Volkswagen firma acordo com MPF para reparar vítimas da ditadura
Montadora fará doações para ex-funcionários que foram alvo de perseguições e para iniciativas que preservam a memória histórica
A montadora alemã Volkswagen firmou acordo no Ministério Público Federal, o MPF, para reparação de funcionários perseguidos durante o período da ditadura militar no Brasil. O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado pela multinacional prevê a doação de 36 milhões de reais para iniciativas ligadas à defesa de direitos humanos, investigação de crimes da época e à memória histórica. Uma parcela disso (16,8 milhões de reais) será destinada à associação de ex-trabalhadores da empresa, ou seus sucessores legais, que manifestaram terem sido perseguidos pela empresa no período. A reparação será destinada a mais de 60 pessoas.
Com o acordo na Justiça, encerram-se três inquéritos civis que tramitam desde 2015 para investigar a participação da empresa na ditadura militar. Em 2017, um relatório de 406 páginas feito pelo historiador alemão Christopher Kopper apontou que a filial brasileira da VW espionou funcionários com interesse de descobrir opiniões políticas e documentou essa ação por escrito. A documentação era periodicamente compartilhada com o Departamento de Ordem Política e Social, o Dops. A investigação realizada pelo Ministério Público Federal (MPF) concluiu que a montadora colaborou de maneira sistemática e ativa com o regime que governou o Brasil de 1964 a 1985. Com as evidências, a empresa decidiu fazer um mea-culpa sobre sua atuação no período, sem detalhar o que teria sido, de fato, sua participação. “A Volks teve um papel ativo. A montadora não foi obrigada a isso. Eles fizeram parte porque queriam”, escreveu Guaracy Mingardi, perito que assinou o documento do MPF, em 2017. O documento revelou ainda que o departamento de segurança da montadora permitiu a prisão de funcionários dentro de suas fábricas, mesmo sem mandados. O inquérito apurou que seis trabalhadores foram presos e, ao menos, um foi torturado na fábrica no ABC paulista.
Fora o MPF, o TAC foi firmado também com o Ministério Público do Estado de São Paulo e a Procuradoria do Trabalho em São Bernardo do Campo. É um “acordo extrajudicial que estabelece obrigações à empresa para que não sejam propostas ações judiciais sobre a cumplicidade da companhia com os órgãos de repressão da ditadura”, descreveu o MPF. Além dos 16,8 milhões de reais que serão doados à associação de trabalhadores, a Volkswagen se comprometeu a pagar 9 milhões de reais aos Fundos Federal e Estadual de Defesa e Reparação de Direitos Difusos (FDD), e 10,5 milhões de reais para projetos de promoção da memória e da verdade em relação às violações de direitos humanos ocorridas no Brasil durante a ditadura militar.
Do montante destinado a projetos de promoção da história e da verdade, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) receberá 4,5 milhões de reais, sendo que 2,5 milhões de reais serão destinados para o Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF), para apoiar a identificação das vítimas que estão enterradas em valas comuns. Outros 2 milhões de reais serão para novas pesquisas para apurar a cumplicidade de empresas em violações de direitos humanos durante o governo militar. Já o restante (R$ 6 milhões) será destinado ao Memorial da Luta pela Justiça, iniciativa promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) e pelo Centro de Preservação da Memória Política (NPMP). A montadora afirmou que, com o acordo, quer “promover o esclarecimento da verdade sobre as violações dos direitos humanos naquela época”, e que foi “a primeira empresa estrangeira a enfrentar seu passado de forma transparente” durante a ditadura. Em 2014, o relatório final da Comissão Nacional da Verdade enumerou 53 empresas, de diversos portes, que contribuíram com o golpe de 1964 e o período de ditadura militar. Algumas delas são Johnson & Johnson, Esso, Pirelli, Texaco, Pfizer e Souza Cruz.