O dono da bola
O CEO da SoftBank Marcelo Claure fala de seus planos de investimentos em startups — e de como o Brasil pode avançar e se tornar menos desigual
O nome do boliviano Marcelo Claure causa alvoroço entre os empreendedores brasileiros, sobretudo aqueles que se dedicam à indústria da tecnologia e às startups. A razão é bilionária. A SoftBank, empresa japonesa da qual Claure é diretor de operações, criou o maior fundo de investimentos em startups do planeta, cujo capital de 100 bilhões de dólares já está quase integralmente aplicado. Mas acaba de anunciar um novo pacote, agora de 5 bilhões de dólares, destinado exclusivamente à América Latina, com destaque para o Brasil. Aos 48 anos, Claure tem uma invejável trajetória profissional. Em 1997, ele fundou a Brightstar, distribuidora de celulares e de outros serviços. Em 2013, vendeu o controle da empresa, hoje com presença em mais de 100 países, para a SoftBank. O valor: quase 1,3 bilhão de dólares. Encarregou-se, então, de reerguer a Sprint, companhia de telecomunicações dos Estados Unidos, que também acabou sendo controlada pelos japoneses. Nos últimos anos, Claure vem se dedicando mais ao papel na SoftBank, sendo ainda diretor executivo de sua divisão internacional. O conglomerado tem participação em companhias multibilionárias como Alibaba, Yahoo e Uber. Fã de futebol, o executivo, que vive entre Estados Unidos e Japão, é dono do Bolivar, o maior time de seu país, e, em sociedade com o ex-jogador inglês David Beckham, da equipe americana Inter Miami. Na entrevista a seguir, Claure fala dos planos de investimento no Brasil, de sua esperança no governo Bolsonaro e de como o país poderia avançar em inovação — e se tornar menos desigual.
Há uma expectativa entre empreendedores brasileiros: o que o senhor fará com os 5 bilhões de dólares que a SoftBank destinará para a América Latina? O objetivo é procurar unicórnios (as startups que alcançam 1 bilhão de dólares em valor de mercado) em formação ou servir de impulso para aqueles que acabaram de chegar ao patamar de unicórnio. Temos vinte anos de experiência no ramo de investimentos, dois dos quais foram dedicados a investir nesse tipo de empresa nascente. Sabemos como investir no ecossistema, de forma que as apostas se convertam em companhias altamente disruptivas, capazes de transformar as indústrias nas quais atuam.
Quanto desse esforço será direcionado para o Brasil? Nossa estratégia não é investir capital de acordo com o país. Procuramos as melhores empresas em toda a região e analisamos como uma injeção pode ajudá-las. Isso seja na Colômbia, seja no México, seja no Brasil. Agora, por lógica, é natural que a maior parte dos 5 bilhões vá para o maior mercado latino-americano, que é o Brasil. Acrescenta-se a isso que o país está hoje em uma posição mais avançada em termos de investimentos. Há fundos que já apoiam empresas logo no início de suas atividades, quando estão germinando ideias, como fazem o Redpoint, o Canary e o Valor. Esse round inicial de apostas é o mais arriscado. Tanto que devemos fazer parcerias com esses outros jogadores no campo. O trabalho da SoftBank fica assim menos arriscado, pois investimos nos vencedores. Dessa forma, podemos ter segurança de assinar cheques gordos, destinados a empresas que, mesmo já sendo um sucesso, ainda estão em estágios iniciais.
O senhor pode dar exemplos concretos de empresas com tamanho potencial? Stone, Nubank, Rappi, iFood, Gympass. São startups que hoje valem acima de 1 bilhão de dólares. Só que podem ir muito além. Os 5 bilhões podem soar muito, mas não chegam a ser tanto dinheiro. Nos últimos dois anos lançamos um fundo global de 100 bilhões de dólares para startups, e muitos diziam que éramos loucos, que não haveria onde colocar tanto dinheiro. Pois já demos destino a quase todo o montante. Quando observo o Brasil, não vejo motivos para não assinar um cheque de 1 bilhão de dólares para alguma empresa do país.
“O governo brasileiro sempre parte do pressuposto de que as pessoas são malandras. Isso é errado. Não se pode penalizar todos apenas porque há 5% de empresários ruins”
Como os empreendedores brasileiros receberam sua chegada? De braços abertos. Há um vácuo enorme no Brasil. Executivos gastam um tempo demasiado implorando por alguma reunião com investidores no Vale do Silício, visto que suas empresas são pequenas demais para os padrões californianos. Agora levarei o capital até eles.
O Brasil é tido, em todos os rankings do gênero, como um dos piores países para investir. Por que, então, essa aposta? Os países com maiores ineficiências são aqueles nos quais os empreendedores têm maior chance de provocar mudanças. Se há um sistema de saúde pública que já funcione, por exemplo, o espaço é menor para a inovação. No Brasil, o cenário é o oposto, o sistema de saúde pública precisa de ajuda, que virá da aplicação de tecnologias. A malha de transporte nacional também necessita de auxílio. Quando visitei o país, fiz questão de conversar com caminhoneiros. O negócio deles está quebrado, por vezes um profissional espera quatro, cinco dias pela próxima carga. Novas tecnologias poderão solucionar 90% dos problemas relacionados a isso. Há muita coisa que não funciona no Brasil e que pode ser consertada.
O que poderia ser reparado para melhorar o cenário brasileiro para os empreendedores? É preciso lidar com o básico do básico. Deve-se diminuir a quantidade de regulações. Tornar fácil a abertura de empresas. Facilitar a venda de bens entre estados, assim como a importação e a construção de cadeias de suprimentos.
Entre essas medidas, o que o senhor considera fundamental? Cruzo meus dedos para que sejam aprovadas a reforma da Previdência e a fiscal. Se isso não ocorrer, o governo brasileiro entrará em falência. É necessário ainda simplificar contratos, pois o modelo hoje é completamente louco. Para enviar produtos de um estado a outro, por exemplo, tem-se de emitir mais e mais notas fiscais. O básico seria simplificar e criar uma única taxa nacional. Contratam-se empregados só para lidar com burocracias inúteis. Ainda é preciso abrir as fronteiras, principalmente para o e-commerce. É absurda essa demora de vinte a trinta dias para enviar algo para o Brasil. Muitos ficam cansados só de pensar em investir no país. Pensam algo como “Meu Deus, como é difícil abrir uma empresa lá”. Nos Estados Unidos, gastam-se cinco minutos para isso. No Brasil, são trinta dias assinando centenas de documentos.
Por que o senhor acha que é assim? O governo brasileiro sempre parte do pressuposto de que as pessoas são malandras. Isso é errado. É essencial confiar nos cidadãos. Não se pode incentivar uma cultura que penaliza todos apenas porque há 5% de empresários ruins. Tem de ser o oposto. Beneficiar os que fazem direito e empenhar-se em detectar e penalizar quem fere as leis. Mas estou confiante em que o novo governo está atento e com vontade de transformar a situação.
O que o faz ter esperanças no novo governo? Tive uma reunião produtiva com o ministro Paulo Guedes. Ele tem trajetória na área de investimentos, como conselheiro financeiro, e entende o que tem de ser feito e o papel da tecnologia nessa mudança. Hoje o Brasil está entre as dez maiores economias do planeta. Com essa dimensão, é possível realizar transformações significativas. Basta vontade para tanto.
E se não houver vontade do governo? Será impossível parar as transformações digitais. Seria melhor, e mais rápido, se os políticos as apoiassem, facilitando o caminho para os empreendedores. No entanto, mesmo se eles não colaborarem, nada vai parar o crescimento da nova economia. Os últimos três anos servem de prova. A economia brasileira esteve em crise. Mesmo assim, as empresas da área digital cresceram na região, como a Uber e o iFood. O governo não tem força suficiente para enfrentar as novidades tecnológicas. Tome a Uber como exemplo. Quantas prefeituras tentaram torná-la ilegal? De nada adiantou. Ou então veja o caso do Spotify. Pode-se tentar regular, resistir, mas nada fará com que os clientes voltem a comprar discos, CDs, e deixem de assinar serviços que permitem que se ouça a música que se quer, mais barato, em qualquer lugar. Entretanto, repito, seria melhor o governo colaborar, em vez de jogar contra. Darei outro exemplo. Não há razão, hoje, para proteger os poucos bancos que dominam o Brasil. Tem-se de emitir licenças que permitam a atuação dos bancos exclusivamente on-line, para quebrar a atual lógica protecionista. Isso seria o melhor para a economia. Até porque essa mudança vai ocorrer, os políticos queiram ou não. São tendências impulsionadas pela inovação, impossíveis de ser impedidas, e que vão transformar quase tudo em nossa vida. Em dez anos, utilizaremos carros autônomos, teremos atendimento médico remoto e guiado por inteligência artificial, entre outros progressos. Quer o presidente goste, quer não. Os brasileiros estão famintos de absorver os produtos digitais, tanto que se encontram entre os maiores usuários de redes sociais, da Uber etc.
“Sempre haverá questões políticas para contornar. O essencial é entender que um governante ruim pode no máximo diminuir o ritmo das inovações que vêm para ficar. Não pará-las”
Em geral, são conglomerados internacionais que dominam esse mercado. Não seria melhor ter mais lideranças locais? Esse é o meu papel. Quero colocar dinheiro em campeões nacionais do empreendedorismo. Estudo participação em 140 empresas brasileiras. Já há exemplos de sucesso, como a Nubank e a Stone. A ideia é garantir que surjam vários outros. Tenho observado setores como os de finanças, imobiliário, transportes, hospitalidade, mobilidade digital. Consigo fechar alguns dos negócios em trinta dias e outros estudarei anos antes de firmá-los. Aposto ainda que, nos anos vindouros, devem surgir no Brasil exemplos de empreendedores que virão de baixo, não da elite, e assim servirão de inspiração. Tecnologias como a internet têm democratizado o ato de empreender, ainda que o governo possa ajudar mais nisso também. Hoje em dia, as ferramentas para fazer um negócio estão na mão de qualquer um, em um smartphone. Ao se dar essa diversificação do perfil do empresário, incentiva-se a igualdade social.
O senhor enxerga boas perspectivas para o governo Bolsonaro, ainda que pesem as divisões políticas internas? Sempre existirão questões políticas para contornar. Uns veem em Bolsonaro um grande salvador. Outros o acham incapaz de tocar o país. Esse tipo de divisão extrema é, sim, ruim para o mercado. Nos Estados Unidos ocorre algo similar, com a rixa entre republicanos e democratas e o Congresso sem consenso. No Brasil, é claro, tudo se dá em outro nível. Enquanto se trocam ofensas no Congresso americano, trocam-se socos no Congresso brasileiro. Agora, o essencial é entender que um governante ruim pode no máximo diminuir o ritmo das inovações que vêm para ficar. Não pará-las. A SoftBank cresce com a certeza de que tudo mudará em nossa vida, com transformações protagonizadas por empresas, e logo nos tornaremos a companhia mais valiosa do planeta por ter incentivado essas inovações.
Publicado em VEJA de 24 de abril de 2019, edição nº 2631
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