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Os ricos investem em bunkers para escapar do ‘fim do mundo’

A intenção dos bilionários é pagar por proteção contra ataques de armas nucleares e vírus assassinos

Por Luiz Felipe Castro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 15h33 - Publicado em 28 ago 2020, 06h00

Mais de 800 000 vidas perdidas, trilhões de dólares em prejuízos financeiros e previsões catastróficas sobre a fome no planeta. A pandemia do novo coronavírus transformou o mundo e reacendeu o debate, especialmente entre aqueles de personalidade mais sensível, sobre os riscos do apocalipse. Ainda que o fim dos tempos soe como um devaneio ficcional, há quem prefira se precaver — desde que, obviamente, tenha disponibilidade financeira para isso. A Covid-19 fez crescer uma tendência inusitada: a procura por bunkers, estruturas subterrâneas para se proteger de ataques, seja de armas nucleares, seja de vírus assassinos. Entre os principais entusiastas do survivalismo, como é chamado o movimento de pessoas atentas a toda e qualquer eventual emergência, destacam-se estrelas de Hollywood, investidores de Wall Street, empresários do Vale do Silício e poderosos em geral. Por questões de segurança, eles não confirmam a posse dos abrigos, mas o mercado garante que personalidades como Bill Gates, Mark Zuckerberg, Kim Kardashian, Shaquille O’Neal, Tom Cruise e Donald Trump estejam entre os donos de bunkers. O sul-africano Elon Musk, CEO da Tesla e do SpaceX, vai além: não só possui abrigos terrestres como lidera um ambicioso projeto para refugiar parte da humanidade em Marte nas próximas décadas.

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LAZER - Casa na Dakota do Sul: refúgio de 205 metros quadrados – (Terravivos.com/Divulgação)

Quem conhece o setor garante que não se trata de mera excentricidade. Os abrigos são resistentes a explosões nucleares, terremotos e inundações, e foram concebidos para funcionar por pelo menos um ano sem a necessidade de os moradores voltarem à superfície para se reabastecer. Os empresários do estranho ramo imobiliário costumam comparar os bunkers a seguros de vida: é uma garantia, mas espera-­se que ninguém precise usar. A Vivos Group, na Califórnia, é uma das referências em condomínios de bunkers. Dante Vicino, diretor executivo da empresa, revela que as vendas dispararam durante a pandemia e atraíram compradores mais ricos do que o habitual. Ele nega, porém, que todos sejam abastados. “O perfil econômico varia entre classe média e indivíduos com alto patrimônio, já que os abrigos têm diferentes preços”, disse a VEJA. Com raízes italianas como as do xará Alighieri, Dante profetiza que “o inferno está próximo” e define seus clientes como pessoas “conscientes e bem informadas”.

Existem, de fato, opções para todos os bolsos. É possível comprar um dos 575 bunkers de concreto no condomínio xPoint, na Dakota do Sul, por 35 000 dólares (cerca de 195 000 reais), mais 1 000 dólares anuais de manutenção. Os espaços são entregues vazios e cabe ao novo morador equipar a casa como bem entender. O mercado, porém, é formado em sua maioria por mansões que superam a casa das dezenas de milhões de reais. O complexo Vivos Europa One, um antigo abrigo soviético encravado em uma montanha na cidade de Rothenstein, na Alemanha, é descrito como uma arca de Noé moderna. Ali, nenhum dos 34 apartamentos de 232 metros quadrados sai por menos de 10 milhões de reais. O concorrente Survival Condo, dono de um prédio invertido de quinze andares abaixo do solo na zona rural do Kansas, admite ser voltado apenas para os muito ricos. Seu apartamento de 335 metros quadrados custa a partir de 4,5 milhões de dólares (cerca de 25 milhões de reais). As áreas comuns do condomínio abaixo da terra incluem biblioteca, piscina, sauna, academia, cinema, sala de jogos e clínica médica. Para diminuir a sensação de claustrofobia, telas de LED instaladas na parede funcionam como janelas e exibem “belas paisagens”.

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CONFORTO - Doce lar: no condomínio xPoint, imóveis podem custar mais de 20 milhões de reais – (Terravivos.com/Divulgação)
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A maioria das empresas do ramo não aceita financiamento e só trabalha com pagamentos à vista. Segundo Ron Hubbard, CEO da Atlas Survivor Shelters, companhia sediada no Texas, o fenômeno tem forte componente político. “Diria que 99% dos meus clientes são conservadores, pessoas que enxergam os problemas do mundo e por isso investem em bunkers, armas e munição”, diz o empresário, que costuma usar as redes sociais para criticar os liberais americanos e acredita que países como Síria e Venezuela já estão vivendo o apocalipse. O geógrafo americano Bradley Garret, que passou os últimos quatro anos visitando bunkers de todos os tipos e tamanhos ao redor do mundo para escrever o recém-lançado livro Bunker: Building for the End Times, define assim os aficionados de abrigos: “Todos os survivalistas são orientados por uma ideia comum: uma ansiedade avassaladora do futuro e um desejo de criar espaços secretos, defensivos e resistentes ao temor”. Para eles, e tomara que estejam bem errados, o fim do mundo está cada vez mais próximo.

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Publicado em VEJA de 2 de setembro de 2020, edição nº 2702

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