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP-26), que ocorre de 31 de outubro a 12 de novembro, em Glasgow, na Escócia.
Enquanto as negociações seguem em andamento, diversos países já estão criando seus próprios sistemas de precificação do carbono, na forma de taxação de emissões ou de comercialização de cotas via mercado de carbono. Especialistas defendem que o caminho mais adequado, dentre as opções de precificação, para o Brasil contribuir no atingimento das metas da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) é via mercado de carbono regulado. O compromisso do país é de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 37% até 2025 e 43% até 2030, tendo como base as emissões de 2005.
Confira abaixo as principais dúvidas em torno do assunto.
1- Como reduzir as emissões de carbono?
São duas as estratégias centrais para promover ações de mitigação de emissões de gases de efeito estufa. A primeira é por meio de políticas de “comando e controle”, em que o Estado estabelece a regulação direta. Já a segunda é via instrumentos econômicos, por meio da adoção de incentivos e subsídios e pela precificação de carbono. Esta consiste na atribuição de um preço sobre as emissões de gases de efeito estufa.
A precificação pode ser feita de duas formas. A primeira, pela taxação de carbono e a segunda, por mercados de carbono voluntários ou regulados.
No caso dos mercados regulados, o tipo mais utilizado nos países que já adotam o modelo é o Sistema de Comércio de Emissões, sob a ótica do Cap and Trade. Neste mercado há interação entre os setores regulados, que podem comprar e vender permissões de emissões de GEE (de acordo com alocações definidas pelo governo).
2- Por que não adotar a taxação de emissão de carbono?
Uma eventual taxação de carbono no Brasil levaria ao aumento de custos de produção, uma vez que não sendo possível zerar as emissões, alguns setores produtivos vão pagar mais tributos. A taxação do carbono resultaria em cumulatividade na cadeia produtiva, gerando perdas de competitividade econômica. Além disso, não existe garantia de que a receita gerada pelo pagamento desse tributo será destinada a ações de redução de emissões ou desenvolvimento de tecnologias de baixo carbono.
Foram mapeadas as seguintes perdas potenciais: redução de 800 000 postos de trabalho, queda de 130 bilhões de reais no PIB, aumento de custos e redução da atividade econômica em até 3%, quedas nas exportações em até 5% e aumento dos custos de insumos da indústria, sobretudo de energia elétrica (6%), transportes (16%) e combustíveis (22%).
O projeto Partnership for Market Readiness (PMR Brasil), coordenado pelo governo brasileiro em parceria com o Banco Mundial, avaliou impactos econômicos e sociais da implementação de sistemas de precificação de carbono no Brasil. O PMR Brasil é um programa global que já apoiou 23 países na avaliação de instrumentos de precificação de carbono. Como resultado, sugeriu como mecanismo mais adequado para o país o mercado regulado de carbono, ou seja, um sistema de comércio de emissões no modelo Cap and Trade, para apoiar o cumprimento das metas estabelecidas pelo Brasil no Acordo de Paris.
3- Como funciona a regulação do mercado de carbono?
No sistema de comércio de emissões (SCE), sob o racional Cap and Trade é definida uma quantidade máxima de emissões de gases de efeito estufa aos agentes regulados (cap) e são emitidas permissões de emissão de GEE. As permissões são distribuídas gratuitamente ou via leilões e podem ser comercializadas entre empresas. Em discussão no Brasil nos últimos anos, a regulação de um mercado de carbono deve avançar nos próximos meses.
4- Por que o mercado regulado de carbono é uma boa opção?
A criação de um mercado regulado permite um ambiente de segurança jurídica e confiança da indústria. Com regras claras e garantias de monitoramento e governança, as empresas conseguem decidir qual a melhor estratégia e quais medidas precisam ser adotadas para alcançá-la, como troca de equipamento ou investimento em novas tecnologias para reduzir as emissões de CO2, por exemplo.
5- Como estão as discussões sobre o mercado de carbono no Brasil?
A criação de um mercado regulado de carbono tem sido discutida pelo Congresso. O principal projeto é o Projeto de Lei 528/2021, de autoria do deputado Marcelo Ramos (PL/AM). Atualmente o PL está na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) aguardando deliberações.
O tema também tem sido discutido pelo Executivo. Entre 2016 e 2020, a CNI, federações de indústrias, associações setoriais e empresas participaram do projeto Partnership for Market Readiness (PMR Brasil). O projeto foi concluído em dezembro de 2020, com recomendação para a adoção do mercado regulado de carbono. Outra iniciativa do governo brasileiro, lançada também no ano passado, é o Floresta+. Trata-se de um programa do Ministério do Meio Ambiente que inclui um mercado voluntário de carbono em áreas de vegetação nativa, por meio da criação, fomento e consolidação de um mercado de serviços ambientais.
6- Quais os mecanismos de precificação têm sido adotados em outros países?
Atualmente, dezenas de sistemas de mercado regulado já foram implementados para a comercialização de cotas de carbono ou para a taxação das emissões. De acordo com a pesquisa do Banco Mundial State and Trends of Carbon Pricing 2021, em países desenvolvidos, a precificação de carbono aumentou a produtividade e a inovação. Segundo dados da instituição, foram movimentados 53 bilhões de dólares em receitas, em 2020, geradas a partir de estratégias de precificação de carbono que cobriram cerca de 21,5% das emissões globais de gases de efeito estufa, em 64 iniciativas implementadas.
O primeiro sistema de comércio de emissões implementado na Europa (EU-ETS), por exemplo, surgiu há 15 anos e está na quarta fase. O ETS (Emissions Trading System, na sigla em inglês) é a principal referência de mercado de carbono. Já surgiram iniciativas relevantes em países do continente americano, como Estados Unidos, México e Chile. Na Ásia, diferentes países têm avançado concretamente na agenda da precificação (mais informações no artigo que começa na página 11).
Principal emissor global de carbono, a China lançou este ano seu mercado interno, o maior do mundo em volume de emissões cobertas, com 2.225 empresas do setor elétrico. Essas companhias são responsáveis por um sétimo das emissões provenientes da queima de combustíveis fósseis no planeta, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE).
7- O que a indústria brasileira já faz para reduzir as emissões de carbono?
A sustentabilidade está na estratégia da indústria brasileira, que não só usa a matriz energética a seu favor, mas está constantemente se atualizando para aumentar sua eficiência. Entre as iniciativas que já contribuem para o cumprimento das metas de redução de emissões, estão os esforços nas áreas de energias renováveis, recuperação de resíduos, eficiência energética e maior eficiência nos processos industriais. Também merece menção o RenovaBio, programa que prevê metas anuais de descarbonização para o setor de combustíveis.
Enquanto a participação de renováveis na geração elétrica dos países da OCDE está em torno de 18% a 27%, no Brasil as fontes renováveis representam 83% da matriz elétrica.
Para mostrar os feitos do setor na transição para uma economia de baixo carbono, a Confederação Nacional da Industria fez um levantamento de iniciativas e indicadores de seis setores – cimento, alumínio, vidro, papel e celulose, químico e aço –, responsáveis por 85% das emissões do setor.
O setor de cimento brasileiro, por exemplo, emite 11% a menos de GEE quando comparado à média mundial do setor. No setor de papel e celulose, enquanto 9 milhões de hectares são destinados ao cultivo de árvores para fins industriais, outros 5,9 milhões de hectares são preservados em florestas nativas, entre Áreas de Preservação Permanente (APP), Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) e Reserva Legal (RL).
A reciclagem no Brasil alcança índices bastante representativos. Por exemplo, no caso do papel a taxa é de 66,9%, uma das mais altas do mundo. No setor de alumínio, a reciclagem responde por cerca de 56% do volume total do consumo dos produtos de alumínio, enquanto a média global é de 26%. No caso das latas de alumínio para bebidas, o percentual chega a 97%. A indústria de embalagens de vidro recicla em torno de 400 000 toneladas de vidro por ano, o que equivale a uma redução de 100 00o toneladas de gases de efeito estufa não emitidas na atmosfera anualmente.
O setor químico também se destaca nessa agenda de baixo carbono. Entre 2006 e 2016, as indústrias químicas reduziram em 44% as emissões de gases de efeito estufa associados aos seus processos industriais. Outro setor com contribuição relevante é o de aço, que teve a iniciativa pioneira de utilizar o carvão vegetal em substituição ao carvão mineral para produção de aço com baixa pegada de carbono. O carvão vegetal é obtido a partir da madeira extraída de florestas plantadas. Desta forma, a captura de CO2 que ocorre durante o crescimento das árvores iguala, ou mesmo supera, o volume liberado deste mesmo gás durante o processo de produção do aço.
8- Como é feita a aferição da quantidade de CO2 emitida pela indústria?
Diversas instituições públicas e privadas participam do processo de elaboração dos Inventários Nacionais, contribuindo junto ao governo com a disponibilização de dados de atividades, ou com o desenvolvimento de parâmetros e fatores de emissão nacionais. Essa abordagem é chamada top-down.
Atualmente não há um banco de inventários de emissão bottom-up (onde o preenchimento é feito pela própria empresa) consolidado e disponível para todos os setores econômicos.
Apesar de muitas empresas relatarem as suas emissões de forma voluntária, estados como São Paulo e Rio de Janeiro já exigem, de forma obrigatória, o relato de emissões.
Em relação aos relatos voluntários, as demandas estão ligadas ao atendimento a requisitos de mercado, à comunicação externa, à adesão às plataformas voluntárias, como o Carbon Disclosure Project (CDP) e o Programa Brasileiro GHG Procotol, além dos sistemas nos estados de Minas Gerais e Paraná, ainda na fase de relatos voluntários.
9- Como o mercado de carbono se relaciona com o cumprimento da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) brasileira?
O mercado de carbono é um dos instrumentos que pode apoiar o Brasil no cumprimento das metas estabelecidas na NDC. Existem outras agendas para o Brasil implementar a NDC, como: avançar na implantação de energias renováveis mais competitivas, desenvolver ações para combater o desmatamento ilegal, fortalecer a política nacional de biocombustíveis, ampliar os índices de reciclagem, estabelecer a recuperação energética de resíduos, implementar ações de eficiência energética, avançar nas agendas de economia circular e bioeconomia, entre outros.
10- Como a indústria será impactada com a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC)?
A NDC brasileira é “economy-wide”, o que significa que vale para o conjunto da economia e não tem metas específicas para setores. Dessa forma é difícil avaliar impactos diretos para a indústria.
11- Quais as expectativas para a COP26 e a participação do Brasil nas negociações?
Um dos principais pontos que vem sendo discutido e o que ainda falta alcançar consenso é o instrumento financeiro estabelecido no Acordo de Paris. O Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável (MDS) permite que o setor privado invista em projetos voluntários de redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs).
Por meio do MDS, será estabelecido o mercado de carbono global que, se bem operado, propiciará novos negócios, investimentos e transferência de tecnologia para o Brasil. Assim, pode ser uma das soluções baseadas no desenvolvimento sustentável para a geração de emprego e renda no país, principalmente no cenário pós-covid-19.
Alguns temas também estão no radar do setor industrial e têm feito parte das discussões prévias da COP 26 com a presença de ministros e representantes de alto nível: financiamento climático, adaptação, transferência de tecnologia e pagamento por serviços ambientais.
12- Quais devem ser as prioridades do país para atrair mais investimentos para projetos climáticos?
Entre as prioridades para atrair mais investimentos para o Brasil estão: energias renováveis, hidrogênio, ações para combater o desmatamento ilegal, conservação florestal, reciclagem, recuperação energética de resíduos, eficiência energética, projetos de economia circular e bioeconomia.
O Brasil tem grande potencial para ser protagonista no processo de transição para uma economia de baixo carbono. A matriz energética brasileira tem grande participação de fontes renováveis, o que acontece em poucos países. Segundo dados do último Balanço Energético Nacional (BEN 2020), a participação das fontes renováveis é destaque na geração de eletricidade, na qual elas representam 83% da oferta interna do País.
De acordo com a International Energy Agency (IEA), nos EUA e nos países membros da OCDE essa representatividade seria em torno de 18% e de 27%, respectivamente. Além disso, o País detém a maior biodiversidade (20% do número total de espécies da Terra) e disponibilidade hídrica do mundo (12% das reservas mundiais), tendo 58% do território nacional com cobertura florestal.
13- Quais a prioridades para a agenda climática brasileira?
Para a agenda climática como todo, podemos destacar a necessidade de definição de uma estratégia nacional mais ampla e integrada para a redução de emissões com políticas que criem um ambiente favorável aos investimentos; o estabelecimento de governança institucional e coordenação de esforços entre governo e setor produtivo para garantir mais transparência no cumprimento das metas do Acordo de Paris; a elaboração de um plano de descarbonização para o país com participação do setor produtivo; e investimentos em P&D visando novas tecnologias associadas a baixo carbono (como eólica offshore, hidrogênio, e captura e armazenamento de carbono).
A CNI defende que a implementação dos compromissos adotados pelo país seja integrada e transparente, com ampla participação do setor produtivo e, para contribuir nesse processo, mapeou 4 pilares estratégicos para desenvolver uma economia de baixo carbono: transição energética, precificação de carbono, economia circular e conservação das florestas.
Em relação ao tema específico sobre mercado, a CNI entende como prioridade a criação de um mercado regulado de comércio de emissões. Mas para isso, é fundamental a consolidação de um sistema robusto de mensuração, relato e verificação (MRV) de emissões e remoções de gases de efeito estufa.
14- O que é Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM)?
É uma medida da União Europeia que estabelece um Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (CBAM, em inglês), para cobrança de tarifa adicional, sobre produtos importados com base na quantidade de carbono emitida em sua produção. A proposta legislativa anunciada prevê uma fase transitória, de três anos, a partir de 2023. Reino Unido, Estados Unidos e Canadá também estudam adotar medidas semelhantes.
15- Como o CBAM pode impactar o Brasil?
O CBAM é um fator de pressão para o Brasil estabelecer normas para precificação interna de carbono. Se o Brasil já tiver um mercado regulado quando o CBAM for implementado — o que deve ocorrer em fase transitória em 2023 —, pode solicitar uma redução do número de certificados CBAM se comprovar que já paga pelo carbono em território nacional.
Cinco modelos internacionais de regulamentação
Nas últimas décadas, as mudanças climáticas emergiram como um dos principais desafios para governos, empresas, investidores e a sociedade em geral. Mais recentemente, as crescentes preocupações sobre as emissões de gases de efeito estufa (GEE) começaram a remodelar o ambiente de negócios.
A precificação do carbono tem sido cada vez mais discutida e implementada globalmente, como parte das estratégias dos países para a redução de GEE. Dezenas de sistemas de precificação já foram adotados na forma de taxação de emissões ou comercialização de cotas via mercado de carbono.
Para o Brasil, o setor industrial considera que o mercado regulado de carbono é o instrumento que propiciará uma maior flexibilidade para gerenciar as suas emissões, além de ser estratégico para acelerar a transição para uma economia de baixo carbono e promover a competitividade do setor. A implantação de um mercado regulado de carbono depende de uma estrutura organizacional e governança adequadas para sua operacionalização. Nesse sentido, é fundamental que se conheçam e se avaliem as lições proporcionadas pelas iniciativas que têm sido praticadas no mundo.
Um estudo preparado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) apresentou iniciativas internacionais de sistemas de governança de mercados de carbono que tiveram sucesso e que, portanto, serão úteis para o desenho de tal mecanismo no Brasil.
Globalmente, os instrumentos de precificação de carbono têm sido cada vez mais discutidos e implementados como parte das estratégias para mitigação dos gases de efeito estufa (GEE) dos países. De acordo com dados do Banco Mundial, as iniciativas de precificação de carbono cobrem cerca de 21,5% das emissões de GEE mundiais, com 64 iniciativas implementadas ou em estudo. Os preços de comercialização variam entre 1 e 137 dólares por tonelada de CO2 emitido, sendo que mais de 51% das emissões de GEE cobertas por sistemas de precificação de carbono têm preço médio de 10 dólares por tonelada de CO2 emitido.
No Brasil, o tema vem sendo estudado formalmente pelo governo desde outubro de 2011, quando este manifestou interesse em aderir à Partnership for Market Readiness
(PMR), programa do Banco Mundial. Em setembro de 2014, foi aprovada a adesão ao PMR, por meio da constituição de uma Parceria para Preparação de Instrumentos de Mercado (PMR Brasil), implementada pelo Ministério da Economia e pelo Banco Mundial. Entre os anos de 2016 e 2020, o PMR foi conduzido tendo como principal objetivo subsidiar o governo brasileiro com informações acerca da conveniência da adoção de instrumentos de precificação de carbono como parte das políticas de mitigação de GEE no país.
O PMR Brasil, concluído em 2020, foi acompanhado com grande interesse pelo mercado, pois concluiu o desenho das bases metodológicas e técnicas necessárias para a implementação de um sistema de comércio de emissões. A estrutura proposta no âmbito do projeto PMR Brasil será peça central para a definição do modelo a ser adotado no futuro pelo país. Por isso, é importante que as partes envolvidas no processo, tanto do setor público quanto do privado, estejam cientes dos diferentes sistemas de governança existentes, da forma como eles se organizam e de como o modelo brasileiro pode vir a se inspirar naquilo que é comum a todos os sistemas analisados.
Os parâmetros normativos essenciais de qualquer política climática estão definidos na Política Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC), Lei nº 12.187/2009, que tem previsão de ações de monitoramento, fiscalização, controle e linhas de financiamento para projetos de mitigação. Além da PNMC, normas regulatórias em outros entes da federação também podem ter parâmetros a serem considerados por um sistema nacional. Por exemplo, em São Paulo, a Política Estadual de Mudanças Climáticas de São Paulo (PEMC), Lei nº 13.798/2009, foi elaborada antes da própria PNMC e prevê a elaboração de planos e programas que contribuam para a mitigação das emissões estaduais de GEE. Por fim, a experiência adquirida pelo RenovaBio (Lei nº 13.576/2017 e Decreto nº 9.308/2018), a primeira política de descarbonização brasileira a instituir um mecanismo de mercado, lança um modelo que também poderá inspirar aspectos de um sistema de mercado já em implementação no país.
Além dos componentes regulatórios nacional e regionais, é fundamental que se conheça e se avalie as lições das iniciativas que têm sido praticadas ao redor mundo. Atualmente, dezenas de sistemas de mercado já foram implementados para a comercialização de cotas de carbono ou para a taxação das emissões. O primeiro sistema de comércio de carbono implementado na Europa (EU-ETS), por exemplo, foi criado há 15 anos e está na quarta fase. Já surgiram iniciativas relevantes em países do continente americano, como México e Chile. Na Ásia, diferentes países têm avançado concretamente na agenda da precificação.
Sistemas de Governança
A temática da governança está presente no debate público desde 1992, quando o Banco Mundial definiu pela primeira vez o termo, que vem sendo empregado em dois contextos. O primeiro é o espaço das corporações, em que a forma como se relacionam com seus diferentes públicos e executam seu trabalho é cada vez mais relevante. O segundo contexto é o da ciência política, na qual se trata do exercício do poder nas escalas regionais, nacionais e internacionais. Neste trabalho, adota-se uma definição de governança aplicável às escalas nacionais e internacionais.
Governança é a forma como as instituições públicas adquirem e exercem o poder, com respeito aos procedimentos e ao formato institucional. Para delimitar seu espaço conceitual, é preciso distinguir a governança daquilo que, em inglês, se chama “policy”, que são as próprias regras escritas. A governança não deve ser confundida com o arcabouço legal que lhe fornece as bases formais para operar.
A questão dos procedimentos e práticas governamentais na consecução de suas metas adquire relevância, incluindo aspectos como o formato institucional do processo decisório, a articulação público-privado na formulação de políticas ou ainda a abertura maior ou menor para a participação dos setores interessados ou de distintas esferas de poder (BANCO MUNDIAL, 1992).
Com base nesse entendimento, é possível definir uma estrutura geral dos mercados de carbono que permita avaliar, de forma sistemática e concreta, as diferentes funções que devem ser executadas para a operacionalização dos mercados, bem como as organizações ou entidades que executam tais funções. A estrutura dos mercados é dividida em três grandes etapas.
Planejamento
Para serem eficazes, os sistemas de comércio de carbono precisam ser transparentes e previsíveis. Para isso, devem ser estabelecidos mecanismos de planejamento (funções) que definam os parâmetros do sistema de forma clara.
Em primeiro lugar, é preciso definir o horizonte de longo prazo na forma de objetivos de mitigação (percentual de redução relativamente a uma linha de base). Em seguida, deve-se definir o escopo de ação, em termos de quais GEE e setores serão regulados.
Na sequência, faz-se necessário estabelecer metas de médio a longo prazo, de acordo com os períodos de conformidade definidos para o programa. Também deve-se determinar as regras de alocação das permissões, eventualmente diferenciadas por setores, e eventuais limites para o uso de compensações (offsets). É preciso haver um mecanismo que permita a modificação das regras em caso de necessidade.
E, finalmente, deve ser definido um conjunto de regras para a eventual interligação com outros mercados e para a eventual admissão de outros programas na forma de compensação.
MRV
Definidos os parâmetros, é preciso quantificar as reduções de emissão realizadas pelos entes regulados. Isso é feito por meio de metodologias de monitoramento, relato e verificação (MRV), cujos protocolos podem ser baseados em inventários periódicos de emissão ou em formas simplificadas de aferição de reduções de emissão.
Em ambos os casos, os procedimentos de MRV são de fundamental importância para dar qualidade à informação e às transações. Comumente, a mensuração e o relato são feitos pela própria parte interessada. Para isso, em certos casos, se exige a definição de um corpo técnico responsável por planejar e implementar os processos de MRV. Em alguns mercados, se exige que os entes regulados submetam planos de monitoramento e/ou de mitigação para aprovação pelo regulador.
Feito isso, os entes regulados submetem relatos detalhados sobre suas emissões ou reduções de emissão. A verificação desses relatos geralmente é feita por entes qualificados e independentes (fora da estrutura do governo), sendo importante que o regulador autorize antecipadamente as entidades de verificação com base em procedimento de autorização, licenciamento ou acreditação, e que disponibilize um rol de regras detalhando as obrigações dos entes verificadores.
Além disso, o regulador normalmente fiscaliza tanto os entes regulados quanto os verificadores. Na sequência, é preciso criar um sistema de compensação dos títulos (créditos ou permissões) obtidos em programas ou mercados externos passíveis de compensação. Por fim, deve haver um sistema de controle que desestimule eventuais erros ou fraudes nas diferentes etapas do processo de MRV.
Mercado
Um aspecto central dos sistemas de comércio de carbono é a criação de novos mercados de títulos, que permitem a compra e venda de ativos relacionados ao direito de emitir uma determinada quantidade de GEE. Os ativos podem ser de dois tipos: permissões (licenças ou cotas) ou créditos de emissão, ambos conferindo o direito de emitir.
Os créditos são baseados em um ganho ambiental passado, já efetivamente realizado e contabilizado. Já as permissões de emissão não refletem um ganho ambiental já realizado. Ao contrário, se baseiam em um limite de emissão determinado de acordo com uma linha de base estimada para o futuro.
Para que o mercado de permissões ou créditos possa funcionar, o regulador deve, em primeiro lugar, emitir e escriturar os títulos. A emissão é função das metas de emissão (permissões) ou das reduções de emissão realizadas e certificadas (créditos). A escrituração – lançamento sistemático dos títulos em registros contábeis – pode ser feita por um escriturador privado (como no Renovabio) ou pelo próprio regulador, geralmente em um registro eletrônico.
No caso das permissões, o passo seguinte é a alocação, que pode seguir três caminhos: alocação segundo critérios explícitos de emissões históricas (ex.: cada empresa recebe permissões iguais a 98% das emissões dos três anos anteriores), alocação por decisão discricionária ou alocação onerosa via leilão (quem pagar o melhor preço recebe a permissão). No caso do leilão, é necessário criar uma estrutura de mercado para viabilizar as transações. No caso de mercados interligados, os leilões podem ser feitos individualmente ou de forma compartilhada.
Uma vez que os títulos estão escriturados e alocados, eles podem ser transacionados no mercado primário (no caso de créditos ou de permissões que não passaram por leilão) ou secundário (permissões adquiridas em leilão). Em geral, o regulador institui um sistema de regulação para o mercado de títulos, que deve ser transjurisdicional se os mercados forem interligados. Além disso, é comum haver mecanismos de controle de preços para evitar flutuações muito elevadas dos preços. Por fim, o regulador precisa divulgar dados sobre o programa para que os participantes possam aprender e planejar as suas ações futuras
Cinco exemplos
Há uma grande diversidade de experiências cujo aprendizado pode contribuir para o desenho de uma política brasileira. Nesse sentido, cinco sistemas adotados em jurisdições internacionais podem funcionar particularmente bem como referências para o modelo nacional.
União Europeia (EU-ETS)
O programa europeu de comércio de carbono (EU-ETS) é uma estrutura internacional coordenada pela União Europeia e seu desenho segue um modelo de governança descentralizada. Nele, a presença de freios e contrapesos impõe à tomada de decisão um forte processo de negociação política. Por exemplo, as decisões de planejamento do programa, relevantes para o longo e o médio prazos, precisam ser costuradas entre três grupos: o Poder Executivo, o Poder Legislativo e os países-membros.
A apresentação das propostas iniciais é função do Poder Executivo. Por isso, a viabilização do mercado de carbono europeu é apontada como uma conquista do Poder Executivo, que teve forte papel empreendedor na construção de sinergias entre países-membros e entre stakeholders e na consequente aprovação da lei de fundação do mercado, de 2003.
O formato pouco centralizado do EU-ETS é consequência da estrutura política da União Europeia, em que os 27 países-membros têm ampla representação nos Poderes Executivo e Legislativo e elevado grau de autonomia para implementar as leis europeias.
Ao mesmo tempo, existe no EU-ETS um grau razoável de participação do setor privado, tanto na operacionalização do marketplace onde se negociam os títulos quanto na verificação dos relatos de emissão. Essa participação contribui para dar transparência e legitimidade ao sistema perante os agentes econômicos.
México (SCE – Sistema de Comércio de Carbono)
O México possui um arranjo institucional em que convivem uma taxa sobre o carbono, criada em 2013, e o sistema de comércio de carbono lançado em 2020. Foi possível avançar nessas duas frentes porque o Poder Executivo exerceu uma forte liderança nos últimos 25 anos. Essa liderança foi complementada na criação do sistema de comércio de carbono, por uma coliderança pontual do Poder Legislativo.
O Sistema de Comércio de Emissões (SCE México) segue um modelo de governança descentralizada com uma participação importante do setor privado e da sociedade civil. O programa nasceu tendo partes da estrutura de governança prontas. Isso se deveu à formulação de um detalhado sistema de aprendizado composto por quatro etapas: A primeira é a implementação do sistema nacional de inventário obrigatório, em vigor desde 2015, que começou a construir as bases metodológicas para o monitoramento, relato e verificação (MRV). A segunda consiste no exercício (simulação) de mercados de carbono, iniciativa pioneira liderada pela empresa MÉXICO2 e pela bolsa de valores do México (BVM) voltada a treinar as empresas para operação em um mercado de carbono (2017-2019). A terceira consiste no período piloto do mercado de carbono (2020-2021), em que as regras fundamentais são testadas e a participação é obrigatória. E na quarta e última etapa, ocorre a fase de transição para a operação definitiva do sistema (2022).
Devido ao aprendizado gradualmente acumulado, o SCE México está sendo lançado com uma plataforma de governança razoavelmente bem estruturada.
Canadá e Califórnia (WCI – Western Climate Initiative)
A Western Climate Initiative (WCI) é uma estrutura regional descentralizada de gestão de mercados de carbono baseada em forte colaboração entre jurisdições e com o setor privado. Sua principal característica é a interligação entre jurisdições regionais de diferentes países.
A adesão à WCI por parte das jurisdições é voluntária e deve ser aprovada pelos membros da WCI. Já o funcionamento doméstico no Quebec e na Califórnia se dá de forma obrigatória. A fundação do programa e a sua implementação resultaram da liderança exercida por governos estaduais dos Estados Unidos desde 2006. Trata-se de um modelo sui generis que agrega entes subnacionais dos Estados Unidos e do Canadá.
Esse formato impõe um desafio, já que os entes subnacionais não possuem autonomia para estabelecer negociações ou tratados internacionais. Com isso, não são capazes de promover uma associação transjurisdicional com valor legal, pois é um mercado de carbono de adesão voluntária por parte dos entes subnacionais.
A forma de contornar o problema foi criar um ente de domínio privado sem fins lucrativos, registrado no estado americano de Delaware, para legalizar a associação entre as jurisdições subnacionais internacionais. Esse ente se chama WCI, Inc., foi registrado em 2011 e realiza grande parte da operação do programa nas três jurisdições que o compõem.
A WCI, Inc. gerencia a quase totalidade das funções relativas ao mercado de permissões e de créditos de carbono nas três jurisdições, tendo um papel, inclusive, na supervisão do mercado. Além disso, a WCI, Inc. fornece expertise técnica aos associados e participa ativamente da produção das diretrizes necessárias para a harmonização dos programas. Já os processos de monitoramento, relato e verificação são gerenciados pelos órgãos ambientais das respectivas jurisdições.
Japão (Tóquio-CaT – Cap and Trade)
O programa de comércio de carbono de Tóquio (Tóquio-CaT) é uma estrutura subnacional que engloba toda a Região Metropolitana de Tóquio. O programa adota um modelo de governança fortemente centralizado. A gestão é feita quase integralmente pela Secretaria do Meio Ambiente do Poder Executivo, uma vez que a verificação dos inventários de emissão é realizada pelo setor privado.
No interior da Secretaria do Meio Ambiente existe uma Divisão de Mudanças Climáticas e Energia e, dentro desta, uma seção dedicada ao sistema de comércio de emissões. Um dos motivos para a centralização é a vasta experiência que o Poder Executivo tem em regulação ambiental.
A Região Metropolitana de Tóquio, maior governo subnacional do Japão, é uma jurisdição líder na agenda climática à frente do Governo Nacional. Mesmo antes de ter dado centralidade ao combate às mudanças climáticas, a partir de 2002, a Secretaria do Meio Ambiente já tinha amplo sucesso em lidar com problemas ambientais urbanos, de redução de emissões veiculares ao controle da poluição industrial.
Assim, a experiência acumulada no monitoramento de emissões por meio de um programa de relato obrigatório foi determinante para seu sucesso. Outro motivo para a centralização no governo é o tamanho reduzido do mercado de créditos de emissão, já que o sistema foi desenhado para limitar o papel do setor financeiro. Assim, o governo estima que, na primeira fase do programa, apenas 10% das obrigações de mitigação foram compensadas com créditos adquiridos no mercado. As transações se dão de forma bilateral (não há marketplace) e não existe um monitoramento instantâneo dos preços. Com isso, não há uma instituição de regulação do mercado
Coreia do Sul (KETS – Korean Emissions Trading Scheme)
O programa de comércio de carbono da Coreia do Sul (KETS) é uma estrutura nacional com governança descentralizada verticalmente, ou seja, no interior do Poder Executivo. Este teve papel central de liderança na criação e implementação do programa de comércio de carbono.
Depois de ter assegurado que as bases do sistema estavam inscritas em lei, o Poder Executivo desenhou uma estrutura de governança voltada a dar legitimidade ao programa por meio de responsabilidades compartilhadas entre o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério das Finanças. Trata-se de uma experiência de sucesso em um país onde o setor industrial é altamente dinâmico.
Em apenas cinco anos, o programa conseguiu aproveitar muitos dos aprendizados de outras experiências – notadamente, o mercado europeu – para obter resultados positivos. O KETS regula em torno de 70% das emissões do país e possui um mercado de permissões com trajetória de preços excepcionalmente estável e com tendência de alta, apesar da liquidez ainda baixa. O sistema perpassa diferentes ministérios e órgãos dentro do Poder Executivo, fazendo com que representantes de interesses divergentes tenham que dialogar.
Elementos comuns
Apesar das diferenças que trazem entre si, cinco projetos considerados nesse estudo reúnem características comuns que são fundamentais como pré-requisitos para mercados de carbono duradouros. São elas:
Liderança do Executivo
Nas cinco jurisdições estudadas, a liderança do processo de criação e desenvolvimento dos mercados de comércio de carbono esteve no Poder Executivo. Respeitadas as particularidades de contextos e as escalas diferentes, o Poder Executivo atuou como catalizador do processo, engajando outros atores, políticos e representantes do setor privado, quando necessário. Verificou-se que o sucesso na implementação de programas duradouros esteve associado a três elementos: governos com uma forte capacidade de articulação que transcende o setor público e favorece um diálogo aberto com o setor privado, vontade política para avançar na agenda climática como um tema de Estado e não de governo, com consistência ao longo dos anos e experiência, por parte do governo, com um sistema de relato obrigatório de emissões.
Por exemplo, na União Europeia do início dos anos 2000, o Poder Executivo, presidido por Romano Prodi entre 1999 e 2004, era um governo com forte capacidade de articulação. Ele foi responsável por implementar a moeda comum (Euro) e a adesão de dez novos países ao bloco (2004). Esse gestão foi determinante para articular as múltiplas forças do continente em torno de uma agenda climática. A articulação teve o seu primeiro grande sucesso em 2003, quando foi aprovada a lei de fundação do EU-ETS. Depois disso, um processo contínuo de articulação foi necessário, durante os dez anos seguintes, para que as bases do programa fossem aprimoradas e essas melhorias fossem inscritas em lei.
O que se conclui dos casos avaliados é que o Poder Legislativo foi fundamental para que os mercados de carbono tivessem bases firmes e estáveis, mas não foi a instituição que liderou o processo. Em certos casos, o Poder Legislativo ganhou protagonismo ao longo do tempo, como na União Europeia onde, em outubro 2020, o Parlamento Europeu aprovou uma meta de descarbonização mais severa para 2030 (de 60%) do que a meta defendida pela Comissão Europeia (de 55%). Apesar desse exemplo pontual, a regra geral é de uma forte liderança exercida pelo Poder Executivo.
Descentralização
As cinco jurisdições estudadas possuem modelos de governança essencialmente distintos, portanto com graus diferentes de descentralização (Figura 12). Como regra geral, os programas que nascem com o desafio de integrar jurisdições de países diferentes, como o EU-ETS e a WCI, apresentam maior grau de descentralização. No caso da União Europeia, isso decorre do formato das instituições no bloco europeu, em que os Governos Nacionais dos 27 países-membros participam da tomada de decisão. Neste caso, tanto a definição das regras quanto a execução do programa são descentralizados.
Já na WCI, não existe uma jurisdição supranacional capaz de coordenar as ações dos entes subnacionais (governos, províncias) de países diferentes, os Estados Unidos e o Canadá. Com isso, a definição do arcabouço legal é feita de forma independente pelas jurisdições. Porém, apesar de cada jurisdição definir as suas regras de forma independente, isso é feito de maneira coordenada com as demais jurisdições de forma a facilitar o processo de interligação. Portanto, na etapa do planejamento e desenho do programa, o modelo é de uma governança descentralizada com constantes trocas entre as jurisdições. Por outro lado, na etapa da execução, o programa é totalmente centralizado em um único ente privado, que foi constituído especificamente para fazer sua gestão.
No extremo oposto está o programa de comércio de carbono de Tóquio, que nasceu com um desenho essencialmente local, ou seja, sem a ambição de interligação com jurisdições de outros países. Nesse caso, inexiste um motivo estrutural que torne necessária uma governança descentralizada. Por consequência, esta é fortemente centralizada na Secretaria do Meio Ambiente, que já dispunha de uma estrutura bastante desenvolvida para lidar com diferentes aspectos da regulação ambiental. Como já havia uma estrutura forte, não houve a necessidade de se criar outras.
Criação de novas estruturas
A necessidade de se criar estruturas para a operacionalização de um mercado de carbono é um fator importante no desenho inicial dos programas. Em um cenário em que o Estado é grande e tem uma restrição orçamentária crescente, criar agências ou órgãos com quadros fixos de funcionários e dotação orçamentária é cada vez mais desafiador. Ao mesmo tempo, é pouco factível imaginar que um complexo sistema de comércio de carbono em escala nacional não venha a requerer a criação de algumas estruturas novas.
Uma forma de quantificar a demanda por novas estruturas é listar os órgãos novos criados em cada jurisdição. Esse exercício permite uma visualização simples e direta do problema. No entanto, é preciso estar atento para a simplificação que se está fazendo ao tratar todas as estruturas da mesma forma. Por exemplo, criar um comitê consultivo que se reúne esporadicamente é diferente de criar uma agência nacional especificamente voltada a regular o sistema de comércio.
O número de estruturas novas criadas variou entre zero no Japão, uma na WCI, duas no México, três na Coreia do Sul e mais de três na União Europeia.
Organização dos sistemas de compensação
Todas as jurisdições avaliadas aceitam créditos de projetos externos para a compensação das emissões realizadas. Os créditos externos podem ser usados até um determinado limite do total de obrigações dos entes regulados. Esse limite é de 4% na Califórnia, 8% no Quebec, 10% na Coreia do Sul e no México, 50% na União Europeia e 100% em Tóquio. Além disso, os créditos externos precisam respeitar dois outros critérios: devem ser originários de projetos com tipologias aceitas e devem ter sido inventariados com o uso de metodologias aceitas, ou seja, aderentes ao monitoramento, relato e verificação pré-aprovado em cada programa.
De forma geral, observa-se a preferência por projetos domésticos, ainda que, em certos casos, sejam aceitos créditos internacionais. Para a aferição da compatibilidade metodológica (fungibilidade), há dois modelos. O primeiro, adotado na União Europeia, é o da compatibilização automática dos créditos gerados em programas externos específicos. Nele, o custo de operação do sistema de compensação é muito menor. O segundo modelo é a verificação e validação da compatibilidade. Nesse caso, a autoridade competente pode requerer a verificação por terceira parte e, em seguida, realizar ela própria a validação e conversão de créditos extra jurisdicionais para créditos jurisdicionais, como no caso de Tóquio, ou pode contratar uma empresa com as devidas credenciais especificamente para fazer a validação, verificação e conversão, como no caso da Califórnia.
Interface com o setor privado
Todos os programas estudados possuem um ou mais entes privados em sua estrutura de governança. A função mais frequente atribuída a um ente privado é a verificação dos relatos, que é feita total ou parcialmente pelo setor privado nas cinco jurisdições. A segunda função mais frequente é a de plataforma de comércio de permissões, que é executada por bolsas de valores na União Europeia e Coreia do Sul, por uma empresa privada na WCI, e potencialmente também será executada pela bolsa de valores no México.
Outras funções que foram assumidas pelo setor privado em casos específicos foram a escrituração dos créditos de programas externos (compensações), a acreditação de entes verificadores e a implementação de ações de controle de preços sub mandato e supervisão da autoridade reguladora. Além dessas funções pontuais, uma instituição de direito privado foi criada, na WCI, para fazer a gestão integral do sistema de comércio de carbono.
Formas de interação com setores não regulados
Os setores não regulados são, em geral, contemplados via participação no mercado de compensações. Por exemplo, em Tóquio, somente as empresas de grande porte são reguladas pelo Tóquio-CaT e as de porte pequeno e médio podem vender as suas reduções de emissão no mercado de compensações. Isso gera um estímulo à mitigação nos demais setores e permite que os setores regulados cumpram as suas metas de forma mais eficiente. A limitação desse tipo de estratégia é que a participação dos setores não regulados é frequentemente limitada a um percentual máximo das obrigações. Em três dos programas estudados, esse percentual é de 10% ou menos.
No caso da União Europeia, existe uma legislação específica – Regulamento de Esforço Comum – que estabelece metas de mitigação para os setores não regulados pelo EU-ETS. Isso significa que, em paralelo com o mercado de carbono, que tem um determinado conjunto de entes regulados, existe um outro sistema, que não é baseado em mercado, mas que regula as emissões dos demais entes. Apesar de ser baseada em um modelo de comando e controle, essa segunda legislação estabelece algumas formas de flexibilização que podem permitir aos setores não regulados atingir suas metas de mitigação de forma mais eficiente. Além disso, a legislação prevê uma forma de punição aos países-membros que não conseguirem cumprir suas metas.
Conclusão
A sistematização da experiência internacional nas jurisdições estudadas aponta para alguns princípios norteadores. Um ponto de atenção diz respeito à interface do programa de comércio com o setor privado, em particular os entes regulados, que tem fundamental importância desde a etapa de planejamento até a implementação. A inserção dessa representação dentro da estrutura de governança por meio do texto legal é o melhor modelo, pois facilita a transferência de conhecimento técnico e de informação.
Como regra geral nas jurisdições estudadas, em relação à participação de entidades extra governamentais, o Poder Executivo promove consultas periódicas com o empresariado e com outras entidades a fim de promover alinhamento e dar legitimidade às suas ações, mas de forma unilateral. Já no México, a participação das representações da sociedade civil, inclusive representações do empresariado, está inscrita em lei. Isso assegura que os entes regulados tenham a possibilidade de dialogar com o regulador e de lhe fornecer análises técnicas.
Outro ponto de destaque diz respeito ao sistema de MRV. É fundamental que uma estrutura de MRV obrigatória em escala nacional seja implementada antes do início da operação do mercado e que essa estrutura seja compatível com os recursos disponíveis no país para a implementação do MRV. Todas as jurisdições estudadas implementaram um sistema de MRV obrigatório em escala nacional antes de dar início ao mercado de carbono.
Nesse quesito, o caso do México também é interessante, pois o país tem visto a sua capacidade de analisar adequadamente os relatos de emissão se exaurir, gerando dificuldades para o desenvolvimento da infraestrutura de MRV no Ministério do Meio Ambiente. Devido a um limiar de 25.000 tCO2 para relato obrigatório, o volume de entes obrigados a relatar girou em torno de 1.000, muito acima da capacidade do ministério. Com isso, apesar de ter instituído um sistema de MRV com antecedência, essa infraestrutura permanece aquém do nível necessário para gerenciar os relatos de todo o país. Caso tivessem sido inserido critérios adicionais para o relato, tal problema teria sido minimizado.
Além do MRV, o Sistema de Registro das Permissões é uma infraestrutura essencial para a operação do mercado. Isso exige um arcabouço tecnológico avançado com medidas de segurança e ao mesmo tempo de transparência. Na experiência internacional, a operacionalização do registro de permissões pode ser feita tanto pela administração pública quanto por entes privados.
Nas avaliações realizadas constatou-se que o órgão regulador, ou a autoridade competente, está sempre inserido dentro da estrutura pública, mas não é sempre o órgão ambiental. Em alguns casos, foram escolhidos outros órgãos da estrutura pública para capitanear o sistema de comércio de emissões, como na França. Para identificar o ente público ideal para exercer a regulação, deve-se ter em conta quais serão as funções do órgão regulador e quais capacitações são dele requeridas, bem como, no aspecto legal, quais órgãos da estrutura do Estado possuem vocação para assumir essa tarefa.
Caso venha a se optar por um ente privado com a função de órgão implementador, é importante que sua atuação fique adequadamente circunscrita a funções administrativas e que seja constituído um aparato regulatório que permita a supervisão do trabalho do ente privado. Por exemplo, no caso do sistema elétrico brasileiro, isso corresponde à supervisão do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) por parte da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e do Ministério de Minas e Energia (MME).
No mercado de carbono da WCI, a WCI, Inc. – órgão implementador privado – é tratada pelo regulador da Califórnia como um provedor de serviços. Com isso, as atribuições da WCI, Inc. são exclusivamente centradas na operacionalização do mercado, seja em seu aspecto tecnológico (o registro das permissões) ou em seu aspecto comercial (gestão da plataforma de comércio de permissões). Não cabe à WCI, Inc. qualquer tarefa relativa à regulação dos diferentes aspectos do mercado de carbono, exceto no caso em que o regulador vier a solicitar, por meio de contrato, estudos ou análises técnicas.
Em resumo, as experiências internacionais, das jurisdições avaliadas, se bem estudadas e avaliadas serão de grande relevância para as discussões sobre o modelo de mercado carbono brasileiro, que leve em conta não apenas as especificada do país, mas também as lições aprendidas de mercados de carbono maduros e bem estruturados.
* Esse artigo é uma versão adaptada do estudo MERCADO DE CARBONO ANÁLISE DE EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS cujo texto na integra pode ser encontrado no seguinte endereço eletrônico:
Toda grande crise costuma trazer consigo oportunidades e, no caso do aquecimento global, o mercado de crédito de carbono cresce como um ativo que será cada vez mais cobiçado por empresas, governos e até pessoas físicas. Por um lado, o planeta está emitindo o dobro da quantidade de CO2 emitida há 10 anos, algo como 41 bilhões de toneladas ao ano – um crescimento que, se não for contido, terá consequências catastróficas para o clima do planeta. Do outro, calcula-se que apenas 12 bilhões de toneladas desses gases são neutralizadas por ano, em sua grande maioria por empresas que compram créditos de carbono.
O desequilíbrio desta balança faz com que os créditos de carbono sejam considerados a “commodity do futuro” e o Brasil tão rico deste ativo como a Arábia Saudita de petróleo, justamente por possuir uma reserva florestal tão extensa como a Amazônia, o pulmão do mundo. Os créditos de carbono nada mais são que títulos digitais emitidos por instituições que de alguma forma capturam ou neutralizam CO2 ou outros gases nocivos à atmosfera. Um crédito de carbono equivale a uma tonelada de gases a menos no planeta, redução que pode ser feita por meio de projetos que mantém florestas em pé ou fazem reflorestamento, mas também por uma fábrica que deixa de gerar energia por queima de carvão para usar biomassa, por exemplo.
Apesar de a neutralização da emissão de carbono não ser regulamentada de maneira global e nem exigida por todas as nações do planeta, a demanda pelos créditos de carbono cresce e está no seu momento mais aquecido.
No Brasil, assim como em países que não possuem legislação sobre o tema, estas compensações ocorrem de maneira totalmente voluntária, e não para cumprir exigências das autoridades governamentais. A empresa de cosméticos Natura, por exemplo, é referência na área e desde 2007 neutraliza as suas emissões tornando sua cadeia menos poluente e aderindo a projetos socioambientais. Desde então, foram evitadas a emissão de mais de 1,28 milhão de toneladas de carbono e a empresa adquiriu mais de 4 milhões de créditos de carbono através de 47 projetos no Brasil, Chile, Argentina, Peru, Colômbia e México.
Um dos principais objetivos destes projetos é gerar renda às comunidades localizadas na floresta amazônica. Por meio de atividades extrativistas sustentáveis, elas ao mesmo tempo preservam o bioma e conseguem sustentar as famílias da região, no modelo chamado de bioeconomia. “A Amazônia permite ao Brasil ser protagonista da agenda global de sustentabilidade, mas isso só vai ser efetivo se escolhermos apoiar a transição para uma economia de baixo carbono que valorize a regeneração e a biodiversidade da floresta, mas também as pessoas”, diz Denise Hills, diretora global de sustentabilidade da Natura.
Para trazer escala a estes projetos, em 2017 a Natura, o Itaú Unibanco e a organização sem fins lucrativos Instituto Ekos lançaram o programa “Compromisso com o Clima”. Trata-se da plataforma online Ekos Social que conecta projetos de neutralização de carbono com empresas que querem compensar suas emissões. Atualmente 2,8 milhões de toneladas de carbono estão disponíveis na plataforma por meio de 18 projetos, 800 mil a mais que no ano passado.
Entre as empresas participantes, estão a B3, Lojas Renner, MRV, RaiaDrogasil, Mattos Filho, Localiza e Ifood. “Observamos neste ano um crescimento significativo na procura de empresas interessadas em conhecer o programa, de aproximadamente 60% em relação ao ano passado”, diz Ana Cristina Mori, co-fundadora do programa e diretora presidente do Instituto Ekos. “A plataforma é uma maneira de fomentar estes projetos, porque o mercado está aquecido, mas certificá-los é muito caro e demorado, o que demanda um investimento grande. Uma das nossas frentes é incluir projetos menores para ajudá-los a acessar os grandes compradores de crédito”, diz ela.
Assim com o instituto Ekos, empresas privadas perceberam que intermediar a compra e venda de créditos de carbono é um mercado lucrativo. É o caso da Moss Earth, que tokeniza os créditos de carbono a fim de dar a eles mais transparência. O MCO2 token é listado na Gemini, uma das maiores corretoras de moedas digitais do mundo.
“Como o carbono é um ativo intangível, historicamente este setor teve muita fraude, as pessoas vendiam coisas que não existiam. Nós colocamos o ativo em uma blockchain, um sistema descentralizado, público e que reproduz todas as informações em tempo real”, diz Luis Adaime, CEO da Moss Earth. No ano passado, a empresa vendeu 6 milhões de dólares em créditos de carbono, e este ano este valor mais que dobrou, para 15 milhões de dólares. Em sua lista de clientes, há 190 empresas, entre elas Hering, Arezzo, Grupo SBF e C6 Bank.
Há, ainda, uma série de empresas ingressando neste mercado, como é o caso da Biofílica, da Ambipar, que atua com restauração florestal, e a própria Tesla, do bilionário Elon Musk, que recentemente arrecadou 500 milhões de dólares ao vender créditos de carbono provenientes de seus produtos sustentáveis. A falta de uma regulamentação sobre este mercado, porém, faz com que os créditos sejam negociados a preços locais que variam muito de região para região, e há falta de critérios mais específicos como os locais onde estas neutralizações precisam ser feitas para amenizar os impactos do aquecimento global.
Apesar de haver certificações privadas, normas claras que estabeleçam parâmetros internacionais precisam avançar, como por quanto tempo o projeto que vendeu o crédito de carbono se compromete a mantê-lo capturado em determinada reserva ambiental, bem como um regulador e um fiscalizador destas emissões.
“A maneira como o mercado de carbono está estruturada não necessariamente provoca uma redução de emissões”, diz Paulo Artaxo, um dos maiores especialistas brasileiros em clima e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, da ONU. “Dependente de como ele for regulamentado, por exemplo forçando uma redução de emissões, ele pode ser tornar uma boa ferramenta para diminuir as mudanças climáticas”, diz ele. Assim como Artaxo, os especialistas e empresários que atuam diretamente neste mercado torcem para que a COP26 defina parâmetros e normas para que este mercado avance, o que será benéfico para o meio ambiente e também para seus negócios.
* Luisa Purchio, jornalista da editoria de Economia de VEJA
Os desafios do Código Florestal brasileiro
Em maio de 2022, a Lei 12.651/2012, conhecida como Código Florestal, completa dez anos. Embora seja uma legislação moderna e das mais rigorosas do mundo, ela ainda enfrenta desafios em sua implementação. Entre os principais pontos está a necessidade urgente de análise dos dados declarados no Cadastro Ambiental Rural (CAR) para identificar, inclusive, sobreposições com terras públicas, unidades de conservação e terras indígenas.
Nesse cenário, é fundamental que o Brasil reúna todos os esforços para a implementação do Código Florestal, que é um importante instrumento para a conservação ambiental e o combate ao desmatamento ilegal. “Colocar o Código Florestal em pé é urgente e estratégico para que o país consiga cumprir os compromissos assumidos no Acordo de Paris”, declara Davi Bomtempo, gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Confederação Nacional das Indústrias (CNI).“A regularidade ambiental das propriedades rurais contribui ainda com a melhoria da imagem do Brasil perante seus principais parceiros comerciais”, afirma.
De acordo com o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), há quase 5,5 milhões de hectares de áreas rurais sobrepostas a áreas de conservação, o que representa 2% desses territórios. Já em terras indígenas a sobreposição de áreas rurais chega a 12,3 milhões de hectares, ou seja, 10,4% das áreas disponíveis. “Essa situação gera muita insegurança jurídica para os negócios e coloca em risco a conservação ambiental”, destaca Bomtempo.
Relatório Anual de Desmatamento no Brasil 2020, do MapBiomas do Observatório do Clima, mostra que, em 2019 e 2020, menos de 1,5% dos alertas de desmatamento incidiram sobre os imóveis inscritos no CAR, o que reforça que a implementação dessa ferramenta contribuirá para reduzir o desmatamento.
Com a adesão ao CAR, os produtores têm acesso mais fácil a crédito, conseguem acessar o seguro agrícola e, quando têm área preservada maior do que exigida na lei, conseguem comercializar seus créditos por meio da cota de reserva ambiental (CRA) com produtores de áreas em déficit de áreas preservadas.
O Código Florestal está entre as leis brasileiras mais discutidas em todos os tempos. A medida, que passou por um amplo processo de debate que durou cerca de cinco anos com diversos setores da sociedade, substituiu a anterior, de 1965. A versão de 2012 trouxe, pela primeira vez, a proteção à vegetação nativa, um tema de relevância não só nacional como mundial, sobretudo, por conta da importância da conservação florestal para a redução das emissões de gases de efeito estufa.
Esse instrumento foi mencionado em estudo da London School of Economics and Political Science de 2020 entre as principais iniciativas que contribuíram para o declínio do desmatamento no Brasil entre 2004 e 2012.
O engenheiro florestal Raimundo Deusdará, que é analista do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e esteve à frente das negociações para construção do Código Florestal, lembra do processo para se chegar a uma legislação que contemplasse as visões de todos os setores envolvidos.
“Foram inúmeras audiências públicas, vários debates, um processo caloroso de formulação dessa política ambiental”, lembra. “Se a política é a arte do possível, como dizem alguns autores, o Código Florestal Brasileiro é resultado disso. Foi o Código do possível, sem ressentimentos, pois não houve vencidos nem vencedores.”
Além disso, Deusdará destaca que a lei preservou princípios da primeira legislação sobre conservação florestal, de 1934, entre os quais a manutenção de áreas de conservação permanente e reservas legais.
Entre os avanços da legislação em relação às anteriores estão o estímulo a limites de áreas, o manejo florestal sustentável, o combate ao desmatamento, a forte adesão do setor agropecuário ao Cadastro Ambiental Rural (CAR), o gerenciamento estadual da regularização ambiental e o pagamento por serviços ambientais, que foi recentemente regulamentado.
Deusdará conta ainda que o setor industrial foi um forte indutor das leis florestais. A legislação de 1965, por exemplo, que regulamentou o reflorestamento com base em eucalipto, possibilitou o Brasil sair da situação de importador de papel e celulose para o maior exportador desses produtos. “Hoje somos líder no setor e detentor da melhor tecnologia de produção de floresta em massa, que também contribui para a retenção de carbono”, comemora Deusdará.
Dos mais de 7 milhões de cadastros no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), somente 3% foram analisados. Segundo João Adrien, diretor de Regularização Ambiental do SFB, problemas de sobreposição territorial estão presentes em cerca de 20% dos cadastros, isso sem falar em erros de declaração – que são bem mais significativos.
“Temos de finalizar essas análises até o dezembro de 2022, que é o prazo limite para os produtores rurais aderirem ao Programa de Regularização Ambiental (PRA)”, afirma. Sem o PRA os proprietários poderão ser autuados por supressão irregular de vegetação em áreas de preservação permanente e de reserva legal realizada antes de 22 de julho de 2008.
Na visão de Mauren Lazaretti, presidente da Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema), havia uma expectativa de que o CAR fosse realizado de forma mais simples. “O sistema é bastante complexo e exige uma série de ações, medidas, estruturas e dados para que pudesse chegar a ser um instrumento meramente declaratório, como inicialmente proposto”, relata.
Mauren, que também é secretária de Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso, conta que em 2014 o governo estadual decidiu migrar o CAR para o Sicar federal, mas resolveram retornar ao sistema estadual em 2016 porque a plataforma local conseguia impedir sobreposições de declarações. Hoje Mato Grosso é a unidade da federação que está com a análise do CAR mais adiantada: com 40% dos cadastros analisados.
“No Sicar, chegamos a ter 85% de sobreposição de propriedades, um índice absurdo e incompatível com a realidade do estado, que não tem essa quantidade de litígios por terra”, relata.
A maioria dos estados dependem do sistema federal para o cadastro ambiental das propriedades rurais. São 15 estados e o Distrito Federal que usam o Sicar, cinco adaptaram o Sicar para a realidade local e somente Tocantins usa um sistema híbrido. Os demais cinco estados contam com sistema próprio de cadastramento.
Outro desafio apontado no sistema é que a base de dados ambientais – como hidrografia e tipo de vegetação – do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), usada pelos estados, possui diferenças com a realidade do campo, principalmente nas zonas de transição entre biomas.
Por conta disso, Mauren afirma que são frequentes a solicitação de retificação manual dos cadastros para as equipes dos estados, que carecem de estrutura e pessoal para dar agilidade às análises. “Esse é um grande gargalo para estados que têm mais de um bioma. E estamos falando de muitos estados brasileiros, como Mato Grosso, Bahia, São Paulo e Minas Gerais”, declara. “Seria importante investir na construção de bases de dados referenciais com melhor qualidade e maior grau de precisão.”
Recentemente o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) lançou a Análise Dinamizada do CAR (AnalisaCAR), plataforma que usa sensoriamento remoto para verificar as informações geográficas declaradas pelos proprietários rurais. O diagnóstico analisa automaticamente a situação ambiental do imóvel rural em relação às APPs, reservas legais e áreas de uso restrito e, quando for o caso, áreas de excedentes de vegetação nativa.
Ao todo, 11 estados devem começar a usar o sistema ainda neste ano e mais 11 até o fim do ano que vem. Até o momento, Amapá, Paraná e Distrito Federal implantaram o AnalisaCAR e Amazonas e Sergipe estão em processo de implantação.
Na visão de Mauren, embora a análise dinamizada deva aumentar significativamente o número de cadastros analisados, não deve resolver a questão de territórios com declarações sobrepostas, que dependerão de análise humana.
Outra iniciativa recente é o Módulo de Regularização Ambiental, para que os produtores que aderirem a iniciativa se adequem à legislação. Por meio dessa ferramenta, o Sistema Florestal Brasileiro poderá monitorar a restauração florestal em propriedades rurais e ter informações como os tipos de espécies usadas, locais onde estão sendo feitas recuperações e compensações florestais, além de boas experiências.
“Com o CAR e o PRA, começamos a planejar essa economia da recuperação florestal que será tão importante não só para a adequação florestal dos produtores, mas também para apoiar o país a atingir suas metas no Acordo de Paris”, afirma Adrien.
O futuro é reciclável
A economia circular associa desenvolvimento econômico ao melhor uso de recursos naturais por meio de novas oportunidades de negócios e da otimização na fabricação de produtos. A ideia é depender menos de matéria-prima virgem, priorizando insumos mais duráveis, recicláveis e renováveis. O conceito de economia circular surge como um contraponto ao modelo econômico linear – de extração de matéria-prima, transformação, uso e descarte de resíduos –, que está atingindo seu limite.
A nova tendência faz com que as empresas não apenas reduzam custos e perdas produtivas, mas criem novas fontes de receita. Por exemplo, ao comercializar resíduos úteis a outros processos produtivos. A economia circular também contribui para promover o desenvolvimento de novos elos na cadeia produtiva, por meio de práticas como otimização de processos, produto como serviço, compartilhamento, extensão da vida do produto, insumos circulares, recuperação de recursos e virtualização.
Nos últimos 30 anos, apesar dos avanços tecnológicos e do aumento da produtividade dos processos industriais, que hoje extraem 40% mais valor econômico das matérias-primas, a demanda aumentou 150%. Isso mostra que não é possível manter o modelo linear no longo prazo, mesmo com maior eficiência no uso de insumos. Trata-se de uma mudança de comportamento e também de estratégia.
Centros científicos de excelência, um mercado consumidor gigante e uma base industrial grande e diversificada tornam o Brasil atrativo para a economia circular, modelo que alia desenvolvimento econômico ao melhor uso de recursos naturais por meio de novas oportunidades de negócios e da otimização na fabricação de produtos.
A multinacional Flex, do setor eletroeletrônico, vislumbrou esse potencial do país e, desde 2013, criou uma nova frente de negócios que existe só no Brasil, voltada à recuperação de resíduos eletrônicos de empresas para as quais fornece.
Em 2018, a fábrica de Sorocaba (SP) ganhou o certificado Zero Waste, por um processo de eliminação de 100% dos resíduos eletrônicos da HP, sua principal cliente. Foi a primeira fábrica do grupo no mundo que ganhou esse certificado. Hoje, a empresa destina à reciclagem os mais diversos tipos de resíduos, de metais a papelões e até borracha.
A experiência da Flex foi apresentada no Encontro Nacional da Indústria (ENAI), promovido em novembro de 2020 pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). A economia circular está diretamente relacionada à competitividade empresarial, pois permite que as empresas reduzam custos e perdas, gerem fontes alternativas de receita, diminuam a dependência de matérias-primas virgens e reduzam as emissões de gases de efeito estufa.
Para incentivar a circularidade, a Organização Internacional de Normalização (ISO, na sigla em inglês) está construindo uma norma técnica internacional de economia circular com a participação de representantes de 70 países, incluindo o Brasil. A CNI representa o Brasil e a América Latina nesse processo.
De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), Mário William Esper, a participação do Brasil nessas discussões é fundamental para ter os interesses do país contemplados. Entre as questões está o reconhecimento da geração de energia térmica a partir de resíduos como um caminho de transição para a economia circular.
Pesquisa da CNI mostra que 76,4% das indústrias brasileiras adotam alguma prática de economia circular, mas 70% delas nunca tinha ouvida falar do tema. O levantamento mostrou que a indústria brasileira tem avançado em práticas como reúso de água, a reciclagem de materiais e a logística reversa. Um dado ressalta a importância estratégica do assunto. Como a pesquisa teve um caráter esclarecedor, ao fim do questionário, 88,2% avaliam a economia circular como importante ou muito importante para a indústria brasileira.
A indústria, por exemplo, já tem avançado em práticas como o reúso de água, a reciclagem de materiais e a logística reversa, que contribuem para o uso mais eficiente de recursos, a redução de custos e a sustentabilidade do meio ambiente e da atividade produtiva, mas ainda há um enorme potencial a ser explorado para que o país seja protagonista no uso eficiente de recursos naturais.
Segundo a pesquisa, 60% das indústrias entendem que as práticas de economia circular podem contribuir para a geração de empregos na própria empresa e/ou na cadeia produtiva do setor. Para tanto será necessária uma ação coordenada entre governo, empresas e consumidores, conforme os resultados da pesquisa: 73% consideram que a transição para a economia circular deve ser uma responsabilidade compartilhada.
Quando perguntados sobre a primeira palavra que vem a mente ao ouvir falar o termo economia circular, os empresários e representantes das indústrias mencionaram, em sua maioria, as palavras “sustentabilidade” e “reciclagem”.
A pesquisa revela também que a maioria das empresas que adotou práticas de economia circular foi motivada pela busca por maior eficiência operacional, com 47,3% das respostas. Na sequência, aparece como razão a oportunidade de novos negócios, com 22,6%. Aliar eficiência a novos modelos é imprescindível e necessário para a sociedade ser mais sustentável e acabar com o que chamamos de “lixo”, de forma a considerar todo o material utilizado no dia a dia como recurso útil e reutilizável.
A redução de custos é outra motivação para empresas que adotam práticas de economia circular, segundo 75,9% dos entrevistados. O percentual é idêntico aos que responderam que suas empresas utilizam a matéria prima ao máximo, sem desperdícios. Outro dado interessante diz respeito à quantidade de empresários – 72,4% – que consideram que a economia circular pode ajudar a fidelizar o cliente.
A pesquisa realizada pela CNI usou amostra de 1.261 empresas industriais da área correlacionada ao tema, escolhidas de forma aleatória, considerando a abrangência nacional. O campo foi feito com 170 indústrias. A margem de erro é de 5,5% para mais ou para menos.
Para que lógica circular se realize no Brasil, será necessário maior investimento em educação e inovação. Em um primeiro momento, as empresas terão de investir, mas em uma etapa seguinte será possível diminuir custos operacionais, por meio de processos mais eficientes e voltados para o reaproveitamento de resíduos e utilização de bens reciclados.
No entanto, há um enorme potencial a ser explorado para que o país seja protagonista no melhor uso de recursos naturais e em inovação de produtos para ter maior vida útil e de modelos de negócios que explorem mais novidades como a virtualização e o compartilhamento de produtos e serviços.
O setor de cimento há anos encontrou nos resíduos uma fonte alternativa ao coque – subproduto do refino de petróleo – para a produção de energia, que representa 50% dos custos do segmento. Hoje o nível de substituição do coque por resíduos chega a cerca de 17% e a projeção é chegar a 55% até 2050. Entre os materiais coprocessados, estão cerca de 65 milhões de unidades de pneus por ano e biomassas típicas de cada região, como açaí, casca de arroz, casca de babaçu, cavaco de madeira, além de resíduos industriais e lixo doméstico.
Nos ultimos 30 anos, o setor conseguiu reduzir significativamente as emissões de CO2 por tonelada de cimento. Em 1990, emitia 700 quilos de CO2 por tonelada; em 2014, chegou a 564 quilos por tonelada; e hoje é 520 quilos por tonelada. O setor está com a meta de reduzir as emissões para 375 quilos de CO2 por tonelada de cimento até 2050, em linha com o Acordo de Paris.
Para isso, estender o uso de resíduos na geração de energia térmica será fundamental e o setor se articula com os governos estaduais para alinhar normas de licenciamento ambiental com a resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) recentemente aprovada, que estabelece critérios para o coprocessamento de resíduos.
É necessário dinamizar o co-processamento de resíduos, uma prática disseminada em diversos países, que aumenta a competitividade do setor e está integrada à economia circular e a Indústria 4.0. O Brasil é um país que ainda enterra energia”, diz Penna. “Precisamos acabar com essa prática. Além disso, a utilização do resíduo doméstico como fonte de energia contribuirá para a erradicação dos lixões, presentes em mais de 3 000 municípios brasileiros, e contribuirá para o aumento da vida útil de aterros sanitários.
O setor de produtos de limpeza também faz esforços para a produção cada vez mais sustentável e está atento à logística reversa das embalagens. Hoje 22% das embalagens de produtos como sabão líquido, desinfetantes, água sanitária e amaciantes consumidos estão retornando para a reciclagem.
Segundo Paulo Engler, presidente executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Produtos de Higiene, Limpeza e Saneantes de Uso Doméstico e de Uso Profissional (Abipla), a coordenação da logística reversa de embalagens é complexa e ainda apresenta desafios para se avançar.
Em grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro, essa operação é mais fácil. Mas precisamos avançar em municípios menores, com o estímulo à criação de novas cooperativas de reciclagem. Outro desafio, na visão do presidente da Abipla, é remover a dupla tributação dos reciclados, o que pode tornar desigual a concorrência com as matérias-primas virgens.
O aço é dos materiais mais usados no mundo e está nos mais diversos lugares – edifícios, infraestrutura, carros e caminhões, equipamentos domésticos, embalagens, entre outros. O Brasil é o 9º maior produtor mundial de aço e, em 2019, foram produzidos 29 milhões de toneladas de aço no país, segundo dados do Instituto Aço Brasil. Isso gerou 18 milhões de toneladas de coprodutos e resíduos dos quais 94% foram reaproveitados no processo produtivo siderúrgico e de outros setores, como o cerâmico.
O aço é um material nobre e tem índice de reciclagem elevado, em cerca de 85%. Mesmo com tantos atributos que favorecem esse material, o setor é incansável em buscar inovações e novos modelos de negócio que ajudem o aço a ser cada vez mais reutilizável, sem precisar passar diversas vezes pela reciclagem, como consumo de energia e outros insumos.
O foco do setor está na economia circular, que associa desenvolvimento econômico ao melhor uso de recursos naturais por meio de novas oportunidades de negócios e da otimização na fabricação de produtos. A ideia é depender menos de matéria-prima virgem, priorizando insumos mais duráveis, recicláveis e renováveis. O conceito de economia circular surge como um contraponto ao modelo econômico linear – de extração de matéria-prima, transformação, uso e descarte de resíduos –, que está atingindo seu limite.
Desde 1990, apesar dos avanços tecnológicos e do aumento da produtividade dos processos industriais, que hoje extraem 40% mais valor econômico das matérias-primas, a demanda aumentou 150%. Isso mostra que não é possível manter o modelo linear no longo prazo, mesmo com maior eficiência no uso de insumos.
A nova tendência faz com que as empresas não apenas reduzam custos e perdas produtivas, mas criem fontes de receita. Por exemplo, ao comercializar resíduos úteis a outros processos produtivos. A economia circular também contribui para promover o desenvolvimento de novos elos na cadeia produtiva, por meio de práticas como otimização de processos, produto como serviço, compartilhamento, extensão da vida do produto, insumos circulares, recuperação de recursos e virtualização.
Exemplo de que usou a economia circular para transformar o modelo de negócios é a da multinacional ArcelorMittal, presente em 60 países e com 17 mil trabalhadores no Brasil. Ela inova no modelo de negócios ao alugar estacas pranchas metálicas para atender obras de contenção temporária em substituição a estruturas de concreto, mais difíceis de ser removidas.
A empresa vende e reusa internamente em torno de 90% dos resíduos gerados na produção. Outra iniciativa são parcerias com indústrias automotiva e de equipamentos domésticos para intensificar a recuperação de produtos em fim de uso e aumentar o uso de sucata como matéria-prima.
Outra estratégia de economia circular da ArcelorMittal é o plantio de florestas de eucalipto renováveis. A empresa conta com 135 mil hectares de terra restaurada e usa a madeira do eucalipto plantado para produção de carvão vegetal que é usado como redutor nos altos-fornos da unidade de Juiz de Fora (MG).
O carbono presente no carvão vegetal transforma-se em CO2 nos Altos-Fornos e em seguida é absorvido pelas florestas renováveis, retornando à sua forma original de Carbono, e assim garantindo a circularidade.
Uma transição gradual para a economia circular é o ponto central das propostas da CNI ao comitê da norma de economia circular da Organização Internacional de Normalização (ISO, na sigla em inglês), formado por 70 países. A indústria brasileira quer que práticas como recuperação energética de resíduos e eliminação de desperdícios nos processos produtivos sejam considerados na norma internacional para o processo de transição para a economia circular. A previsão é que a norma técnica entre em vigor a partir de 2023.
Levantamento sobre o perfil dos consumidores brasileiros feito pela CNI em janeiro do ano passado mostra que 38% dos entrevistados sempre verificam ou verificam às vezes se os produtos foram produzidos de forma ambientalmente correta. A pesquisa revela que os brasileiros também têm mais consciência sobre o destino do lixo. O número de pessoas que separa o lixo para a reciclagem cresceu de 47%, em 2013, para 55% no ano passado.
Atenta ao movimento, há cerca de dois anos a Coca-Cola anunciou o objetivo de coletar e reciclar 100% de todas as garrafas e latas que vender em todo o mundo até 2030. A meta faz parte de um plano da empresa chamado World Without Waste (Mundo Sem Resíduos) e envolve sua rede global de parceiros engarrafadores. Logo em seguida ao anúncio internacional, a Coca-Cola Brasil anunciou o investimento de R$ 100 milhões na criação de um único formato de garrafas PET retornável para todas as suas marcas de refrigerantes.
Assim, cada vez que a garrafa voltar à fábrica, a embalagem 100% reciclável poderá receber o conteúdo de qualquer produto da Coca-Cola Brasil e um rótulo de papel destacável para cada produto. Antes, além de garrafas diferentes, os rótulos eram impressos em tinta, o que prejudicava a reciclagem.
As garrafas retornáveis com rótulo de papel destacável também foram adotadas na Argentina, Chile, Peru e Colômbia. No Brasil, atualmente, cerca de 22% dos produtos comercializados pela Coca-Cola são retornáveis. A meta é chegar a 25% até 2030.
A economia circular associa desenvolvimento econômico ao melhor uso de recursos naturais por meio de novas oportunidades de negócios e da otimização na fabricação de produtos. A ideia é depender menos de matéria-prima virgem, priorizando insumos mais duráveis, recicláveis e renováveis. O conceito de economia circular surge como um contraponto ao modelo econômico linear – de extração de matéria-prima, transformação, uso e descarte de resíduos –, que está atingindo seu limite. Abaixo, alinham-se sete práticas que caracterizam a e economia circular.
Produto como serviço
Foco na função e nos serviços fornecidos por meio do uso de produto, principalmente com contratos de locação. O negócio é atraente para empresas que tenham custos altos com um produto e que identifiquem fornecedores com a competência para dar suporte e manutenção. Exemplo dessa prática é a Philips Lighting, que migrou da venda de lâmpadas para iluminação como serviço.
Compartilhamento
Aumento da eficiência de um produto pelo compartilhamento de uso, acesso e propriedade. Essa prática pode ser não-monetizada, por meio da participação dos membros da comunidade para compartilhar bens e serviços; e monetizada, como o aluguel do tempo ocioso de plantas industriais. Cervejarias artesanais têm se beneficiado desse modelo.
Insumos circulares
Negócios que usam matéria-prima reciclada ou de fonte renovável. Um dos fatores de sucesso dessa prática está relacionado à redução da dependência de recursos naturais finitos e, ao mesmo tempo, estimula a inovação de produtos que possam voltar ao ciclo produtivo após o uso. A Braskem, por exemplo, fabrica o plástico à base de cana-de-açúcar.
Recuperação de recursos
O objetivo é recuperar valor e função dos produtos, componentes e materiais por meio da remanufatura e reciclagem. Essa prática reduz a demanda por recursos naturais e o desperdício de componentes e materiais, além de criar valor para o que já foi considerado descarte. Para a viabilidade dessa prática, é fundamental a implantação de um sistema de logística reversa. Exemplo dessa prática é o da Sinctronics, responsável por recolher equipamentos eletrônicos, desmontá-los e transformá-los em matéria-prima para produtos novos.
Virtualização
Com o desenvolvimento da capacidade de processamento de componentes eletrônicos, a computação em nuvem e redes de inteligência artificial, muitos serviços e atividades antes feitos por meio físico passam a ser entregues de forma digital. Entre os exemplos desse modelo está a Netflix, que substituiu as locadoras de vídeos.
Extensão da vida do produto
Aumento da vida útil de um produto e geração de receitas adicionais pela oferta de serviços, como manutenção e inovação no desenho do produto. Essa prática é apropriada para a maior parte de negócios entre empresas, como é o caso do setor de máquinas e equipamentos.
Otimização de processos
Redução do desperdício de materiais dentro da própria empresa por meio de aumento da eficiência no uso de matérias-primas, de água e de energia via não-geração, redução ou reaproveitamento de resíduos. Exemplo disso são as empresas de papel e celulose aproveitarem o licor negro que sai da madeira processada para gerar energia na produção.
A economia circular faz com que as empresas não apenas reduzam custos e perdas produtivas, mas criem novas fontes de receita. Por exemplo, ao comercializar resíduos úteis a outros processos produtivos. A economia circular também contribui para promover o desenvolvimento de novos elos na cadeia produtiva, por meio de práticas como otimização de processos, produto como serviço, compartilhamento, extensão da vida do produto, insumos circulares, recuperação de recursos e virtualização.
Bioeconomia: a preservação da natureza como fonte de riquezas
Medicamentos, biocombustíveis, cosméticos, tecidos, fibras de vidro. A biodiversidade aliada à tecnologia de ponta oferece possibilidades hoje incalculáveis de criar produtos e formas de fabricá-los. Essa é a promessa da bioeconomia. Se o Brasil a entender como uma das maiores chances de se desenvolver de maneira sustentada, passa a apresentar uma considerável dianteira frente de outras economias. É a vantagem de ter 20% da biodiversidade do planeta – a maior do mundo.
Não há estimativas do quanto a aposta na bioeconomia renderia à economia brasileira. A perspectiva somente para a biotecnologia industrial, um dos segmentos da bioeconomia, pode trazer 53 bilhões de dólares ao PIB brasileiro por ano daqui a duas décadas. Mas, se servir de exemplo o caso da União Europeia, os números enchem os olhos: no bloco, a bioeconomia movimenta 2,3 trilhões de euros, quase o PIB da França, a 7ª economia do mundo; e emprega 18 milhões de pessoas.
Entretanto, apenas vantagens competitivas não bastam para que o Brasil lidere esse mercado. Tal desafio começa por inserir a bioeconomia como estratégia de crescimento do país e passa pelo aperfeiçoamento de normas e do sistema de inovação.
A bioeconomia é uma importante alternativa para o desenvolvimento sustentável da Amazônia e para o cumprimento do compromisso brasileiro de redução de emissões de gases de efeito estufa, estabelecido no Acordo de Paris. Isso porque a conservação da floresta passa a gerar mais riquezas e, com isso, aumenta o seu valor frente a outras formas de exploração econômica.
Entre os setores da indústria brasileira que vão crescer com o fortalecimento dessa agenda está o de medicamentos, cuja relação com os ativos da natureza vem de longa data. A experimentação e o uso de substâncias provenientes de plantas, minerais e animais para o tratamento de doenças remonta aos primórdios da humanidade. No entanto, a aplicação do conhecimento científico nesse processo começou por volta do século XVIII. Mesmo com significativa presença de medicamentos sintéticos, muitos fármacos modernos continuam usando recursos naturais. E o uso de insumos biológicos deve crescer ainda mais no futuro.
Entre exemplos de remédios que usaram recursos da biodiversidade nacional estão pomada para aliviar tratamento de inflamações nos tendões e músculos a partir da Cordia verbanacea, conhecida como erva baleeira, nativa da Mata Atlântica.
O presidente do Grupo FarmaBrasil, Reginaldo Arcuri, destaca os anticorpos monoclonais – remédios de origem biológica conhecidos pela precisão e criados para combater de câncer a doenças autoimunes. Nesse sentido, a pesquisa de substâncias naturais é cada vez mais importante para a produção de moléculas. Principalmente para o desenvolvimento de medicamentos para doenças com mecanismos muito complexos.
Com tantas oportunidades em vista, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) lançou em agosto um estudo em que enumera desafios para o país dar saltos mais expressivos, divididos em três frentes: regulamentação, inovação e investimentos. Entre as questões mais urgentes está a construção de uma estrutura de governança, liderada pelo governo com apoio da indústria e da academia, e a elaboração de uma política nacional de bioeconomia.
Mesmo com tantos desafios, o setor farmacêutico é um dos mais otimistas. A criação do GT-Farma, grupo interministerial liderado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), foi uma iniciativa particularmente promissora. O grupo vai discutir e formular uma proposta de política de desenvolvimento tecnológico e de incentivo à inovação voltada para os setores de insumos farmacêuticos e de medicamentos.
Estimulado pelas oportunidades decorrentes da biodiversidade brasileira o Grupo Centroflora, fabricante de extratos botânicos, óleos essenciais e ativos isolados para a indústria farmacêutica, está desenvolvendo uma plataforma que reúne uma biblioteca inédita de produtos naturais com extratos da flora de quatro biomas brasileiros — Amazônia, Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica. Só na Floresta Amazônica, são 40 000 espécies identificadas. Na Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga são respectivamente 20 000, 11 000 e 923 espécies. O objetivo do projeto é coletar plantas, encontrar os componentes mais relevantes e reunir esse acervo no que pretende ser uma das maiores coleções de produtos naturais do mundo.
O desafio é gigantesco. Os biomas reúnem um potencial de diversidade química cinco vezes maior que todas as moléculas naturais conhecidas. Para acelerar as descobertas, a partir deste ano, a empresa conta com o acelerador de partículas Sírius, moderníssima fonte de luz síncroton – tipo de radiação eletromagnética de alto fluxo e alto brilho, que permite analisar em detalhes estruturas moleculares nunca estudadas antes. Os dados e resultados da biblioteca de extratos da Centroflora chamaram a atenção da Aché. A farmacêutica e a empresa paulistana firmaram uma parceria, em 2017, para dois projetos de descoberta nas áreas de oncologia e dermatologia.
O exemplo da Centroflora traz à tona a importância da bioprospecção e do mapeamento de novas espécies da biodiversidade brasileira para atrair investimentos. Nos Estados Unidos e na Europa, trabalhos assim estão bem adiantados, com o levantamento de espécies e de matérias-primas renováveis e com possibilidades para exploração econômica dos recursos.
Um problema sério que afeta o avanço da exploração mais eficiente do potencial bioeconômico brasileiro é a falta de dados sobre as atividades envolvendo alguns setores industriais que poderiam ter melhor aproveitamento de insumos de origem vegetal. É o caso do aproveitamento da celulose do bagaço da cana-de-açúcar. Especialistas acreditam que usar esse tipo de insumo apenas na produção de etanol de 2ª geração (E2G) é bastante limitada, já que há várias outras aplicações, como a produção de viscose para a indústria têxtil, por exemplo. Enquanto no processo de produção de E2G perde-se 50% do CO2 da biomassa para a atmosfera e o ganho final com o produto chega a 600 dólares por tonelada, na produção de viscose o aproveitamento da biomassa é de 100% e o custo da tonelada do produto é quase três vezes maior.
Para sanar parte da carência de dados, a Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI) projetou o potencial de crescimento do setor de biotecnologia industrial – um dos segmentos da bioeconomia – para os próximos 20 anos. Segundo a entidade, o setor pode agregar aproximadamente 53 bilhões de dólares anuais à economia brasileira, sendo 20 bilhões em 120 unidades para produção de etanol de segunda geração e 33 bilhões de bioprodutos derivados da celulose. Para isso, as empresas do setor precisariam investir aproximadamente 132 bilhões de dólares ao longo dos 20 anos.
O presidente da ABBI, Thiago Falda, destaca que hoje o Brasil produz 30 bilhões de litros de etanol de primeira geração. Com os investimentos, pode chegar a 60 bilhões de litros. Desse incremento, 20 bilhões seriam de etanol de segunda geração e 10 bilhões de primeira geração.
Outra prioridade para o avanço da bioeconomia está no aperfeiçoamento da legislação, tanto de normas relacionadas ao uso da biodiversidade quanto para inovação e propriedade intelectual. Nesse sentido, o país precisa garantir procedimentos mais rápidos sem abrir mão da biossegurança. Existe atualmente um represamento enorme de empresas que querem fazer pesquisa com princípios ativos do Brasil e não se consegue avançar em meio aos empecilhos e deficiências regulatórias.
Exemplo de oportunidade perdida ocorre na exploração do babaçu, um ativo da biodiversidade brasileira. A burocracia e a insegurança sobre o que pode render uma autuação pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) faz com que o insumo brasileiro seja preterido por similares estrangeiros na fabricação de sabão, por exemplo. O óleo de palmiste vem sendo mais usado porque é produzido a partir do dendê, de matriz africana, que não está sujeito às mesmas exigências para ser explorado economicamente.
Outro tema que precisa ser regulamentado é a questão dos bioinsumos para fabricar fertilizantes e defensivos, considerados a próxima onda no setor de produtos usados na agropecuária. Segundo estudo recente da Annual Biocontrol Industry Meeting (Abim), o mercado mundial de bioinsumos gira em torno de 5,2 bilhões de dólares, com taxa de crescimento superior a 15% ao ano. A previsão é de que o setor dobre de tamanho até 2025, chegando a 11,2 bilhões de dólares. Para a América Latina, a expectativa é que o faturamento do mercado triplique nos próximos cinco anos.
De olho nesse potencial, há grandes empresas multinacionais, como Bayer, Corteva e Syngenta, interessadas no mercado brasileiro, que, além de extremamente atrativo, é considerado a porta de entrada para os bioinsumos na América Latina. O investimento, porém, precisa ser precedido de segurança jurídica sobre padrão de qualidade.
Em vigor desde 2015, a Lei da Biodiversidade e, mais recentemente, a ratificação do Protocolo de Nagoia no Congresso Nacional representam avanços para a bioeconomia no país, principalmente por formarem um arcabouço jurídico sobre o tema no país. O Governo Federal depositou a Carta de Ratificação na Convenção da Diversidade Biológica (CDB), da Organização das Nações Unidas (ONU), em maio, o que viabiliza a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos da biodiversidade, como plantas, animais e micro-organismos, e dos conhecimentos tradicionais a eles associados. O tratado abrange pontos como pagamento de royalties, estabelecimento de joint ventures (associação de empresas), financiamentos de pesquisa, compartilhamento de resultados e transferência de tecnologias e capacitação.
A adesão do país ao Protocolo de Nagoia contribuirá para trazer segurança jurídica aos usuários e fornecedores de material genético e poderá desempenhar papel importante no processo de valorização dos ativos ambientais brasileiros, sobretudo no âmbito do pagamento por serviços ambientais e no desenvolvimento da bioeconomia.
O avanço da bioeconomia depende também de aperfeiçoamentos no sistema de inovação do país. Um dos grandes apelos de empresários, da academia e de representantes do governo federal é pela liberação dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Em 2020, mesmo com a necessidade de encontrar soluções para o enfrentamento à pandemia, apenas R$ 600 milhões de um orçamento de 5,2 bilhões de reais foram repassados. A CNI tem articulado no Congresso Nacional para aprovar o projeto de lei que veda o contingenciamento dos recursos para ciência, tecnologia e inovação.
O professor Roberto Berlinck, do Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP), defende a liberação dos recursos para não interromper as pesquisas e para que o investimento volte em forma de resultados para o país. No momento, Berlinck está dedicado a pesquisar substâncias anti-cancerígenas da própolis vermelha, extraída de colmeias em Alagoas. Mais rara que a própolis verde, amarela e marrom, a própolis vermelha tem o Brasil como um de seus maiores produtores mundiais. Encontrado exclusivamente no estado de Alagoas, o composto é produzido por abelhas da espécie Apis mellifera, que se alimentam de uma resina avermelhada presente nos caules da árvore Dalbergia ecastaphyllum, popularmente conhecida como Rabo-de-bugio.
A continuidade dessas e outras pesquisas com a biodiversidade brasileira mostra que o país tem um longo caminho pela frente. É preciso persistência, paciência e recursos humanos, tecnológicos e financeiros. Potencial o Brasil tem. A questão agora é planejar e fazer as escolhas certas para não perder mais uma oportunidade.
Protocolo de Nagoia: desenvolvimento econômico e biodiversidade
No último dia 4 de março, o Brasil depositou na Organização das Nações Unidas (ONU) a carta de ratificação do Protocolo de Nagoia sobre Acesso e Repartição de Benefícios da Convenção de Diversidade Biológica (CDB). A expectativa da ratificação pelo Brasil era elevada, principalmente porque o país foi protagonista das negociações do acordo. Em junho, contados 90 dias do depósito, o acordo entrou em vigência e o país garantiu seu direito a voto na reunião da CDB realizada na cidade de Kunming, na China, relacionada ao protocolo.
Menos conhecido quando comparação a outros protocolos relativos a assuntos ambientais, como o de Kyoto, ou o Acordo de Paris, o Protocolo de Nagoia é fundamental para o desenvolvimento econômico e o futuro da biodiversidade do Brasil. O documento estabelece regras internacionais para a utilização e a repartição de benefícios do uso econômico de recursos genéticos da biodiversidade. Contando com o Brasil, 130 países já o ratificaram.
Trata-se de um acordo multilateral complementar à CDB e foi aprovado em outubro de 2010, durante a Conferência das Partes (COP) da Biodiversidade realizada em Nagoia, no Japão. Por meio dele, um produtor brasileiro que pretenda usar uma espécie originária da China para a produção de um novo medicamento, por exemplo, deverá respeitar as exigências da legislação chinesa. O governo brasileiro, por sua vez, deve assegurar o cumprimento da legislação ou regulamentos nacionais do outro país.
O intuito é ter um sistema de cooperação global que assegure que esses recursos foram obtidos de forma legítima e que o país obteve os benefícios previstos em sua legislação.
Para a indústria, a adesão ao protocolo representa uma oportunidade para o país. A partir dele o Brasil pode alcançar um protagonismo maior na agenda de biodiversidade, uma vez que concentra a maior multiplicidade biológica do mundo. Além disso garante melhores perspectivas de negócios às empresas brasileiras usuárias da biodiversidade estrangeira.
Nagoia reforça a necessidade de proteger o conhecimento tradicional associado aos recursos biológicos, que já é bastante enfatizado na CDB.. As comunidades indígenas e locais dependem dos recursos e são consideradas guardiões da biodiversidade. Assim, os conhecimentos tradicionais também são passíveis de repartição e é necessário incluí-los nas regras e procedimentos das partes.
Pelos termos do tratado, a divisão, entre os países, dos benefícios resultantes de pesquisas com a biodiversidade e a utilização do conhecimento tradicional de comunidades indígenas e locais pode ser, inclusive, monetária. Assim, o Protocolo de Nagoia abrange pontos como pagamento de royalties, financiamentos de pesquisa, compartilhamento de resultados, transferência de tecnologias e capacitação e acesso de um país a recursos genéticos de outro, como plantas e animais, mediante negociações prévias.
Um dos motivadores para a elaboração do tratado foi a necessidade de combate à biopirataria. Os países que são alvo dessa prática são justamente os países mais ricos em biodiversidade, como o Brasil. Com o acordo, há estímulo para que países criem leis próprias de biodiversidade e ofereçam mais segurança jurídica e transparência para provedores e usuários dos recursos genéticos, o que pode inibir essa prática ilegal.
Essa prática prejudica a economia dos países porque não há repartição de benefícios de produtos biotecnológicos comercializados com o país detentor do recurso e nem com comunidades tradicionais. Sem contar os danos ao meio ambiente, com a ameaça de redução da população das espécies ao explorá-las de forma predatória. Breve histórico da repartição equilibrada de recursos genéticos da biodiversidade.
Quando a CDB foi estabelecida, na Eco-92, seus objetivos já previam a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos da biodiversidade.
A convenção mudou o paradigma que considerava os recursos biológicos como bens comuns da humanidade. A partir do acordo, passou-se a reconhecer a soberania dos países sobre a biodiversidade. Com isso, as nações passaram a regular o acesso e a utilização dos seus recursos.
No entanto, na prática, as normas nacionais eram insuficientes para concretizar a repartição de benefícios, uma vez que as regras só têm efeito dentro dos limites territoriais nacionais, apesar da circulação de recursos genéticos circulavam entre os países. Para solucionar a questão, criou-se o grupo de trabalho dedicado especificamente a esse assunto na COP 5, realizada em 2000, em Nairobi, no Quênia.
Na COP 6, em 2002, em Haia, na Holanda, foram estabelecidas as Diretrizes de Bonn, para auxiliar os governos na adoção de medidas para reger o acesso e a repartição justa e equitativa de benefícios pelo uso sustentável de recursos genéticos.
Consideradas ainda insuficientes para resolver a questão, as medidas foram precursoras do Protocolo de Nagoia, criado em 2010 na COP 10, no Japão.
A participação do Brasil no tratado é fundamental para que o país possa integrar debates em torno de temas importantes, como regras para repartição de benefícios relacionadas às informações de sequências digitais de recursos genéticos (DSI, na sigla em inglês). Esse tema, por exemplo, esteve na pauta dos debates da próxima Conferência das Partes da CDB (COP15), em Kunming.
Patrimônio genético brasileiro
Desde 2015, a Lei da Biodiversidade (Lei 13.123) disciplina o acesso e a divisão dos benefícios pelo do patrimônio genético brasileiro. A CNI participou da construção do marco legal, considerado uma das mais modernas leis de biodiversidade do mundo.
Com essa experiência, a indústria brasileira entende que o país pode contribuir para inspirar novas regras no Protocolo de Nagoia. O acordo é importante para estabelecer um regime de governança internacional ao comércio exterior de produtos que utilizam a biodiversidade, assim como resguarda o direito das partes em manter os benefícios do uso de seus ativos naturais e estimula pesquisa, desenvolvimento e inovação dever de casa a ser feito para implementar o Protocolo de Nagoia.
O estudo Análise dos Impactos Regulatórios da Ratificação do Protocolo de Nagoia para Indústria Nacional, realizado pela Confederação Nacional da Industria, apresenta as obrigações que o Brasil deverá cumprir após a ratificação, assim como medidas a serem adotadas pela indústria e pelo governo.
Entre elas estão, por exemplo, a criação de instrumentos de fiscalização de cumprimento da legislação nacional em entidades estrangeiras, o estabelecimento de mecanismos de controle da legislação de outros países no Brasil e a criação de mecanismos de rastreabilidade capazes de identificar a origem das espécies e os conhecimentos tradicionais a elas associados.
A CDB e a bioeconomia
Para o avanço da bioeconomia, que alia recursos biológicos a tecnologias inovadoras, é preciso ter regras claras e implementar um sistema sobre o uso sustentável e repartição equitativo dos benefícios gerados pelo patrimônio genético de flora e fauna. O principal fórum para tratar desses temas é a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), da Organização das Nações Unidas (ONU).
A Convenção sobre Diversidade Biológica é o principal fórum mundial de discussão sobre a biodiversidade em três frentes: ecossistemas, espécies e recursos genéticos. Ela estabelece ações que os países devem tomar para conservar a biodiversidade, como divulgar e informar a população sobre os recursos naturais nacionais, criar leis para definir o acesso aos recursos genéticos e promover acesso a tecnologias e o intercâmbio de informações.
O fórum funciona ainda como uma espécie de arcabouço legal e político para diversas outras convenções e acordos ambientais mais específicos. Entre os quais estão o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, o Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura (TIRFAA) e o Protocolo de Nagoia.
Os três objetivos principais da CDB são a conservação da diversidade biológica, o uso sustentável da biodiversidade e a repartição justa e equitativa dos benefícios advindos do uso da recursos genéticos e conhecimento tradicional associado aos recursos, respeitada a soberania de cada nação sobre o patrimônio genético existente em seu território.
Apesar da discussão sobre sustentabilidade e bioeconomia ter ganhado corpo nos últimos anos, o ponto de partida desse movimento é a CDB. Esse é o primeiro tratado mundial dedicado a promover o uso sustentável, a conservação e a repartição equitativa dos benefícios que vêm da biodiversidade. A assinatura da convenção por 150 países aconteceu no Brasil, no Rio de Janeiro, durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, conhecida como Eco92, em junho de 1992.
De lá para cá, mais de 160 países assinaram o acordo, que entrou em vigor em dezembro de 1993. No Brasil, a ratificação da CDB pelo Congresso Nacional ocorreu em 1994 e o Ministério do Meio Ambiente (MMA) é o ponto focal para implementação da CDB no país. Desde a conferência do Rio, a cada dois anos são realizados encontros entre representantes de países que integram a CDB. Chamada de Conferência das Partes (COP) da Convenção sobre Diversidade Biológica, trata-se da instância máxima da CDB que, em 2021, realizou sua 15ª edição.
Entre os principais pontos de discussões na COP-15 estiveram questões relacionadas ao Protocolo de Nagoia, a regulamentação das sequências genéticas digitais e da repartição de benefícios de recursos biológicos de biomas que integram mais de um país.
O Protocolo de Nagoia, ao estabelecer regras internacionais para o uso e a repartição de benefícios do uso econômico de recursos genéticos da biodiversidade, é uma prioridade para o país. Detentor de cerca de 20% das espécies do planeta e com 60% do território coberto por florestas, o Brasil tem grande potencial para se destacar no mercado mundial de produtos oriundos da biodiversidade. Com isso, aumentam as possibilidades de que a manutenção da floresta em pé efetivamente se converta em emprego e renda para a população, em especial da Amazônia.
Conhecimentos tradicionais
O patrimônio genético e os conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade de um país ou região são de grande valia para o desenvolvimento de novos produtos como cosméticos e medicamentos. Nesse sentido, o Brasil é ao mesmo tempo grande provedor e usuário de patrimônio genético e de conhecimentos tradicionais associados.
Isso fez com que o país avançasse significativamente na construção de um sistema nacional de acesso e repartição de benefícios, que busca o equilíbrio entre o uso sustentável da biodiversidade e o respeito aos direitos dos detentores de conhecimentos tradicionais associados. É um modelo em que todos ganham: governo, empresas e comunidades.
A Lei da Biodiversidade aprovada em 2015 é das mais modernas do mundo. Nela, estabelece-se que a repartição de benefícios pode ser monetária ou não-monetária e o recolhimento e a aplicação ocorrem de acordo com o tipo de acesso que deu origem ao produto: acesso a patrimônio genético sem conhecimentos tradicionais associados; acesso a conhecimento tradicional associado de origem identificável; ou acesso a conhecimento tradicional associado em que não se pode identificar a origem.
Pelos termos da lei, uma empresa normalmente desembolsa, na modalidade monetária, 1% da receita líquida anual obtida com a comercialização do produto que usou material do patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado. Para garantir a competitividade de alguns setores, é possível reduzir o valor da repartição de benefícios para até 0,1% da receita líquida. Na modalidade não-monetária, a repartição de benefícios deverá ser equivalente a 75% do valor previsto para a modalidade monetária.
A repartição aos provedores de conhecimentos tradicionais associados é estabelecida em negociação com os usuários, em que se obtém o consentimento prévio informado. É possível também recursos da repartição de benefícios serem destinados ao Fundo Nacional para a Repartição de Benefícios (FNRB).
Entre as situações que se enquadram nesse caso está a modalidade monetária por exploração econômica de produto derivado de acesso a patrimônio genético. Os recursos depositados no Fundo serão geridos pelo Comitê Gestor do FNRB e destinados para a implementação do Programa Nacional de Repartição de Benefícios (PNRB).
A experiência do Brasil pode contribuir para a construção de regras específicas sobre o assunto no Protocolo de Nagoia. Com a ratificação, a indústria brasileira participará de forma ativa nesse processo nas discussões internacionais e, levando propostas para ajudar o governo nas negociações.
No debate internacional, um dos pontos mais polêmicos está relacionado à repartição de benefícios em regiões transfronteiriças. Trata-se de um desafio aos negócios já que países podem contar com legislações diferentes, e ter de responder às especificidades legais de cada território pode ser um entrave. Um caminho a ser trilhado passa pelo estímulo a projetos de cooperação entre países, como a criação de mecanismos bilaterais ou multilaterais de repartição de benefícios.
Insights
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