O que explica a alta do dólar por aqui enquanto há desvalorização no mundo
Desde o pico da crise, a moeda americana se valorizou 9,11% em relação ao real; cenário doméstico pesa nesse valor
Ao contrário do que vem ocorrendo em relação a moedas de outros países emergentes, no Brasil o dólar vem se valorizando desde o pico do impacto do novo coronavírus no mercado. Desde o dia 23 de março, quando houve a queda drástica nas bolsas de valores, o dólar comercial ficou 9,11% mais caro para os brasileiros: de 5,1416 reais, passou a valer 5,6104 reais no fechamento de quarta-feira. Nesta quinta-feira, 27, a moeda americana operava em baixa de 0,72%, a 5,57 reais, refletindo o discurso do presidente do FED, Jerome Powell, mas o movimento por aqui pode não ser sustentável. O fato é que o dólar vem caindo em todo o mundo, menos no Brasil. No Chile, por exemplo, a moeda americana podia ser comprada por 860,64 pesos chilenos no dia 23 de março, e até ontem se desvalorizou 103,3%, passando a valer 785,92 pesos chilenos. O mesmo ocorreu no México: no pico da crise, um dólar podia ser comprado por 25,1573 pesos mexicanos e até ontem caiu 29,3%, para 21,9342 pesos mexicanos.
Não é só em relação aos mercados emergentes que a moeda americana vem se desvalorizando. No pico da crise da Covid-19, um dólar valia 0,9325 euro, e ontem fechou em 0,8453, 0.85% a menos. Quando comparado à libra esterlina, a moeda americana caiu de 0,8661 na data para 0,7570 ontem, queda de 0,76%.
A desvalorização do dólar em todo o mundo é consequência da estratégia do Federal Reserve, o Banco Central americano, de injetar trilhões de dólares por meio de benefícios às pessoas e às empresas e, assim, estimular a economia. Como não poderia deixar de ser, o aumento da oferta da moeda causa uma diminuição no seu valor. No Brasil, porém, apesar dessa alta da quantidade de moeda americana disponível no mercado e até mesmo dos bilhões de dólares colocados no país via leilões do Banco Central, a moeda continua subindo.
O principal motivo que assusta os investidores é o risco de calote do Brasil frente à complicada situação fiscal à que chegou o país na crise sanitária da Covid-19. Até o final do ano, especialistas estimam que o déficit fiscal pode chegar a 100% do PIB do País. A falta de um consenso entre a equipe econômica liberal do ministro Paulo Guedes e a agenda desenvolvimentista à qual se aliou o presidente Jair Bolsonaro não indicam melhores perspectivas para esse cenário. “Todo mundo está muito assustado que a dívida do governo pode sair do controle caso não haja o ajuste fiscal. E apesar de o juros longo ter aumentado muito, as pessoas estão fugindo do risco”, diz Simão Davi Silber, professor de economia da USP.
Para Silber, o histórico de moratórias de dívidas no país gera temor nos investidores. Diferentemente de os Estados Unidos, que nunca deu calote desde sua independência, há cerca de 240 anos, o Brasil já realizou sete moratórias de dívida desde a sua independência, há quase 200 anos. Ou seja: enquanto o país não resolver suas pendências políticas e oferecer segurança aos investidores por meio de uma agenda de concretos ajustes fiscais, a moeda brasileira seguirá na contramão de outras moedas globais.