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Sinceridade radical

Com métodos heterodoxos, como fazer funcionários assumir suas falhas diante dos colegas, Ray Dalio conta o segredo do sucesso do maior fundo hedge do mundo

Por Marcelo Sakate Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h33 - Publicado em 2 nov 2018, 07h00

O americano Ray Dalio tem 69 anos, já esteve entre as 100 pessoas mais influentes do mundo segundo a revista Time e seu patrimônio pessoal bateu em 18 bilhões de dólares, mas o principal não é nada disso: ele tornou-­se uma lenda viva do mercado financeiro dos Estados Unidos ao elevar o Bridgewater, o fundo que criou em 1975, a uma condição estelar: é o maior e mais bem-sucedido fundo hedge do planeta, responsável por administrar cerca de 160 bilhões de dólares. (Fundos hedge investem em diferentes classes de ativos.)

Há décadas as análises de Dalio sobre a economia são acompanhadas atentamente por investidores de toda parte. Mas, de um ano para cá, ele passou a se dedicar a uma missão fora do mundo das finanças: transmitir as lições e os métodos de gestão que aprendeu na carreira e sem os quais, em suas palavras, ele e o Bridgewater não teriam prosperado com tanto êxito. O resultado é o livro Princípios (Editora Intrínseca). São preceitos heterodoxos, como a sinceridade e a transparência radicais, que preveem que funcionários assumam suas fraquezas, critiquem colegas de trabalho e sejam criticados abertamente por eles. O objetivo, explica, é desenvolver um processo de aprendizado em que os profissionais se tornem capazes de assimilar as melhores opiniões antes de tomar decisões. De Nova York, Dalio conversou por telefone com VEJA.

Por que o senhor decidiu passar adiante o receituário que o guiou em sua carreira? Estou com 69 anos, um estágio da vida em que prefiro ajudar os outros a alcançar o sucesso a trabalhar para ser mais bem-sucedido. Há cinco anos, disponibilizei um arquivo na internet reunindo esses conselhos e 3,5 milhões de pessoas fizeram o download. Quando realizei a transição para deixar de ser o CEO do Bridgewater, no ano passado (ele ainda preside o conselho e é o executivo-­chefe dos investimentos), decidi me dedicar à transmissão dessas ideias.

O senhor defende o conceito de meritocracia de ideias. O que isso significa? É uma abordagem sistemática que faz com que as melhores ideias vençam. Não só ajuda uma organização a tomar melhores decisões como leva os profissionais a acreditar que esse processo é melhor e mais justo. São três as condições para que a meritocracia de ideias funcione. Primeiro, todas as pessoas devem ter o direito de expressar seus pensamentos. Segundo, é preciso aprender a arte da discordância respeitosa — por exemplo, seguir protocolos que permitam que as pessoas resolvam suas divergências de modo que cheguem ao melhor pensamento, sem ressentimentos. Terceiro, é necessário que haja um processo claro para solucionar as disputas caso elas persistam.

É uma tragédia que as pessoas se agarrem às suas opiniões equivocadas sem deixar que sejam examinadas

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Qualquer um pode se beneficiar do método de transparência radical? Não. Perto de 35% dos profissionais que passaram pelo Bridgewater acharam desafiador demais abrir-se tanto para críticas. Por outro lado, um porcentual elevado, eu diria de 50% das pessoas, teria problemas em trabalhar em qualquer outro lugar porque não se enquadra em ambientes altamente políticos, onde tudo acontece nos bastidores. Os funcionários não podem dizer o que pensam. A maioria dos que saem se dá conta de que está travando uma luta interna. O lado intelectual deles quer agir de maneira franca e transparente. Mas, emocionalmente, é muito difícil falar de suas próprias fraquezas em público.

O senhor ressalta a importância de cometer erros para aprender com eles. Houve algum episódio que o marcou? Muitos. Mas um caso específico foi o que mais me fez melhorar o meu processo de tomada de decisões. Entre 1980 e 1981, calculei que certos países haviam tomado mais dinheiro emprestado de bancos americanos do que seriam capazes de pagar. Eu pensava que haveria uma crise de moratória da dívida. Assumi essa posição e apostei muito dinheiro. Em 1982, o México deixou de pagar a sua dívida, e em seguida outros países, inclusive o Brasil. Eu achava que a bolsa fosse afundar, mas, em vez disso, ela decolou. Perdi o meu dinheiro e o dos meus clientes. Perdi todos os meus funcionários. Tive de pegar 4 000 dólares emprestados do meu pai para conseguir pagar as contas da minha família. Foi uma das experiências mais dolorosas da minha vida. Mas foi também uma das melhores, porque mudou minha maneira de tomar decisões. Esse episódio me deu a humildade de que eu precisava para compensar minha audácia. Ele me fez ter medo de estar errado, me fez querer encontrar as pessoas mais inteligentes do mercado que discordassem de mim, de modo que eu pudesse aprender com elas. Faço uso da meritocracia de ideias porque não tenho certeza de que vou tomar a melhor decisão. Quero deixar claro que meu sucesso veio do meu conhecimento de como lidar com assuntos que desconheço, mais do que qualquer outra coisa.

Essa mentalidade se aplica também à vida pessoal? É claro. Não ficar preso às suas opiniões e procurar a melhor resposta disponível aumenta a probabilidade de boas decisões em todos os aspectos da vida. É a melhor fonte de aprendizado. É divertido aprender por que outras pessoas enxergam as coisas de forma diferente. O mundo deixa de ser preto e branco. É uma tragédia que pessoas se agarrem às suas opiniões equivocadas sem deixar que sejam examinadas, com medo do confronto. Muitas pessoas não alcançam o sucesso, não atingem seus objetivos, e, ainda assim, ficam presas a suas opiniões.

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Como aprender a escutar os outros? É algo que se torna fácil uma vez que a pessoa se acostuma. Quando isso acontece, é a dor de não ser alguém com a mente radicalmente aberta que se torna intolerável. No livro O Herói de Mil Faces, o autor, Joseph Campbell, explica que todo mundo, em algum momento da vida, sofre uma grande decepção, que ele chama de abismo. Algumas pessoas mudam, outras não. As que mudam passam por uma metamorfose. Entendem que não têm todas as respostas, evoluem. Então eu penso que o principal é fazer uma boa reflexão. A dor, somada à reflexão, resulta em progresso. Sempre que as pessoas enfrentam uma dor mental, devem refletir. Se fizerem isso, vão aprender e melhorar. Escrevam esse princípio ou lição para que possam progredir. Muitas pessoas tomam decisões sem pensar. Insisto para que todos façam isto, como se fosse um diário: “Como eu lidei diante daquela situação?”. Meu livro é uma coleção de todas as lições que aprendi dessa maneira.

Publicado em VEJA de 7 de novembro de 2018, edição nº 2607

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