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O que explica a inflação dos medicamentos e a alta do ‘kit intubação’

Dólar, indefinição de patentes e ambiente de negócios justifica preços altos, mas farmacêuticas não podem aumentar deliberadamente; inflação sairá até dia 1

Por Diego Gimenes, Luisa Purchio
Atualizado em 8 abr 2021, 18h23 - Publicado em 31 mar 2021, 16h09

A partir da próxima quinta-feira, 1°, deve entrar em vigor o reajuste dos medicamentos em relação ao ano de 2020. Em meio à alta de preço de alguns itens essenciais para os brasileiros, como os combustíveis, a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) irá publicar o índice de aumento nos remédios.  A inflação para fevereiro foi a maior registrada desde 2016, e a conta não para de subir. Embora fatores como a desvalorização cambial, os atrasos na definição das patentes de medicamentos e o próprio ambiente de risco para negócios ajudem a explicar parcialmente a subida de preços, vale lembrar que a categoria é altamente regulada pela CMED, e deve seguir o chamado preço-lista, que existe para, justamente, evitar aumentos abusivos como os registrados com o “kit intubação”, essencial para o tratamento de Covid-19.

O Fórum Nacional de Governadores alertou que 11 medicamentos do kit estão em falta ou com estoque para apenas 20 dias em 10 estados. No caso dos bloqueadores neuromusculares, 18 estados registram falta ou estoque baixo, que também deve durar 20 dias. 

Para se ter uma ideia, o Índice de Preços de Medicamentos para Hospitais (IPM-H), calculado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) em parceria com a Bionexo, indicou que, no últimos 12 meses, os analgésicos, anestésicos e sedativos registraram uma alta acumulada de 48,88%, enquanto o grupo dos relaxantes musculares, analgésicos e anti-inflamatórios subiram 38,36% no período.

Alguns casos de alta de preços de medicamentos específicos dessas classes dão a dimensão dos aumentos. De acordo com a Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), em apenas um ano, a caixa de propofol com ampolas de 20 ml, usada para sedação, subiu de 28,70 reais para 183 reais. O preço do atracúrio de 10 mg/ml, que também faz parte do chamado “kit intubação”, foi de 32,10 reais para 195 reais. Já o relaxante muscular midazolam, em frascos de 3 ml, saiu de 22,78 reais para 174 reais.

“Independente de a demanda ter explodido, o setor não pode deliberadamente subir o preço”, diz Eduardo Calderari, diretor executivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma). “O preço-lista é determinado pela CMED e ninguém pode praticar um valor acima do teto. Quem fizer isso será denunciado e penalizado”. Contudo, o executivo ressalta que as fabricantes podem ter praticado um valor abaixo do teto antes da pandemia, e elevado a precificação com o aumento da procura pelos medicamentos. De toda forma, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) pediu para o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) investigar os aumentos expressivos nos preços de medicamentos usados no enfrentamento à Covid-19 nas UTIs.

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Inflação de medicamentos

O caminho para entender a composição do índice de reajuste dos remédios é complexo. Primeiro, a CMED calcula três diferentes fatores que, juntos, compõem a inflação do setor. O fator X, que repõe as projeções de ganhos de produtividade das fabricantes de medicamentos, foi estabelecido em 3,29%, enquanto o fator Y, que ajusta os preços entre o setor farmacêutico e os demais setores, ou seja, com base também na variação dos custos dos insumos, foi calculado em 4,88%. Resta apenas a definição do fator Z, que leva em conta os medicamentos com menor ou maior concorrência no mercado, com o objetivo de estimular a concorrência. A publicação deve ocorrer até o próximo dia 1°.

Passada esta etapa, o órgão definirá os reajustes máximos de acordo com as categorias de medicamentos. Ao todo, são três categorias. A primeira, com o teto mais alto de reajuste, conta com maior participação dos genéricos que possuem faturamento igual ou superior a 20% da classe; a segunda, conta com participação média de genéricos, representando de 15% a 20% do faturamento da classe; por fim, a terceira categoria, que tem o menor teto e participação inferior a 15% do faturamento da categoria, geralmente com menor concorrência de mercado e baixos índices de reajustes. Em 2020, o reajuste máximo permitido pela CMED para as três categorias foi de 5,21%, 4,22% e 3,23%, respectivamente.

Atualização: a CMED autorizou, em 1° de abril, a inflação do ano para o setor. O reajuste da categoria 1 foi de 10,08% e o da categoria 2, de 8,44%, enquanto os medicamentos da categoria 3 podem ficar até 6,79% mais caros. Vale lembrar que a inflação oficial de 2020 fechou em 4,52%.

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A desvalorização do real frente ao dólar é uma das razões que também explicam os preços mais altos. No Brasil, ainda há a necessidade de importação dos insumos, o que encarece o processo. Em outras palavras, a largada da produção de um medicamento já tem um impacto cambial imenso. “Há outras questões como ineficiências das instituições e o ambiente de risco de negócios. Investir em medicamento é arriscado porque é um investimento a longo prazo”, analisa João Batista Calixto, pesquisador e diretor do Centro de Inovação e Ensaios Pré-Clínicos (CIEnP). “A parte de inovação ficou travada porque se investe muito em genéricos, uma postura acomodatícia.”

O setor vive a expectativa por um julgamento que pode mudar os rumos da indústria no Brasil. Em 7 de abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) vai analisar uma mudança nas regras das concessões de patentes no país. Trata-se da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5529, movida em 2016 pelo então procurador-geral, Rodrigo Janot, e que questiona a forma como se dá hoje o prazo de vigência das patentes no país, incluindo as dos remédios. As farmacêuticas temem pela queda de 47% das patentes existentes por aqui. Do outro lado, existe a crença de que, sem a extensão das patentes, o Estado possa economizar até 2,73 bilhões de reais por ano na compra de remédios. Em jogo, está a lentidão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) para analisar os pedidos, uma vez que 143 mil produtos ainda aguardam decisão. Destes, quase 9 mil deram entrada há mais de dez anos, sendo que cerca de 3 mil são medicamentos.

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