Por que a França quer estatizar totalmente a companhia de energia do país
Assim como a Petrobras, a francesa EDF é de capital misto; se por aqui Bolsonaro fala em privatizar a petroleira, lá Macron quer controle total do estado
Há muitos paralelos entre a gigante de energia da França, EDF, e a Petrobras brasileira. Duas multinacionais, no modelo de participação mista, tendo o Estado como sócio majoritário, e, nos últimos meses, a forte pressão pública para a redução nos preços elevados no setor de energia, impulsionados pela guerra entre Rússia e Ucrânia. Entretanto, enquanto no Brasil houve um alívio temporário no preço do combustível mais consumido no país, em função da queda do petróleo no mercado internacional, na França, a crise energética está se agravando. O governo do país europeu pede a redução do consumo atual, temendo uma escassez no inverno, quando a demanda naturalmente é elevada.
No contexto de forte inflação no setor de energia, Emmanuel Macron está buscando estatizar integralmente a gigante de energia EDF, no acordo estipulado em 9,8 bilhões de euros. Para os acionistas privados que representam 15,92% de participação, o Ministro da Economia e Finança, Bruno Le Maire, anunciou esta semana a oferta de 12 euros por ação. O valor é 0,25% acima dos 11,75 euros por ação, na cotação hoje, 20 de julho.
O interesse pelo domínio integral da EDF (o Estado francês já possui 84,08% de participação) vem no cenário de controle de preços. Apesar da oferta prejudicada com problemas logísticos nos reatores nucleares, a principal fonte de fornecimento na França, o governo não vem repassando integralmente os aumentos de custos. Logo, adotou a política de tetos tarifários no setor de energia, desde o ano passado, para beneficiar a população no curto prazo.
Este, inclusive, é outro paralelo com a multinacional brasileira, cujo domínio, por sua vez, é na oferta de combustíveis. No governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), houve controle de preços da gasolina, diesel e gás, e tal movimento é visto como responsável por prejuízos bilionários à empresa. Em semelhança com os recentes movimentos do governo francês (até então visto como liberal economicamente), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) critica a política de preços da Petrobras, de paridade internacional adotada desde o governo Temer), e sugere reversão, se eleito. Hoje, o Estado brasileiro possui participação de 50,27% nas ações ordinárias da companhia.
Mesmo com uma margem bem maior de participação acionária, o governo francês busca o domínio total da EDF com a justificativa, dada pela primeira-ministra Elisabeth Borne, de lidar diretamente com a crise no contexto de guerra e promover uma transição energética mais rápida. Nesse direcionamento, recapitalizar a empresa, ou colocar dinheiro público, seria necessário para diminuir o déficit. Conforme o relatório financeiro da multinacional, no ano de 2021, ela acumulou uma dívida de 43 bilhões de euros.
Diferentemente da multinacional brasileira, o petróleo não é o protagonista da oferta energética da EDF, que tem força majoritária em energia nuclear. A pouca dependência do gás natural russo foi um dos motivos para o governo de Macron liderar a ofensiva de restrições econômicas da União Europeia ao ataque de Vladimir Putin à Ucrânia. Porém, uma conjunção de fatores só agrava a crise energética na França. Em abril, a companhia francesa anunciou que metade de sua frota atômica foi desligada por uma série de problemas, e o atual clima exageradamente quente na região só dificulta esse cenário, ao prejudicar o resfriamento de reatores. As interrupções, aliadas ao contexto de crise internacional de guerra e pandemia, impulsionam a inflação no país, que já acumulam de 5,8% em um ano; um salto, ao se comparar com junho de 2021, com inflação de 1,2%.