O aumento do déficit obriga o retorno à trajetória de queda da dívida
O governo sangrou recursos para estabilizar as finanças públicas, mas é preciso haver mudanças - ou o país sofrerá
Gastar para salvar a economia foi o mote do fatídico 2020. Como forma de combater a interrupção das atividades comerciais durante o combate à pandemia de Covid-19, governos fizeram dispêndios sem precedentes. O Brasil liderou os países emergentes no tamanho das medidas para conter a queda. Isso resultou na reversão dos esforços iniciados no governo do presidente Michel Temer de contenção dos gastos públicos e de controle fiscal. Desde o desembarque do vírus no país, o Planalto já empenhou quase 700 bilhões de reais para enfrentar a crise da saúde pública e amparar as empresas e pessoas necessitadas com pacotes para a manutenção de empregos e a concessão de auxílio emergencial. Para se ter ideia do tamanho do problema, a economia prevista com a necessária reforma da Previdência, em dez anos, atingia 800 bilhões de reais.
Agora, para 2021 e além, o retorno à trajetória de diminuição da dívida se tornou mais urgente, uma vez que o rombo se aproxima de um preocupante nível próximo dos 100% do PIB. Também será decisivo para o Brasil ter capacidade de atrair investidores de forma consistente pela próxima década. Empresas internacionais e gestores de fundos vão acompanhar com lupa se o país vai afundar num abismo fiscal ou se dará sinais de responsabilidade com as contas públicas. Objeto de disputa dentro do governo, o teto de gastos é o mecanismo fundamental para dar o sinal correto aos mercados internacionais e para levar o país de volta aos trilhos do crescimento. À medida que limita a ampliação do volume das despesas à inflação registrada no ano anterior, ele coloca limites claros aos gastos.
Esse não parece ser ponto pacífico no governo. Congressistas apoiadores de Jair Bolsonaro passaram 2020 sugerindo formas de burlar o teto, e alas do Executivo como a do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, sopraram aos ouvidos presidenciais promessas de crescimento por meio de projetos custosos. A ideia envolvia expandir os gastos públicos em obras de infraestrutura para fomentar investimentos e empregos. Do seu lado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, continua batendo o pé e defendendo, numa solidão sem precedentes desde o início da gestão atual, a atração de dinheiro privado como forma de alavancar a retomada. “Independentemente da tendência política, existe essa pressão para que o governo realize obras, contrate funcionários, aloque recursos para estados e municípios e para programas sociais”, diz Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda responsável pela elaboração do teto de gastos. “O problema é o custo disso, o que, durante muitos anos, não se avaliou no Brasil. O aumento do gasto é insustentável e gera a diminuição da confiança na economia, causando aumento dos juros e queda dos investimentos.”
Para além de simplesmente declarar fidelidade à premissa de controle de gastos, tornou-se essencial que o governo e o Congresso Nacional deem vazão à agenda de reformas. Grande parte delas, como a administrativa e as Propostas de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial e do Pacto Federativo, ataca exatamente o apertado Orçamento. Segundo um estudo recente do pesquisador Marcos Mendes, da escola de negócios Insper, há pressões de mais de 20 bilhões de reais para que o teto seja respeitado. Apenas a proposta da PEC Emergencial prevê economia em dois anos de 25 bilhões de reais, com o gatilho de corte de 25% das jornadas e salários de servidores públicos quando o Orçamento corre o risco de estourar. Outro passo importante para o governo gastar menos é a União se desfazer de estatais deficitárias. Das 46 empresas que controla diretamente, dezenove acumularam mais de 22 bilhões de reais de prejuízos nos últimos cinco anos. O governo ainda precisou cobrir 71 bilhões de reais em rombos em estatais no mesmo período. A receita para gastar menos está dada. Precisa ser seguida.
Publicado em VEJA de 13 de janeiro de 2021, edição nº 2720