O preço do novo pacote econômico de Guedes
O governo lança pacote de medidas para tentar reanimar a letárgica atividade econômica e também ajudar a levantar a combalida popularidade de Bolsonaro
Uma das qualidades do ministro da Economia, Paulo Guedes, é, sem dúvida, sua resiliência aliada à convicção de que tudo dará certo no final. Por isso, ele não abandona o governo, mesmo admitindo que sua biografia foi rasgada, e acha que seu legado entrará para a história. Para seus críticos, muitos que o conhecem desde o mercado financeiro, tal comportamento é motivado por uma visão distorcida da realidade, de quem confunde seus desejos com a vida prática. Na sexta-feira de Carnaval, 25, tal otimismo inveterado deu as graças — mais uma vez. Com o país se preparando para uma folia de pouca animação, ainda sob os efeitos da pandemia de Covid-19 e do conflito na Europa, ele comemorou o que considera um passo decisivo para reanimar a letárgica atividade econômica brasileira.
Naquela tarde pré-carnavalesca, o ministro anunciou o corte de 25% da alíquota do imposto sobre produtos industrializados (IPI), em uma tentativa de estimular o consumo e oferecer um alento à indústria, um dos setores mais afetados pelo desempenho ruim da economia. “Vamos cumprir a promessa de que o excesso de arrecadação vai ser usado para reduzir impostos”, escreveu Guedes em um grupo de WhatsApp, na madrugada de sábado. “Vamos reindustrializar o país, investindo pequena parte do superávit de janeiro.” Em suas mensagens, ele referia-se à arrecadação federal do primeiro mês do ano, que somou 235 bilhões de reais, alta de 18,3% em relação ao mesmo mês de 2021, descontada a inflação do período. Com a redução do IPI, o governo deixará de recolher cerca de 19 bilhões de reais em 2022, conta dividida entre a União, estados e municípios.
A redução do IPI não é uma medida isolada e vem acompanhada de outras ações desenhadas no Ministério da Economia, claramente focadas no cenário eleitoral. Ainda em março, deve ser editada uma medida provisória que autoriza o saque de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). De acordo com Guedes, cerca de 40 milhões de trabalhadores poderão resgatar valores entre 500 e 1 000 reais das contas, o que levará a um total de 30 bilhões de reais a serem abatidos no fundo utilizado em programas de infraestrutura e moradia. Em outra frente, o ministério prepara um programa de crédito com base no Pronampe, medida que ofereceu linhas de financiamento com garantias do governo durante a pandemia. Na nova versão, devem ser liberados 100 bilhões de reais a pequenas e médias empresas.
Positivos em uma primeira análise, os anúncios atraíram muitas críticas. A redução do IPI, por exemplo, provocou uma enxurrada de protestos entre parlamentares ligados à Região Norte e à Zona Franca de Manaus, que perde sua vantagem tributária. O setor de construção civil criticou o saque do FGTS pelo risco de comprometer programas como o Casa Verde e Amarela (antigo Minha Casa Minha Vida). Já o programa de apoio às empresas, em fase de elaboração por Guilherme Afif, assessor de Guedes, é considerado um risco por ter seu financiamento atrelado à taxa Selic, com viés de alta em decorrência da nova política de juros do Banco Central.
O problema dessas medidas, porém, não são os interesses afetados pela perda dos seus benefícios. A questão que preocupa é quanto isso vai custar aos cofres públicos, o contexto e as razões que as movem. “Existem muitas propostas que, em ano eleitoral, podem ser contraproducentes e não são viáveis. Podem ter até o efeito contrário ao desejado”, alerta Marcílio Marques Moreira, ex-ministro da Fazenda. Segundo ele, o conjunto de ações, além do pouco efeito positivo, ignora as reais necessidades da economia do país, que está em compasso de lentidão. Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda, concorda e avalia as iniciativas como “erráticas”, ainda mais num momento de instabilidade provocado pela invasão da Ucrânia pela Rússia. “Guedes joga qualquer coisa para que Bolsonaro não seja derrotado na eleição”, acrescenta. “Isso não vai mudar o quadro e ainda piora a situação para quem vem depois”, analisa. Recurso recorrente no histórico econômico brasileiro, os pacotes de bondades, de fato, quase sempre têm um preço alto demais. Vale conferir se, com esse, o otimismo de Guedes era justificado ou se foi apenas mais um devaneio de Carnaval.
Publicado em VEJA de 9 de março de 2022, edição nº 2779