O inferno astral de Trump
A economia vai bem, mas as forças alinhadas contra ele são bravas
Como Donald Trump vai se sair neste ano sem precedentes na história americana, que começa com o presidente já sob impeachment e culmina com a eleição de novembro? Boa sorte para quem se arriscar a fazer previsões. Ou mesmo procurar opiniões de especialistas fundamentadas em conhecimento, fatos e lógica. É mais fácil buscar explicações astrológicas (Saturno e Plutão alinhados, a partir do dia 12, o ano todo, sinônimo de reviravoltas em praticamente todas as esferas de poder).
O site Politico perguntou a 23 historiadores como serão lembrados os anos 2010, e o quadro pintado é de extrema desconexão com a realidade. Na ótica dos professores, esmagadoramente à esquerda do espectro ideológico, os EUA estão num fundo do poço bravíssimo. Basta ver que ninguém viaja mais para Miami, os texanos fugindo em massa para o México, os oceanos subindo — já deu para entender que é uma manifestação de sarcasmo. Voltando aos professores: para eles, mais do que um mau presidente, Trump é uma ameaça à democracia, aos princípios constitucionais, à ordem mundial, à paz e, claro, ao nível dos oceanos . “Polarização” é o conceito mais repetido.
Pode ser um caso raro de presidente que perde a reeleição em condições econômicas favoráveis
Apesar do uso abusivo da palavra, a capacidade de Trump de polarizar é incontestável. Isso acrescenta boa dose de imprevisibilidade. Pode ser, por exemplo, um caso raro, talvez único, de presidente que perde a reeleição em condições econômicas favoráveis. E como: a taxa de juros caiu, as altas do mercado de ações são de dar frio na espinha e os salários estão com aumento real de 3% (4,5% para os 25% na base da pirâmide, o exato oposto da desigualdade frequentemente apontada); o nível de emprego é de dar inveja ao mundo. O novo Nafta, o acordo renegociado por Trump com o México e o Canadá, para desgosto dos especialistas, tem potencial para criar mais 170 000 empregos.
Como um presidente assim pode perder eleição? Sendo Trump, claro, um homem sem sequer a noção de respeito pela liturgia presidencial. A falta de limites que permite jogar acordos consolidados pela janela do Salão Oval — e conseguir substitutos mais vantajosos — é a mesma que abriu caminho ao telefonema para o presidente ucraniano, mais do que insinuando uma investigação sobre o rival democrata Joe Biden, porta de entrada para o impeachment.
Estando melhor de vida, estarão os americanos, em maioria suficiente para definir a eleição de novembro, fartos dos exageros, da estridência, dos tuítes? Na condição de candidato à reeleição, teoricamente Trump não se beneficia mais da imagem de azarão, de agitador vindo de fora do sistema para vingar todas as camadas da população desprezadas pela “bolha” midiática e intelectual. Na prática, ele pode, mais uma vez, mudar a teoria. O próprio ódio que desperta entre as forças alinhadas contra si o mantém na bizarra posição de gato de Schroedinger da política: está na Casa Branca e, ao mesmo tempo, o status presidencial lhe é constantemente negado pela “resistência”, tendo atingido o ápice com a aprovação do impeachment na Câmara. Como a probabilidade de passar no Senado é nenhuma — por enquanto, por enquanto —, a campanha eleitoral vai ser de chacoalhar os anéis de Saturno. Para não falar em Plutão.
Publicado em VEJA de 8 de janeiro de 2020, edição nº 2668