Proposta de reforma tributária ganha versão melhorada, mas faltam ajustes
Muito criticado por seus equívocos iniciais, o projeto toma direção correta graças às conversas do Congresso com setores da sociedade
As reformas estruturais são a grande causa de empresários, economistas respeitados e investidores por seu potencial de destravar o crescimento do país e permitir que o Brasil tenha um ambiente mais favorável aos negócios e investimentos. Entre elas, a revisão do sistema tributário é a que concentra a maior parte das atenções. E a ruidosa recepção da proposta apresentada pelo ministro Paulo Guedes no último dia 25, na qual tratava de mudanças no imposto de renda, demonstrou que o governo se embrenhou por um caminho equivocado. No dia em que o projeto foi entregue nas mãos do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), o índice da Bolsa de São Paulo caiu 1,97%, perdendo o patamar acima de 129 000 pontos e revertendo os ganhos que vinham ocorrendo na semana. As quedas continuaram pelos dias seguintes, até a casa dos 125 000 pontos.
O solavanco na bolsa foi a materialização em números do profundo desagrado que a proposta de reforma causou. O texto levado por Guedes ao Congresso foi visto como uma peça de caráter eleitoreiro (uma espécie de projeto anti-Guedes), avançando no bolso dos investidores e empresários para garantir mais recursos para o governo, com o presidente Jair Bolsonaro afoito para aumentar gastos às vésperas da disputa eleitoral de 2022. Em vez de diminuir distorções, ela trazia embutido um aumento de carga e ressuscitava modalidades de cobrança abolidas há mais de duas décadas. Nos dias seguintes, sucederam-se abaixo-assinados e manifestos contrários à medida feitos por entidades de classe. Guedes, Lira e o deputado Celso Sabino (PSDB-PA), o relator do projeto no Congresso, passaram a se encontrar com empresários, presidentes de bancos e investidores, e ouvir as suas críticas. Como deve ser numa democracia evoluída, essa dinâmica foi bastante salutar e melhorou significativamente a reforma.
No início da semana, o presidente da Câmara recebeu em sua casa os lideres das bancadas para discutir as mudanças realizadas na proposta, reunião que teve ainda a participação por videoconferência do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. A nova versão foi apresentada na terça-feira 13, e teve como principal novidade a mudança na redução do imposto de renda para pessoa jurídica, que de 5 pontos porcentuais passou a ter uma queda de 12,5 pontos, até 2023. Em outra alteração, essa recebida especialmente bem pelo mercado financeiro, o governo abre mão da criação de uma taxa de 15% para os fundos de investimentos imobiliários (FII), atualmente isentos de impostos. Dessa vez, a reação do mercado foi mais otimista: a bolsa, que estava em queda, subiu e fechou com alta de 0,45%, acima dos 128 000 pontos.
As concessões tiveram seu preço e levarão a uma redução de 30 bilhões de reais na arrecadação anual. Guedes acredita que a perda poderá ser compensada com a melhora da atividade econômica nos últimos meses. “Isso não está nos preocupando agora, porque só de o PIB voltar para o nível de antes da pandemia já veio uma arrecadação de 100 bilhões de reais acima do previsto”, disse durante uma live, na quarta-feira 14. O governo registrou receita de 744 bilhões de reais de janeiro a maio deste ano. Outras compensações viriam da eliminação de incentivos setoriais para a indústria farmacêutica, de embarcações, aeronáutica e de produtos de higiene pessoal. “Estamos propondo retirar benefícios de 20 000 empresas e, em contrapartida, beneficiar 1,1 milhão delas”, declarou Sabino.
A bem-vinda e acertada revisão, porém, manteve um ponto polêmico do projeto, que é a recriação do imposto de 20% sobre os dividendos, uma taxação abolida em 1996. No momento, o relator Celso Sabino, que foi o responsável por diversos acertos no novo projeto, tem acenado com a possibilidade de aumentar a faixa de incidência dessa taxação. Na primeira versão, ficaria isento quem recebesse até 20 000 reais por mês em dividendos. Agora, esse valor pode cair para 2 500 reais por mês. O motivo para a alteração seria forçar as empresas a reinvestir seus lucros. Tributaristas, no entanto, acreditam que tal medida pode levar a um aumento nas tentativas de burlar o imposto, com os donos das empresas preferindo ter as suas contas pessoais e compras de bens pagas pelas companhias, o que pioraria a governança corporativa. “Quando se tributam dividendos pode-se provocar um desestímulo do consumo, da retomada do crescimento econômico e do mercado de capitais”, diz Marcos Cintra, ex-secretário da Receita no início da gestão de Guedes. Os técnicos do Ministério da Economia e da Receita Federal costumam se defender com o argumento de que a cobrança é comum em países desenvolvidos como Estados Unidos e França, e o índice de 20% é próximo da média cobrada nos membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Por esse e outros motivos, associações empresariais têm reivindicado que mais estudos sejam feitos antes da aprovação do projeto. “A reforma tributária que buscamos deve ter como metas reduzir o custo Brasil e trazer racionalidade ao atual sistema”, afirma Humberto Barbato, presidente da Abinee, a associação da indústria de eletroeletrônicos. A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) defende que “apenas com a redução dos gastos públicos e a consequente redução da carga tributária a indústria nacional terá competitividade suficiente para gerar emprego e renda”. Outra reivindicação das entidades é que a discussão inclua também aspectos que não foram abordados nesta etapa da reforma apresentada agora, como, por exemplo, os impostos que incidem no consumo e a desoneração das folhas de pagamento das empresas. Por questões políticas, o governo adotou a estratégia de enviar a reforma ao Parlamento de maneira fatiada, sendo que a primeira etapa, que trata da unificação do PIS/Cofins e cria a contribuição sobre bens e serviços (CBS), foi apresentada em julho do ano passado e ainda tramita no Congresso.
Dedicado a tocar uma agenda importante para o país, o presidente da Câmara, hoje o verdadeiro pai da reforma, tem demonstrado que a partir de agora pretende acelerar o processo de aprovação. Tanto que planeja votar o texto que trata das mudanças no imposto de renda antes mesmo das medidas propostas na primeira etapa, encaminhadas em 2020. Ainda assim, há quem defenda mais discussões sobre o assunto. “A proposta está no caminho certo, mas o sistema tributário tem de ser tratado de forma global. Há consenso em torno da necessidade de uma reforma tributária completa, o que evidentemente não tem acontecido”, diz o ex-deputado Luiz Carlos Hauly, autor de um projeto alternativo ao do governo, atualmente em tramitação no Senado. Apesar dos avanços, ainda há espaço para novos ajustes que evitem distorções, discrepâncias e privilégios, que já não são poucos no sistema tributário brasileiro.
Publicado em VEJA de 21 de julho de 2021, edição nº 2747