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Sem orçamento, Guedes joga para o BC a função de resgatar a economia

Governo anunciou a liberação de 147 bilhões de reais, mas impacto econômico será pequeno perto das decisões que o Banco Central precisa tomar esta semana

Por Machado da Costa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 16 mar 2020, 20h24 - Publicado em 16 mar 2020, 20h04

Não é nenhuma novidade que o governo federal possui pouquíssimo espaço fiscal para combater a pandemia de coronavírus (Covid-19) no Brasil. Isso ficou ainda mais explícito após a divulgação de medidas emergenciais para conter o avanço da doença. O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou ações que poderão disponibilizar 147 bilhões de reais. Diferentemente do que estão fazendo outros países, isso não é uma injeção financeira, mas um alívio fiscal. Assim, ficou para o Banco Central a responsabilidade de resgatar a economia de uma crise cujo impacto ainda é imprevisível.

Com parcos 7% de gastos discricionários no orçamento, Guedes acabou entre a cruz e a espada. Não pode defender o fim do Teto de Gastos, porque isso jogaria o país novamente numa espiral de insolvência, mas não tem de onde tirar dinheiro para impedir que a roda pare de girar. Para resolver o impasse, abusou da criatividade e poderá ser premiado por isso, caso a crise se dissipe em poucos meses. Se isso não ocorrer, o pior pode acontecer.

Quase todo o recurso anunciado como estímulo não o é, pois nunca estivera nas mãos do governo. Na verdade, a equipe econômica abriu mão de uma receita futura. Assim, abriu mão, por três meses, de depósitos de FGTS, dos recolhimentos do Simples, das contribuições do Sistema S, e liberou para saques os 13º integrais de aposentados e pensionistas. O governo, com um ajuste de caixa do Tesouro — que terá de se desdobrar para não permitir uma paralisação —, terá condições suficientes para pagar a conta. Já o empresário, que ficará com algumas notas de real nas mãos nos próximos três meses, precisará se decidir: gastar agora para dever amanhã ou guardar para quitar o mais rápido possível os novos débitos com o governo.

Fica a sensação de que o governo federal ainda está menosprezando a crise. Mas, na verdade, não está. Com as medidas desta segunda, o comprometimento fiscal ficará ainda maior do que já é e a provável frustração de receitas forçará o contingenciamento de parte importante do Orçamento ao longo do ano. Espera-se que a economia se recupere a partir do segundo semestre, porque, se isso não acontecer, o risco de uma paralisação fica eminente.

Além disso, as medidas parecem terem sido cunhadas às pressas após uma cobrança explícita do Congresso, principalmente do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Guedes, até o fim da semana, reforçava a tese de que o avanço das reformas seriam as melhores respostas econômicas para essa crise. “Se promovermos as reformas, abriremos espaço para um ataque direto ao coronavírus. Com 3 bilhões, 4 bilhões ou 5 bilhões de reais a gente aniquila o coronavírus. Porque já existe bastante verba na saúde, o que precisaríamos seria de um extra. Mas sem espaço fiscal não dá”, disse à VEJA. Contudo, um ataque direto de Maia à sua atuação o deixou acuado.

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Na sexta-feira, 13, em entrevista à Folha de S.Paulo, Maia afirmou que o plano de Guedes o surpreendia, pois não podia imaginar como o ministro poderia “ter pensado de forma tão medíocre”. Maia é a favor da revogação do Teto de Gastos — uma panaceia que tem sido defendida por economistas alinhado a um pensamento equivocado: o “desenvolvimentismo”. Pois a pressão de Maia funcionou. Na sexta mesmo, Guedes anunciou que medidas seriam divulgadas em 48 horas. Conseguiu na segunda. Mas está claro que elas terão pouco impacto. Além de serem recursos que ainda não existem, representam apenas 2% do PIB. “Se nós entrarmos na psicologia de que não há o que fazer, de que não há medidas, cobrando e fazendo ataques uns aos outros, estaremos perdidos”, disse o ministro. Pois, com ataque ou sem ataque, com medida ou sem medida, o fato é que ficou para o Banco Central evitar a corrosão da atividade econômica.

Entre esta terça-feira, 17, e quarta, 18, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC se reúne para definir a nova taxa básica de juros (Selic). Atualmente está em 4,25% ao ano e o mercado financeiro indica um corte de ao menos 0,5 ponto percentual. É a decisão mais difícil que o BC terá de tomar no ano.

Banco Central
Roberto Campos Neto (à dir.) com a diretoria do Banco Central: Copom decidirá, nesta quarta-feira, 18, a nova taxa básica de Juros / (Raphael Ribeiro/BCB/Divulgação)
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Caso reduza a Selic como forma de manter o nível de atividade econômica, o BC poderá arremessar o dólar para patamares nunca vistos. O Brasil está com uma atividade econômica claudicante, com um governo desacreditado por investidores estrangeiros e não pode mais se valer da Selic estratosférica como forma de atrair capital. Por isso, nesta segunda, 16, a moeda americana já chegou a 5 reais — e poderá subir ainda mais. Por outro lado, caso mantenha a taxa de juros no patamar atual, poderá dar um sinal ao mercado de que a manutenção do poder de compra do real é mais importante do que jogar a economia numa possível recessão. Deprimiria de vez a confiança dos investidores e empresários nacionais.

O BC vem resolvendo seus problemas de outra forma até aqui. Diversos afrouxamentos já vêm sendo feitos pela autoridade monetária. Nesta segunda mesmo, criou uma flexibilidade que permitiu que bancos rolassem as dívidas de clientes por até 60 dias para não drenar recursos importantes de uma população que pode atravessar tempos difíceis. Também liberou 135 bilhões de reais em depósitos compulsórios, que poderão se transformar em crédito bancário. Nesta quarta, não poderá mais se esconder atrás de normas publicadas nos sistemas internos. Precisará se posicionar perante todo o país que necessita de uma atuação precisa.

O Banco Central não é um órgão independente do governo — pelos menos por enquanto. Sua única função é garantir o valor do real, enquanto que suas preocupações com a atividade econômica são relegadas a um segundo plano. Caso decida se ater às suas funções primárias, e manter a Selic no patamar atual, poderá desagradar não só o mercado financeiro, mas também todo o governo. Por outro lado, a imprevisibilidade da crise é tamanha que poucos se atrevem a dizer quais seriam os desdobramentos do provável corte. Com Guedes de mãos atadas, caberá a Roberto Campos Neto a responsabilidade de liderar a nau econômica por mares nunca antes navegados.

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