Black Friday: Revista em casa a partir de 8,90/semana
Continua após publicidade

Pronta para ser votada, reforma administrativa enfrenta resistências

Lira anunciou que quer pôr essa medida na pauta de 2024. A pretensão vê pela frente um governo que não está interessado em diminuir gastos

Por Pedro Gil Atualizado em 4 jun 2024, 09h19 - Publicado em 28 jan 2024, 08h00

A catedral de Colônia, na Alemanha, começou a ser construída em 1248 e só foi finalizada em 1880. A Basílica da Sagrada Família, em Barcelona, teve seu início dois anos depois da conclusão da igreja germânica, em 1882, e até hoje não foi concluída. Até o Metropolitan Museum of Art, de Nova York, tem cantos que estão por terminar desde o começo do século XX. Reformas demoradas, e até inacabadas, são um clássico na história da construção e encontram paralelos no campo da política.

No Brasil, as pendências deixadas pelo caminho são notáveis. A reforma tributária, que acaba de ser votada — mas, note-se, ainda não foi concluída —, vem se arrastando há 35 anos. Agora outra dessas revisões históricas pode estar prestes a andar: a administrativa. Desde 1938 o Brasil vem fazendo reformas na máquina pública mas nunca de forma completa. A última foi realizada em 1995. A Câmara tem um plano de reforma administrativa pronto desde 2021. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), anunciou que quer pôr essa medida na pauta de 2024.

FISCAL - Rodrigo Pacheco: presidente do Senado defende a modernização do Estado e prioridades de gasto público
FISCAL - Rodrigo Pacheco: presidente do Senado defende a modernização do Estado e prioridades de gasto público (Rogério Cajui/LIDE/.)

A tributária e a administrativa podem ser vistas como partes complementares de um pacotaço que promete colocar o Brasil no século XXI. A primeira se propõe a alterar o modo como o Estado recolhe riqueza da sociedade. A segunda vai na direção de reformatar o retorno dessa arrecadação aos contribuintes. Pretende mexer com a estrutura de um funcionalismo ineficiente, implementando métodos de avaliação e metas de produtividade. Almeja permitir o remanejamento de servidores e acabar com os “supersalários”, aqueles acima de 40 000 reais, que custam aos cofres públicos mais de 3,9 bilhões de reais por ano.

arte reforma ADM

A pretensão de reforma, com foco em eficiência e redução de despesas, encontra pela frente um governo que não está interessado em diminuir gastos, mas em expandi-los. “Há pontos de convergência entre o Congresso e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como limitação de quantidade de carreiras e fim dos supersalários, mas o resto do governo não tem disposição de ver esse assunto avançar”, afirma Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados.

Continua após a publicidade

A mais recente evidência do ímpeto gastador do governo é uma nova política industrial, com metas para o desenvolvimento do setor até 2033, lançada com pompa pelo presidente Lula e pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin. Contando com financiamento público de 300 bilhões de reais, o plano busca reverter o que o governo chama de “desindustrialização precoce do país”. Para isso, alimentará o setor com linhas de crédito especiais, recursos não reembolsáveis, ações regulatórias, reserva de mercado e uma política de obras e compras públicas. Em suma, uma fórmula reciclada de tentativas parecidas que, no passado, geraram gastos, distorções e naufragaram.

arte reforma ADM

O mercado reagiu de imediato com temor de mais expansão fiscal num quadro já deficitário. A Bolsa caiu, o dólar subiu e a curva de juros operou em alta ante a perspectiva da volta de uma política que lembra o BNDES dos “campeões nacionais”, que concedia crédito subsidiado a empresas para que elas “liderassem” o desenvolvimento do país. “O reconhecimento de que os recursos são finitos é algo que ainda engatinha no Brasil, então se faz política pública pensando muito no mérito para o setor e pouco no conjunto da sociedade”, diz Livio Ribeiro, pesquisador do FGV Ibre e sócio da BRCG Consultoria.

GASTOS - Novo plano: o governo anunciou amplo pacote para combater a “desindustrialização”
GASTOS - Novo plano: o governo anunciou amplo pacote para combater a “desindustrialização” (Ton Molina/NurPhoto/Getty Images)
Continua após a publicidade

A proposta da reforma administrativa pretende atacar o gasto público por outro lado. O Estado brasileiro é custoso por ser ineficiente. A burocracia conta com cerca de 11 milhões de servidores públicos, número que representa em torno de 12% dos trabalhadores do país. A proporção de vínculos públicos é menor que a de países como Argentina (19%), Uruguai (17%), Chile (13%) e Estados Unidos (13%). Mas o Brasil gasta 13% do PIB com o funcionalismo, o que o coloca entre os seis países do mundo que mais despendem com pagamento de pessoal. A principal explicação é a vantagem salarial dos servidores em relação ao que oferece a iniciativa privada — ganha-se, em média, até cinco vezes mais no serviço público.

Dinheiro para pagar isso o Brasil até tem, já que é um dos países que mais arrecadam com impostos, mas de nada vale se o retorno é baixo e a alocação de recursos é ruim. Em 2022, a carga tributária do país atingiu 34% do PIB. É uma das mais altas do mundo. Mas não a maior. Quem lidera o ranking é a Dinamarca, com um fardo de impostos que corresponde a 45% do PIB, seguida pela Finlândia (44%), Bélgica (43%), França (43%) e Itália (42%). O Brasil, das trinta economias mais onerosas ao contribuinte, está entre as que menos entregam em retorno. Isso é medido numa comparação entre carga tributária e IDH, o índice de desenvolvimento humano. O IDH brasileiro é o 87º do mundo.

OPOSIÇÃO - Esther Dweck: a ministra da Gestão diz que a proposta é “punitiva”
OPOSIÇÃO - Esther Dweck: a ministra da Gestão diz que a proposta é “punitiva” (Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

A reforma administrativa, como desenhada, mira justamente essa ineficiência do Estado. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou durante o evento Brazil Economic Forum Zurich, realizado por VEJA em parceria com o Lide, na semana passada, que o Congresso deve esmiuçar neste ano a alocação de recursos, mirando uma agenda fiscalista. “Além de uma discussão pura e simplesmente de uma reforma administrativa, em relação aos servidores, faremos uma discussão muito ampla sobre quais são as nossas prioridades”, disse Pacheco.

Continua após a publicidade

arte reforma ADM

A proposta de modernização do funcionalismo encontra resistências. Auditores da Receita Federal estão em greve há mais de dois meses. Os profissionais cobram melhorias de ganhos e nas condições de trabalho. Os servidores do Banco Central também estão paralisados. Eles reivindicam avanços na carreira, como a equiparação com categorias semelhantes, mudanças de cargos e exigência de nível superior para posto técnico.

A mobilização encontra amparo no governo. No fim de 2023, a ministra da Gestão, Esther Dweck, afirmou que a reforma não aborda os gargalos reais do funcionalismo público. Apesar das críticas, sua pasta baixou uma instrução normativa que troca o arcaico controle de presença por meio do ponto pela produtividade — agora importa a entrega do servidor. Embora de efeito restrito, a medida abre caminho para uma das propostas defendidas pela reforma administrativa: um sistema de avaliação de desempenho por metas. “O governo tem essa postura de resistência porque uma parte enorme do seu eleitorado é servidor público”, disse o ex-diretor do BC Alexandre Schwarts­man em entrevista ao programa VEJA Mercado.

arte reforma ADM

Continua após a publicidade

Em recente entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, Haddad admitiu a necessidade de reformar o funcionalismo, mas disse que a mudança deveria começar “pelo andar de cima”, citando o fim dos supersalários. O fato é: a reforma não pode mais esperar. Mãos à obra.

Publicado em VEJA de 26 de janeiro de 2024, edição nº 2877

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Semana Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

Apenas 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

a partir de 35,60/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.