ASSINE VEJA NEGÓCIOS

‘O mundo precisa do Brasil’, diz Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura

Na avaliação de Rodrigues, agronegócio brasileiro será decisivo para evitar uma crise alimentar global

Por Ernesto Yoshida
Atualizado em 13 dez 2024, 08h24 - Publicado em 13 dez 2024, 06h00

O Brasil ocupa uma posição estratégica no agronegócio global, tornando-se peça-chave para evitar uma crise alimentar mundial. Com vastas terras agricultáveis, tecnologia de ponta e uma matriz energética mais sustentável que a média mundial, o país está em condições de atender à crescente demanda internacional por alimentos e energia. Para o engenheiro agrônomo Roberto Rodrigues, 82 anos, professor emérito da Fundação Getulio Vargas e ex-ministro da Agricultura no primeiro governo Lula (2003-2006), a humanidade depende do Brasil para garantir a segurança alimentar nas próximas décadas. “O Brasil é o único país capaz de aumentar sua produção agrícola em 40% nos próximos dez anos, e o mundo precisa disso para garantir paz e estabilidade”, afirma na entrevista a seguir.

Como a eleição de Donald Trump pode impactar o agronegócio brasileiro? No primeiro mandato de Trump, a guerra comercial com a China acabou beneficiando o Brasil. A China redirecionou suas importações para o nosso país e se consolidou como o principal mercado do nosso agronegócio. Agora, o cenário é diferente. O protecionismo que Trump promete aos agricultores americanos, elevando tarifas, pode nos afetar diretamente e gerar um efeito dominó global. Há também o risco de recrudescimento do neoprotecionismo na agricultura, já visível na Europa com questões florestais. A única perspectiva positiva é a de continuidade da forte demanda asiática por produtos brasileiros.

Como o Brasil pode se proteger nesse cenário? O caminho é diversificar parceiros e estabelecer acordos comerciais sólidos. Nos últimos quatro anos, o Brasil assinou cerca de 400 acordos comerciais, mas em nichos específicos. Precisamos de parcerias mais amplas e estratégicas. Países como Índia, com um mercado gigantesco, Indonésia, Filipinas, Malásia e Japão têm enorme potencial para nossas exportações. Para sustentar esse crescimento, temos cerca de 80 milhões de hectares plantados com grãos e outros 40 milhões de hectares de pastagens degradadas que podem ser convertidos em agricultura. Mas produzir mais exige ter para quem vender, e por isso os acordos comerciais são fundamentais.

BOI NA LINHA: os agropecuaristas franceses, com seus protestos, são um obstáculo ao pacto UE-Mercosul
BOI NA LINHA: os agropecuaristas franceses, com seus protestos, são um obstáculo ao pacto UE-Mercosul (Matthieu Rondel/AFP)

Durante a reunião de cúpula do G20, o Brasil propôs uma iniciativa global contra a fome. Qual a sua opinião sobre isso? É um projeto que recebeu a adesão de mais de oitenta países e reconhece nosso papel crucial na segurança alimentar global. A fome não é apenas um problema de produção insuficiente — já produzimos alimentos suficientes para alimentar o mundo —, mas milhões passam fome por questões de distribuição e falta de poder aquisitivo. É preciso estimular investimentos que gerem emprego e renda, permitindo que o consumo cresça junto com a produção. O Brasil pode liderar não só aumentando sua produção, mas compartilhando tecnologia com outros países em desenvolvimento, especialmente na faixa tropical do planeta.

Continua após a publicidade

Que lições tirar do episódio envolvendo o grupo francês Carrefour, cujo presidente global atacou a carne brasileira e depois teve de se retratar? O que o Brasil exporta de carne para a França representa apenas 0,6% do nosso total. A situação é mais complexa para os europeus, já que 27% da carne que consomem vem do Mercosul. Portanto, eles deram um tiro no próprio pé. O problema para o Brasil é a narrativa falsa sobre a qualidade da nossa produção. Exportamos carne para 157 países, incluindo mercados extremamente exigentes como Estados Unidos e Japão. De todo modo, esse episódio pode influenciar negativamente as negociações do acordo Mercosul-União Europeia, como se observa pela posição do presidente Emmanuel Macron, que várias vezes se manifestou contra o tratado. Da nossa parte, é fundamental que o Brasil combata ilegalidades cometidas não por agricultores, mas por criminosos, como desmatamento ilegal, invasões de terra, incêndios criminosos e garimpo clandestino. Precisamos comunicar ao mundo que estamos resolvendo essas questões.

CHINA: em vinte anos o país virou o maior comprador de produtos do agro do Brasil
CHINA: em vinte anos o país virou o maior comprador de produtos do agro do Brasil (Jiao Xiaoxiang/VCG/Getty Images)

Outro problema do agronegócio são os efeitos das mudanças climáticas, como secas e excesso de chuvas. Como lidar com esses novos desafios? Com tecnologia. Já desenvolvemos soluções para agricultura de baixo carbono. Na pecuária, pastos bem manejados sequestram mais carbono que as emissões de metano do gado. Uma soja bem cultivada também sequestra mais carbono do que emite com fertilizantes e defensivos. Nossa matriz energética é 50% renovável, muito acima da média mundial, de 15%, sendo metade proveniente da agricultura. O etanol brasileiro emite apenas 11% do CO2 da gasolina. Temos 10 milhões de hectares de florestas plantadas sequestrando carbono — essa área é equivalente à da lavoura da cana no Brasil, que é o maior produtor mundial de açúcar. São soluções que podem ser replicadas em outros países tropicais, contribuindo globalmente para a mitigação das mudanças climáticas.

Continua após a publicidade

Qual o potencial de crescimento da produtividade da agricultura do Brasil? Em algumas culturas, já atingimos um ponto em que é difícil avançar mais. Os saltos de crescimento tendem a ser menores. A soja, por exemplo, continuará a crescer, mas em ritmo mais moderado do que nos últimos vinte anos. Culturas como cana-de-­açúcar e milho ainda têm potencial para expandir bastante. No trigo, tradicionalmente importado pelo Brasil, a Embrapa desenvolveu variedade adaptada ao Cerrado com irrigação, o que promete mudar o cenário. Em frutas, somos o terceiro maior produtor mundial, mas apenas o 25º em exportações, por falta de infraestrutura de refrigeração. No leite, exportamos menos que o Uruguai, mas podemos multiplicar por dez a produtividade sem aumentar área de pasto. Há muito que avançar ainda. Além disso, vale ressaltar que o Brasil tem grande potencial para exportar tecnologias agrícolas tropicais, mas isso exige investimentos em pesquisa, infraestrutura e políticas de renda do produtor rural. Hoje, somos líderes globais em diversas commodities, como café, soja, carne bovina e celulose, mas ainda há 4 milhões de agricultores fora do mercado produtivo. Para incluí-­los, o cooperativismo é fundamental, permitindo que pequenos produtores ganhem escala e competitividade em um mercado globalizado, no qual as margens de lucro por produto são cada vez menores.

Diante de todos os desafios, qual a sua visão para o futuro do agronegócio brasileiro? Segundo um estudo da OCDE, para evitar escassez alimentar, a produção global precisa crescer 20% em dez anos. Como os países desenvolvidos têm limitações para ampliar sua produção, o Brasil precisaria crescer 40% em uma década para suprir a demanda global, de acordo com a OCDE. É um reconhecimento do nosso papel na segurança alimentar mundial. Em vinte anos, nossas exportações saltaram de 20 bilhões para 166 bilhões de dólares, mas ainda há muito espaço para crescer. Precisamos de uma estratégia robusta: internamente, investir em tecnologia, infraestrutura, logística e combate a ilegalidades; externamente, consolidar acordos comerciais e fortalecer ações diplomáticas. O mundo precisa que o Brasil cresça para garantir paz e estabilidade por meio da segurança alimentar.

Publicado em VEJA de 13 de dezembro de 2024, edição especial nº 2923

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas R$ 5,99/mês*
ECONOMIZE ATÉ 59% OFF

Revista em Casa + Digital Completo

Nesta semana do Consumidor, aproveite a promoção que preparamos pra você.
Receba a revista em casa a partir de 10,99.
a partir de 10,99/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
Pagamento único anual de R$35,88, equivalente a R$ 2,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.