O silêncio de Ronaldinho na CPI das Criptomoedas
Das poucas vezes que respondeu os parlamentares, o ex-jogador responsabilizou antigos sócios por crimes: "Eles utilizaram indevidamente o meu nome"
Driblador. Insinuante. Artista da bola. Bruxo. Não faltam predicados positivos para definir a trajetória vitoriosa de Ronaldinho Gaúcho no futebol. Escolhido melhor jogador do mundo por duas vezes, Ronaldinho teve de encarar, nesta quinta-feira, 31, a marcação acirrada de parlamentares na CPI das Criptomoedas. Entre afagos e tentativas de constrangimento, Ronaldinho teve de responder sua participação na empresa de marketing multinível 18K Ronaldinho, que usava da imagem do ex-atleta para promover ganhos estratosféricos com o mercado das criptomoedas. O craque, no entanto, pouco falou: repetiu por diversas vezes que iria “ficar em silêncio”.
No depoimento, Ronaldinho disse que assinou um contrato com a companhia americana 18K Watches para a promoção de uma linha de relógios que levaria sua imagem. O contrato teria sido firmado em 2016. Anos depois, os sócios Rafael Horácio Nunes de Oliveira e Marcelo Lara Marcelino teriam procurado Ronaldinho com a ideia de expandir o negócio (venda dos relógios) no Brasil. Para isso, foi criado um novo CNPJ, que deu origem a 18K Ronaldinho. “Eles utilizaram indevidamente o meu nome para criar a razão social dessa empresa”, disse Ronaldinho à CPI.
O ex-atleta alegou nunca ter tido qualquer contato com Nunes de Oliveira e que teria visto Lara Marcelino “duas ou três vezes” durante as gravações para campanhas de publicidade sobre a linha de relógios. Ele afirmou que todas as campanhas que usaram sua imagem relacionadas a investimentos com criptomoedas foram ilícitas. Sua imagem foi usada em campanhas que prometiam 400% de lucro ao mês ou 2% ao dia sobre investimentos nesse tipo de ativo. “Eu jamais participei da empresa 18k Ronaldinho”, disse ele ao ser indagado sobre sua condição de sócio-proprietário da empresa. Ronaldinho disse que seu empresário, o também ex-jogador Assis, foi quem negociou o contrato com os sócios da 18K e que, assim que perceberam a ilicitude do uso de suas imagens, o contrato com a empresa foi rompido no dia 1º de outubro de 2019.
No depoimento, um parlamentar apresentou um vídeo no qual o ex-atleta faz propaganda do negócio em um evento. “Primeiro que eu não associo o meu nome à coisa ruim”, diz Ronaldinho em um trecho do vídeo. O ex-jogador, no entanto, alegou que a palestra se tratava de um evento para a divulgação dos relógios e que não se tratava exatamente da divulgação dos criptoativos. “Eu fico perplexo com o uso da imagem do senhor em uma campanha tão ostensiva e criminosa”, afirmou o deputado Ricardo Silva (PSD-SP), que conduzia a sessão.
O depoimento também foi marcado por comentários jocosos de alguns parlamentares, como quando o deputado Alfredo Gaspar (União-AL) questionou o ex-jogador se ele faria publicidade para um sex shop que vende artigos sexuais. Em outra ocasião, Ronaldinho foi questionado se recomenda os produtos da Nike, empresa de artigos esportivos que o patrocina desde a época de jogador. Em ambas, Ronaldinho preferiu manter-se em silêncio. Já o deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) preferiu dar um conselho ao ex-atleta. “Hoje, a gente não está tratando do ídolo do futebol, que deu muita alegria ao Brasil e a tantos torcedores. A gente está falando de um problema, que lesou brasileiros, em que o sr. Ronaldo está aqui na condição de testemunha para apurar o que aconteceu com pessoas que perderam todo seu investimento. A gente está falando de 100 bilhões de reais nas 10 pirâmides. Isso é inadmissível”, disse Ribeiro.
A 18K deixou um rastro de fraudes perpetradas contra seus investidores. Ainda em 2019 vieram as primeiras suspeitas sobre a empresa, quando investidores tiveram saques e recursos bloqueados. O caso foi parar no Ministério Público Federal, o MPF. Estima-se que o número de vítimas lesadas pelas supostas fraudes cometidas pela empresa ultrapasse a casa de 1.000. Em fevereiro de 2020, antes da pandemia de Covid-19 estourar na América do Sul, Ronaldinho virou réu em uma ação civil coletiva que pede 300 milhões de reais em devoluções de valores e em danos morais por ligação com a 18K Ronaldinho. Centenas de vítimas são listadas na ação, que corre em segredo de Justiça.