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“O Brasil não deve deixar o Brics só porque Trump não gosta”, diz Roberto Abdenur

Ex-embaixador do Brasil em Washington considera que principal preocupação do governo americano é com o enfraquecimento do dólar no cenário internacional

Por Diogo Schelp Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 25 jul 2025, 08h49

Roberto Abdenur é um diplomata com uma longa carreira de serviços prestados ao Brasil e respeitado por especialistas de todo o espectro político. Ele foi secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores (no início da década de 90), o segundo posto mais importante do Itamaraty, e embaixador do Brasil em Washington, nos Estados Unidos, entre 2004 e 2007. Também foi consultor da Câmara Americana de Comércio no Brasil. Atualmente, é conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI). Abdenur frequentemente é crítico da política externa do governo Lula, mas, no episódio do tarifaço de 50% imposto pelo presidente Donald Trump ao Brasil, considera que muitos dos esforços para contornar o problema, apesar das dificuldades de se estabelecer diálogo com os americanos, estão no rumo certo. “Trump controla com mão de ferro o Partido Republicano”, diz Abdenur.

De que forma é possível mobilizar as empresas americanas para pressionar o governo americano a desistir de impor a tarifa de 50% sobre os produtos brasileiro?

As próprias empresas brasileiras que têm comércio com os Estados Unidos poderiam ser estimuladas pelo governo a entrar em contato, informalmente, com suas contrapartes americanas para incentivá-las a se manifestar em defesa do Brasil e contra o tarifário. As empresas americanas importadoras de produtos brasileiros são as principais interessadas, porque a elevação dos preços dos nossos produtos em 50% vai inviabilizar muitos dos seus negócios, da sua produção, das suas vendas. Muitas das nossas exportações de manufaturados vão para lá como componentes ou insumos para montagem final do produto. Ou seja, há uma interdependência, um entrelaçamento econômico e comercial muito forte entre os setores industriais dos dois países. Então, eu acho que esse é um caminho.

Quais retaliações são factíveis de serem adotadas pelo governo brasileiro?

Muita gente no governo, a esta altura, compreende que não nos convém impor mais taxas sobre produtos americanos, porque isso prejudicará a economia brasileira. A maneira de atingir a economia americana é golpeando direitos intelectuais, direitos de propriedade, patentes, obras de arte, literatura, cinema, e assim por diante. Essa área de serviços e propriedade intelectual. O Brasil é um grande mercado pro cinema americano, pra televisão americana, para Yahoo, Google etc.

Valeu a pena recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC) na quarta-feira, 23, para condenar o uso das tarifas como instrumento de coerção e ameaça?

Foi válido ir à OMC para tocar o tambor, sim, porque 40 países se manifestaram em defesa do livre comércio e em crítica à imposição de tarifas. Quer dizer, mal ou bem, esses países surfaram na onda promovida pelo Brasil. Infelizmente, já não se pode contar com o mecanismo de solução de controvérsias da OMC, que era o braço executivo capaz de tomar decisões concretas. Muitos anos atrás, o Brasil ganhou uma causa importante contra os Estados Unidos, relacionado ao comércio de algodão. Isso já não existe mais, desde muito antes do Trump. Justamente pela preocupação dos Estados Unidos de que esse mecanismo pudesse ser usado contra eles.

Com isso, o recurso à OMC foi diplomaticamente válido, mas não é eficaz na medida em que não produz resultados concretos. É mais uma voz a se somar ao coro que está se conformando contra Trump.

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O senhor, que foi embaixador em Washington, vê atualmente uma maior dificuldade de trabalhar com a defesa de interesses organizados junto ao governo americano?

É verdade, porque eles estão mais fechados para o diálogo. Trump controla com mão de ferro o Partido Republicano. Sou favorável à ida de uma missão pluripartidária de congressistas brasileiros aos Estados Unidos para se engajarem em diálogos com os parlamentares americanos. Seguramente eles terão facilidade em dialogar com os democratas, mas eu me pergunto até que ponto haverá republicanos dispostos a desagradar Trump ao receber os brasileiros. Pode ser que um ou outro um pouco mais independente, digamos, os receba, mas tenho minhas dúvidas. De qualquer modo, eu acho que é importante também levantar a voz dos democratas.

Entre as motivações elencadas para o tarifaço contra o Brasil está a insatisfação de Trump com a atuação do Brasil no Brics, grupo que inclui China, Rússia e outros países emergentes e que pleiteia reduzir a dependência do dólar no comércio global. Seria o caso de o Brasil deixar o Brics?

O Brasil não deve deixar o Brics só porque os americanos não gostam. Mal ou bem, o Brics serve para algumas coisas. Essa insatisfação ocorre em parte porque a China, hoje, predomina no Brics, mas a principal preocupação do Trump é com a iniciativa de se evitar o uso do dólar. Acontece que a China, discretamente, sem barulho, já pôs em marcha um esquema próprio de pagamentos internacionais paralelo ao Swift (dominado pelos Estados Unidos) que usa no comércio com muitos dos seus parceiros na Ásia, na África e no Oriente Médio. Ao Brasil também interessa poder comercializar com a China, por exemplo, em yuan ou em reais, e não em dólar.

Trump se preocupa porque os Estados Unidos têm dois grandes instrumentos de poder no mundo. O poder militar é inigualável, pois pode se manifestar em escala planetária. A China tem um grande poder militar, mas é regional. Os Estados Unidos têm base militar em quase todas as partes do mundo. O outro instrumento de poder é o dólar, como moeda de troca e de reserva. O Brasil tem 250 bilhões de dólares de reserva, a China mais de 1 trilhão de dólares. Não interessa nem à China, nem ao Brasil o desaparecimento ou a desvalorização do dólar, mas também não interessa ficar dependendo unicamente da moeda americana para o comércio e para as reservas. Ocorre que quem mais debilita o dólar é o próprio Trump, com suas tarifas e com sua política econômica.

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