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Sem rentabilidade na renda fixa, investidores assumem mais risco

Com a Selic em 3%, desbravar o mercado de renda variável tornou-se algo inevitável até para conservadores — a saída pode estar nos fundos de investimento 

Por Felipe Mendes Atualizado em 4 jun 2024, 14h20 - Publicado em 5 jun 2020, 06h00

Na profusão de eventos on-line, as chamadas lives, que se avolumaram devido ao confinamento forçado de grande parte do país, não pode passar despercebido aquele que reuniu dois dos principais economistas que trabalharam na reestruturação do sistema financeiro nacional nos anos 1990. Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda, e Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, foram entrevistados por Eduardo Guardia, antecessor de Paulo Guedes no comando da economia brasileira. Ambos se mostraram temerosos com a situação atual e disseram acreditar que o mercado de capitais segue anabolizado. Enquanto toda a economia global sofre com a perda de dinamismo, investidores ignoram os sinais de fragilidade e continuam a forçar os índices acionários para cima. O excesso de liquidez promovido pelos bancos centrais mundo afora produz o que Fraga chamou de “cortisona monetária”. Esse fator, segundo os economistas, permitiu que o principal índice de ações das bolsas americanas, o S&P 500, se aproximasse dos níveis pré-crise e também inflasse os papéis de empresas brasileiras. Apesar de não ser um diagnóstico fechado, a possibilidade de uma reviravolta nos mercados existe e pode pegar em cheio quem por muito tempo se acostumou com os bons retornos da renda fixa, mas teve de migrar para a renda variável devido à redução para 3% ao ano da taxa básica de juros, a Selic.

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Nos últimos anos, com a alta dos preços das ações, mais de 1,5 milhão de pessoas físicas se cadastraram para operar na bolsa de valores de São Paulo, a B3 — o que representa três vezes o total de CPFs registrados ali em 2016. Assim como os investidores, um enorme número de gurus proliferou nas redes sociais. Cursos e análises independentes também. Todos querendo ensinar como ganhar dinheiro rápido e ficar rico por meio da bolsa. Alguns gestores de fundos chegaram a se tornar estrelas na chamada Fintwit, a comunidade de financistas que habita o Twitter. Esse crescimento garantiu o sucesso da XP, gestora que abriu capital no ano passado nos Estados Unidos, e também o surgimento de uma nova gama de corretoras. A competição, atualmente, é tão grande que uma delas, a Toro, chegou a fazer uma promoção para novos clientes: ao investirem 1 000 reais, serão recompensados com 100 ações do ex-gigante das telecomunicações Oi. Toda essa movimentação, na verdade, assusta quem não sabe mais extrair valor de suas economias. “O brasileiro ainda prefere perder dinheiro colocando seus recursos na renda fixa do que investir na geração e na distribuição de riquezas, apostando em empresas que dão certo”, afirma Luiz Barsi, presidente do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP) e conhecido como o maior investidor individual da bolsa no Brasil.

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VIGOR - Morumbi Corporate, em São Paulo: compra de 810 milhões de reais pelo BTG Pactual reavivou os fundos imobiliários (Ana Mello/Aflalogasperini/.)

Momentos de volatilidade e incerteza deixam investidores ressabiados. O ano de 2020, sobretudo, tem sido desafiador. Com a pandemia de coronavírus, a primeira reação das bolsas de valores mundo afora foi entrar em colapso, enquanto o dólar e o ouro ganharam terreno em relação a moedas de países emergentes. No Brasil, por exemplo, o Índice Bovespa, depois de chegar próximo a 120 000 pontos em janeiro, afundou em março, quando foram anunciadas medidas restritivas para o funcionamento do comércio no país, batendo 63 569 pontos. Na semana passada, o indicador voltou a figurar acima dos 90 000 pontos e já há analistas entusiasmados com a possibilidade de estourarem novas garrafas de champanhe quando o indicador chegar aos 100 000 novamente. “Quem busca operar em day trade, com movimentações diárias, busca volatilidade, oscilações e oportunidades dentro do dia. Neste momento de crise, o mercado de ações tornou-se muito volátil. Há empresas como Magazine Luiza e até ações como BB e Petrobras que oscilaram dentro do mesmo dia mais de 10%”, explica João Beck, especialista em investimentos e sócio da BRA, escritório de renda variável da XP Investimentos. E é exatamente neste momento que o risco aumen­ta severamente para os investidores mais inexperientes, que operam sozinhos no mercado. A saída para isso é evitar uma exposição muito grande a um único tipo de ativo.

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Ninguém que estava acostumado a abocanhar ganhos superiores a 10% ao ano, sem qualquer risco, acha normal ter de se arriscar para conseguir até menos do que isso. Contudo, essa é a nova realidade. A boa notícia é que há serviços que podem contemplar os anseios desses investidores mais conservadores. Os fundos de investimento têm crescido vertiginosamente. São aproximadamente 18 000 fundos, que gerenciam mais de 4 trilhões de reais, atualmente. Entre as opções, há os que trabalham com ações, com renda fixa, com câmbio e os multimercados, que navegam por diversos segmentos ao mesmo tempo. De acordo com a plataforma de busca de investimentos Yubb, os multimercados e os de ações são os mais buscados no momento. O risco aqui, além dos inerentes ao mercado, são os fundos “caça-níquel”. Muitos trabalham com taxas de administração altíssima, acima de 2% — o que é quase a remuneração da Selic —, ou taxas de performance que desidratam em até 20% os ganhos do cliente. Apesar disso, há boas opções para quem quer diversificar e acessar mercados distantes, como o americano. “A bolsa brasileira ainda é muito concentrada em papéis de bancos e commodities. Quando se compara com a bolsa americana, nota-se que os indicadores americanos são mais bem construídos e, por isso, tendem a ter um desempenho menos volátil”, diz Mauricio Lima, gerente de portfólio da Western Asset.

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EXPERIÊNCIA - O investidor Luiz Barsi: o sucesso está no estudo das ações (Germano Lüders/.)
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Diante da imprevisibilidade da bolsa de valores, uma alternativa para mitigar os riscos está nos fundos imobiliários — outro tipo de fundo que tem sido muito buscado nestes tempos de pandemia. Apesar de a crise ter criado um cenário incerto para imóveis corporativos — o índice que mede o desempenho dos principais fundos do país aponta uma queda de 17% desde o início do ano —, o mercado segue aquecido. Além do número de investidores ter aumentado 30% neste ano, os negócios entre empresas continuam acontecendo. Em maio, por exemplo, um fundo do BTG Pactual comprou por 810 milhões de reais uma das duas torres do complexo Morumbi Corporate, com dezoito andares e 36 918 metros quadrados de área para escritórios, na Zona Sul de São Paulo. O negócio reacendeu o setor e a esperança de que imóveis não devem se depreciar tanto em meio à crise. “A renda fixa não vai trazer o retorno que o investidor deseja, mas outros investimentos, também tidos como conservadores, como fundos imobiliários e algumas ações de empresas no setor de energia e de saneamento básico, são boas pedidas”, diz Paula Sauer, economista e professora da ESPM. As opções existem, mas exigirão, mais do que nunca, o esforço dos investidores para encontrar as melhores oportunidades. O jogo mudou, e se arriscar será cada vez mais necessário.

Publicado em VEJA de 10 de junho de 2020, edição nº 2690

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