Têxteis, siderurgia, eletrônicos e mais: indústria teme invasão da China após tarifaço de Trump
Após ser taxada em 125% pelos Estados Unidos, China pode desviar parte das exportações para o Brasil e empresas emitem alerta

Diversos setores da indústria brasileira temem ser apanhados pelo fogo cruzado da guerra comercial travada entre os Estados Unidos e a China, as duas maiores economias do mundo. A escalada do embate, nos últimos dias, acirra o temor de que o Brasil seja invadido por produtos chineses e de outras nações da Ásia que seriam, originalmente, destinados ao mercado americano. Entre os setores que já manifestaram sua preocupação estão o têxtil, o calçadista e o de eletroeletrônicos.
Desde sua posse em janeiro, o presidente Donald Trump promoveu sucessivos aumentos das tarifas cobradas sobre as importações chinesas. Inicialmente, o republicano estabeleceu uma sobretaxa de 10%. Em março, a alíquota subiu para 20%. Em 2 de abril, quando assinou a ordem executiva que estabelece tarifas recíprocas contra todos os parceiros comerciais, Trump estabeleceu uma segunda taxa de 34% sobre as mercadorias chinesas. Com isso, a alíquota total seria de 54%.
A China reagiu com a imposição de uma sobretaxa também de 34% sobre os produtos americanos. Trump determinou, em resposta, uma terceira taxa de 50%, elevando a sobretaxa para um total de 104%. O aumento foi acompanhado por um ultimato da Casa Branca para que Pequim recuasse e retirasse a sobretaxa de 34%. Em vez disso, a China determinou que a alíquota subisse para 84%. Nesta quarta-feira 9, Trump suspendeu por 90 dias a vigência das tarifas recíprocas (exceto a tarifa mínima de 10% aplicada a todos os países, incluindo o Brasil). A colher de chá, contudo, não se aplica à China, cuja sobretaxa total foi elevada hoje para 125%.
É nesse contexto que a indústria teme que as mercadorias que os chineses pretendiam vender nos Estados Unidos acabem desviadas para cá. É verdade que a relação comercial com a China tem sido lucrativa para o Brasil. No ano passado, por exemplo, acumulamos um superávit de 30,7 bilhões de dólares, mas isso não significa que todos os setores sejam igualmente beneficiados.
A indústria têxtil foi uma das primeiras a alertar sobre os riscos de uma invasão asiática, liderada pela China, mas também por produtos de outros países como o Vietnã e o Camboja, cujas sobretaxas para entrar no mercado americano serão de 46% e 49%, respectivamente, se Trump levar adiante o plano de restaurá-las dentro de 90 dias. Em nota à imprensa, a Abit, que representa o setor, afirmou que o protecionismo americano “representa um grande risco para a indústria têxtil e de confecção do Brasil”.
“Com a perda de competitividade nos Estados Unidos, países altamente taxados podem intensificar suas exportações para o mercado brasileiro, muitas vezes por meio de práticas desleais de comércio, como subsídios e dumping. Essa avalanche de produtos importados pode prejudicar a produção nacional, afetando investimentos e empregos”, afirma a associação.
A preocupação é compartilhada pelo setor calçadista, que teme a concorrência dos mesmos países asiáticos. Segundo a Abicalçados, que representa o setor, a imposição de sobretaxas muito maiores à China, ao Vietnã e à Indonésia pode desviar parte da produção destinada aos americanos para o Brasil. Haroldo Ferreira, presidente da associação, afirmou em nota à imprensa que a situação “deve fazer com que os asiáticos busquem alternativas para desovar sua produção. E, entre essas alternativas, certamente teremos o próprio mercado brasileiro e países para onde exportamos nossos calçados.”
Os fabricantes de eletroeletrônicos também emitiram alerta semelhante. Para a Abinee, que representa o setor, o Brasil não pode entrar na guerra tarifária, mas “deve sim se armar para enfrentar uma concorrência ainda maior no mercado interno, uma vez que países como China, Coreia do Sul e Vietnã deverão redirecionar suas exportações para outros mercados”.
A Abinee recomenda ainda que a conclusão do acordo entre o Mercosul e a União Europeia seja acelerada, para que o país consiga “ampliar suas exportações para a Europa, aproveitando-se de uma demanda crescente por produtos manufaturados no Brasil”.
A importação predatória de produtos chineses já é uma realidade para alguns setores, como a siderurgia. Nos últimos anos, as siderúrgicas chamam a atenção para o aço chinês que chega aos portos brasileiros por preços inferiores aos do minério de ferro necessário para fabricá-lo. No ano passado, o governo adotou um sistema de cotas e tarifas para frear as importações, mas a avaliação geral é de que a medida fracassou antes mesmo do fim do prazo de vigência, no mês que vem. Agora, o setor defende que o governo adote ações mais duras, como a imposição de uma sobretaxa de 25% sobre todas as importações de produtos siderúrgicos da China e o fechamento de brechas legais, como a entrada de aço pela Zona Franca de Manaus.