Tereza Cristina, a chanceler pragmática
Titular da Agricultura ocupa o vácuo de Araújo e coleciona apoio internacional (e de membros do governo) como o nome de bom-senso do Brasil no exterior
Se a ministra Tereza Cristina fosse lojista, não perguntaria ao cliente seu credo ou sua ideologia — muito menos atentaria para a cor da pele ou a orientação sexual do comprador. A avaliação bem-humorada é de membros do próprio Ministério da Agricultura, pasta comandada por Tereza, quando provocados a se manifestar sobre a chefe. Distante das hordas ideológicas que infestam o governo — com o entusiasmado apoio do presidente —, a ministra tem a preocupação de vender, vender cada vez mais.
Empenhada em obter o respaldo do mercado internacional para os produtos brasileiros, e em contornar as caneladas do titular do Itamaraty, Ernesto Araújo, Tereza Cristina vem conquistando o apoio de representantes diplomáticos mundo afora — e amealhando entusiastas de seu trabalho dentro do Executivo. O resultado pode ser visto nos acordos fechados por ela com países de diferentes orientações políticas — como China e Alemanha — e no recorde do volume exportado de itens agrícolas. Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo, o ano passado foi o melhor da história do Brasil para os empresários do campo.
Um fato recente ratifica a postura pragmática da ministra. Quando desembarcou em Brasília ao raiar do último dia 7, ela foi atingida por uma enxurrada de ligações. Membros do governo a procuravam, desesperados com a nota do Itamaraty de “apoio à luta contra o flagelo do terrorismo”, emitida depois da morte, por ação dos Estados Unidos, do general iraniano Qasem Soleimani. Visitando a filha em território americano, a chefe da Agricultura não havia lido o posicionamento oficial da diplomacia nacional sobre o episódio, ocorrido no dia 3. Na volta ao país, sua agenda foi subtraída por uma série de reuniões com representantes agrícolas e membros do Executivo preocupados com o alinhamento da chancelaria às decisões tomadas pelo presidente Donald Trump. Incomodada, Tereza classificava a nota do Ministério das Relações Exteriores como “fora do tom” e exibia dados de exportações para o Irã, com o qual o Brasil tem um superávit de mais de 2 bilhões de dólares — trata-se de um dos maiores importadores de carne do país.
Não é segredo em Brasília que existe hoje um clima de tensão controlada entre o chanceler e sua “substituta”. Para membros da pasta da Agricultura, os textos explosivos de Araújo vêm atrapalhando os esforços da ministra para melhorar as relações com o Oriente Médio e contornar os impactos da disputa comercial travada por americanos e chineses. Foi ela quem costurou a manutenção das relações com a China e a Liga Árabe no ano passado, quando Bolsonaro e seu chanceler flertavam com o rompimento. Tereza Cristina convenceu Araújo da importância de ambas as frentes para o agronegócio nacional e se empenhou ainda pela permanência da embaixada do Brasil em Tel Aviv, enquanto o presidente batia o pé pela transferência para Jerusalém. Infelizes com Araújo, generais estrelados no Planalto têm procurado a titular da Agricultura para resolver trapalhadas diplomáticas — entre eles, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, um dos poucos a quem Jair Bolsonaro dá ouvidos.
Desde o início de sua gestão, a ministra — uma engenheira-agrônoma de 65 anos, nascida em Campo Grande (MS) e reeleita deputada federal em 2018 (DEM) — acumula milhagens atrás de investimentos e novos compradores. Atravessou o planeta dedicando seu tempo aos aliados mas também a governos reticentes com Bolsonaro, como o da França. Pela atuação, Tereza ganhou a pecha de “chanceler pragmática”. Bem avaliada na Câmara e no Senado, ela sabiamente rejeita a alcunha para não causar ciúme no comandante do Itamaraty, malquisto pelo Congresso.
Na terça-feira 14, depois de enfrentar uma pesada agenda, a ministra embarcou para a Alemanha, onde participaria de uma rodada de encontros entre os principais produtores e ministros da Agricultura do mundo. Lá, discutiu o acirramento das sanções ao Irã anunciadas pelos Estados Unidos. Ela avalia que o castigo comercial prejudica o Brasil, que, se negociar com empresas iranianas, poderá sofrer reações duras dos EUA, o que atrapalhará um acordo para liberar a exportação de carne brasileira aos americanos, vedada desde 2017.
Durante as reuniões, Tereza Cristina assinou um termo de cooperação técnica na agricultura com os alemães e marcou conversas com representantes da Holanda, da Ucrânia e da Itália para deliberar sobre o aumento das tensões no Oriente. No berço do nazismo, quando instada a se posicionar sobre a nota da embaixada alemã a respeito do simulacro de Goebbels feito pelo ex-secretário de Cultura Roberto Alvim, resumiu: “Demitido com razão”. O comentário a autoridades europeias funcionou como um mecanismo para ajustar a imagem do Brasil. A ministra vendeu a ideia de que enxotar Alvim comprovou o repúdio do governo ao autoritarismo.
Da Europa, ela partiu para a Índia, a fim de compor a comitiva presidencial que realizará um périplo pelo país. Tereza, reitere-se, chegou quatro dias antes do desembarque de Bolsonaro e de seu chanceler. Aproveitou para armar encontros com produtores de carne e peixe e representantes do governo indiano para acertar os ponteiros de uma nova relação — o Brasil passou a vender carne à Índia apenas em maio. Ernesto Araújo e Tereza Cristina farão apresentações, no dia 27, num seminário para atrair investimentos. Há pouca dúvida quanto a quem será mais aplaudido.
Publicado em VEJA de 29 de janeiro de 2020, edição nº 2671