Poucas imagens estão tão coladas à segunda metade do século XX quanto a do guerrilheiro do grupo palestino Setembro Negro na sacada de um dos prédios da Vila Olímpica de Munique, em 5 de setembro de 1972. O rosto coberto com uma balaclava virou símbolo daquele terrível episódio e de um tempo, o apogeu da Guerra Fria. Os oito terroristas que invadiram as dependências da delegação de Israel exigiam a libertação de um grupo de prisioneiros a favor de sua causa. Ao final do ataque, morreram onze membros da delegação israelense e um policial da Alemanha Ocidental. Entre os agressores, cinco foram mortos e três capturados. “A chacina é o espelho fulgurante da situação sociopolítica da humanidade de hoje, dos estranhos humores que percorrem um mundo cada vez mais descrente”, anotou a Carta ao Leitor de VEJA daquela semana. Houve condenação unânime ao ataque, evidentemente, mas também à fragilidade do esquema de segurança desenhado pelo governo alemão — e, a partir dali, toda Olimpíada passou a ser tratada como operação de guerra.
A invasão do alojamento israelense ecoaria em sucessivos sustos. Dois meses depois, um voo da Lufthansa foi sequestrado por outro grupo palestino, simpatizante do Setembro Negro. A exigência: a soltura dos três dos terroristas presos em Munique. Eles seriam liberados, em concessão das autoridades alemãs, severamente criticadas. Contudo, por ordem da primeira-ministra de Israel, Golda Meir, passaram a ser perseguidos pelo Mossad mundo afora (é o que mostra o filme Munique, de Steven Spielberg, de 2005). Dois deles foram encontrados e assassinados. Um terceiro salvou-se, e morreria apenas em 2010, vivendo escondido na Síria.
Não seria exagero dizer que, exatos cinquenta anos depois, o atentado parece sobreviver. No próximo dia 5, em Munique, haverá uma cerimônia de lembrança daquele triste verão europeu. Há, porém, uma sombra incômoda, como se a ferida não cicatrizasse. Os familiares dos israelenses mortos anunciavam o boicote ao evento. Houve algum apaziguamento com o anúncio, por parte das autoridades da Alemanha, da concessão de 28 milhões de euros a ser divididos entre o grupo. Os valores são baseados em acordos fechados internacionalmente depois dos atentados do 11 de Setembro. O montante proposto anteriormente não chegava à metade da quantia agora acordada com o apoio de um escritório de advocacia sediado na Alemanha. Ilana Romano, cujo marido, levantador de peso, perdeu a vida na Vila Olímpica, revidou com um comentário seco: “Era uma piada”. E completou: “Manteríamos a nossa decisão de não comparecer ao que se preparava em Berlim, como homenagem, a não ser que mudassem de ideia”.
O atentado foi sempre uma pedra no sapato do Comitê Olímpico Internacional, que sucessivas vezes louvou as vítimas, sobretudo desde que o alemão Thomas Bach assumiu o comando da entidade. No entanto, dada a dimensão do que houve, há pressão para movimentos mais decisivos. Um porta-voz do Ministério do Interior de Berlim anunciou “estarem se esforçando para reavaliar esse capítulo sombrio na história compartilhada de Alemanha e Israel”. Anne Spitzer, que também perdeu o marido em 1972, admite o bom passo, ao aceitarem o nó diplomático. Mas reafirma: “A responsabilidade vem com um preço”. Mesmo depois de cinco décadas, tudo indica não haver um fim pacífico para o horror imposto em Munique.
Publicado em VEJA de 7 de setembro de 2022, edição nº 2805